BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) apontou fortes indícios de irregularidade na promoção de motoristas de uma estatal controlada por oficiais da Marinha e pediu nesta terça-feira (16) uma investigação sobre o ato, com identificação dos responsáveis e ressarcimento aos cofres públicos, caso necessário.
O pedido do MP se baseou em reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo nesta segunda-feira (15). A reportagem revelou a promoção de quatro motoristas de diretores da Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), efetivada pelos próprios diretores da estatal. O salário dos motoristas, que ganharam cargos de confiança e viraram assistentes, saltou de R$ 3,4 mil para R$ 18,6 mil, uma diferença de 447%.
O prejuízo aos cofres públicos com a manobra foi de R$ 1,4 milhão, conforme uma auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) concluída em julho de 2018. O cálculo levou em conta os pagamentos de salários em 2016 e 2017.
A decisão de promover os motoristas da diretoria foi capitaneada pelo atual presidente da Nuclep, o contra-almirante da reserva Carlos Henrique Silva Seixas. No momento da decisão da diretoria executiva, em 3 de agosto de 2016, ele era diretor administrativo da estatal.
Na mesma reunião estava o vice-almirante Liberal Enio Zanelatto, então diretor industrial da Nuclep. Hoje ele é diretor industrial da Marinha.
Os outros dois diretores que validaram a promoção, considerada ilegal pela CGU, são civis. A atual diretoria da Nuclep tem três militares de alta patente da Marinha.
A CGU detectou a ilegalidade, colocou em um relatório os detalhes do prejuízo ao erário, pediu apuração sobre a conduta dos responsáveis e recomendou ressarcimento dos valores. Uma investigação interna da Nuclep acabou arquivada, sem apontar responsáveis e sem devolução de dinheiro.
Quando a CGU concluiu a apuração, o ministro de Minas e Energia do governo Jair Bolsonaro, o almirante de esquadra da reserva Bento Albuquerque, integrava o Conselho de Administração da Nuclep. O colegiado não adotou medidas específicas em relação à promoção dos motoristas a assistentes.
“O caso acabou sendo arquivado após apuração interna, deixando evidente para o contribuinte que os recursos públicos continuam sendo usados para enriquecer de maneira imoral pessoas próximas aos dirigentes do poder público”, afirmou o suprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, responsável pela representação no TCU para que o caso seja investigado.
Para Furtado, há fortes indícios de irregularidade na promoção dos motoristas. “Manobras administrativas para beneficiar amigos de autoridades como as que ora foram noticiadas constituem verdadeira afronta e agressão ao contribuinte.”
A representação foi apresentada à presidente do TCU, ministra Ana Arraes, como é praxe nesse tipo de procedimento. O subprocurador pediu investigação sobre irregularidades, identificação dos responsáveis pela promoção e ressarcimento de recursos pagos irregularmente, se for o caso.
A ata da 573ª reunião da diretoria executiva da Nuclep, de 3 de agosto de 2016, descreve como se deu a concessão dos cargos de confiança aos motoristas da diretoria, um ato da própria diretoria.
O TCU já tem um procedimento aberto, desde 2018, para apurar “possíveis casos de ascensão funcional irregular” na Nuclep. Nenhuma deliberação foi adotada no processo.
O relator é o ministro Jorge Oliveira, indicado ao cargo pelo presidente. Ele é amigo da família Bolsonaro. Oliveira já atuou no TCU para blindar o governo ou para postergar decisões desfavoráveis à gestão que integrou como subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e como ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
O Ministério de Minas e Energia, em nota, afirmou que a corregedoria da Nuclep concluiu pelo arquivamento da apuração aberta, “dada a ausência de dano ao erário e de conduta dolosa, conclusão que contou com a chancela do corregedor setorial da própria CGU”.
“O ministro Bento Albuquerque, durante o período em que integrou o Conselho de Administração da Nuclep, contribuiu sobremaneira para a aprovação de diversas medidas que, com certeza, aprimoraram a governança da empresa”, afirmou a pasta.
Entre as medidas citadas está uma ampliação das competências do conselho para maior abrangência na fiscalização dos atos de gestão da diretoria executiva, com assessoramento de um comitê de auditoria.