Split Payment

Entenda o 'super pix' da Receita Federal e seus impactos

Sistema tributário de split payment deve ser 150 vezes maior que o Pix, mas empresas podem sair prejudicadas nessa história

Compra, varejo, pagamento, cartão, consumidor
(Foto: Kampus Production/Pexels)

A Receita Federal está planejando para implementar gradualmente, a partir de 2026, o split payment: uma plataforma tributária 150 vezes maior que o Pix que promete diminuir a sonegação fiscal, a incomplacência e as fraudes no Brasil.

Apesar da promessa de inovação, especialistas afirmam que a proposta pode prejudicar empresas e aumentar o valor repassado para os consumidores. Além disso, a robustez da proposta e do sistema tributário brasileiro pode encontrar entraves tecnológicos.

Entenda o Split Payment

De acordo com o Ministério da Fazenda, o split payment , ou pagamento fracionado, é um mecanismo em que o valor do tributo é separado automaticamente do montante da mercadoria ou do serviço no momento em que é feito o pagamento, sendo usado para a extinção do débito ou para garantir o crédito tributário do pagador.

Pelo seu caráter revolucionário na automatização do pagamento, o novo sistema foi apelidado de “Super Pix”, mas a comparação não é 100% verídica. Enquanto o pix trabalha com variáveis mais simples – remetente, recebedor e valor – o split payment lidará diretamente com cadeias de produção mais complexas créditos tributários e informações detalhadas sobre produtos e serviços.

O próprio sistema é capaz de processar 70 bilhões de notas fiscais por ano e a robustez dos dados envolvidas faz com que o split payment seja 150 vezes maior, em volume, do que o Pix.

Atualmente, o valor do imposto já é “embutido” no valor da venda dos produtos ou dos serviços; cabe à empresa, que recebe o valor cheio, administrar e declarar posteriormente o que pertence a cada um. O problema é que, nesse intervalo entre receber o valor bruto e declarar os impostos, algumas empresas postergam o pagamento dos tributos e emitem notas frias – as duas maiores portas de sonegação fiscal atualmente.

Com o split payment, no modelo que deve ser aplicado no Brasil, e a automatização da cobrança fiscal a tendência é que a rastreabilidade desse dinheiro aumente e os riscos de litígio sejam reduzidos. A empresa receberá apenas o valor líquido, menos que o bruto, o que está gerando “dor e cabeça” para alguns empresários.

Problemáticas do split payment

A principal crítica entre os especialistas na área é a diminuição da liquidez. Como explicou a tributarista Mary Elbe Queiroz, do Queiroz Advogados Associados, empresas perdem a folga do recolhimento mensal e estados/municípios passam a depender do ritmo de repasses do Comitê Gestor, já que não podem mais contar com a “sobrinha” da carga tributária e tentar administrar para que aquele valor seja garantido de outras formas até o fim do mês.

Sendo assim, as empresas precisarão se concentrar em recalibrar o capital de giro, reorganizar prazos de pagamentos a fornecedores, negociar condições com adquirentes e plataformas e, em alguns casos, ajustar preços para preservar margens, inclusive, ajustar prazos de financiamento dos adquirentes, clientes compradores.

Para Carlos Braga, CEO do Grupo Studio, embora a narrativa oficial destaque modernização e transparência, o efeito imediato tende a ser o aumento da carga efetiva para empresas de todos os portes, o que pode levar a uma onda de falências.

“A Receita Federal está pensando em aumentar arrecadação, diminuir qualquer possibilidade de sonegação, mas com isso, estão elevando as margens de arrecadação e diminuindo os lucros das empresas ou então aumentando os preços absurdamente”, afirma.

Segundo o executivo, a medida compromete diretamente o equilíbrio das finanças privadas, especialmente em setores que já operam com margens estreitas. “Vejo risco de uma inflação ainda maior do que a atual, o que pode agravar distorções já existentes e provocar um desequilíbrio profundo na economia brasileira”, reforça Braga.

Ele avalia que, em um cenário no qual o crédito já está caro e a taxa Selic em 15% dificulta o crescimento, um choque adicional de preços pode comprometer a renda das famílias, reduzir o consumo e acentuar as desigualdades regionais. “Esse efeito dominó pode se refletir na queda de investimentos produtivos e até na desaceleração de setores estratégicos, ampliando a sensação de instabilidade econômica”.

Outro desafio está na robustez tecnológica. Se o Pix já mostrou que o Brasil consegue operar uma infraestrutura massiva, a plataforma tributária será um desafio inédito. Cada nota fiscal contém dezenas de informações, multiplicando o risco de gargalos e de exposição de dados estratégicos de empresas.

Como lidar com a mudança

Segundo os profissionais da área, a melhor forma de diminuir o “susto” da mudança é as empresas se prepararem para proteger o caixa e ter um compliance competitivo. “Com a reforma, não basta cumprir a lei. É preciso antecipar cenários e ajustar processos para não comprometer o fluxo de caixa”, afirma Denis Satolo, líder de Business Process Solutions (BPS) da Grant Thornton Brasil.

Os especialistas da Grant Thornton listaram boas práticas que podem evitar prejuízos e garantir agilidade na transição:

  • Antecipe-se ao novo modelo: simule diferentes cenários com base nas mudanças do sistema tributário e revise os impactos no fluxo de caixa.
  • Invista em plataformas integradas: ferramentas como o SAP Business One, da própria Grant Thornton, quando parametrizadas estrategicamente, permitem rastreabilidade, automação e controle em tempo real.
  • Reforce a governança fiscal: audite processos, revise obrigações acessórias e elimine vulnerabilidades que possam gerar autuações ou perda de créditos.
  • Considere a terceirização de BPS: a contratação de especialistas externos pode gerar mais eficiência tributária e otimizar recursos, especialmente com a nova lógica de créditos fiscais.
  • Transforme dados em inteligência de negócio: aproveite os sistemas de compliance para criar dashboards de gestão e apoiar decisões estratégicas.