Foto: Pixabay
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Com uma dívida de cerca de R$ 205 bilhões com a União — conforme dados divulgados pela Fazenda no fim de 2024 —, o Estado do Rio de Janeiro voltou aos holofotes do noticiário político. Agora, o tema é a operação policial que resultou na morte de 119 pessoas, até o fechamento desta matéria.

Especialistas ouvidos pelo BP Money confirmam que os custos decorrentes da operação no RJ podem, sim, elevar a dívida do estado junto à União.

Segundo Ruam Oliveira, especialista em investimentos e MBA em Finanças pela FBNF, o Estado é compelido a intervir, o que “gera não apenas a elevação do dispêndio com segurança pública, mas também a abertura de uma nova frente de investimentos sociais e estruturais. Tais aumentos de gastos impactam o equilíbrio fiscal”.

Oliveira lembra que, em um estado sob Regime de Recuperação Fiscal (RRF), qualquer incremento relevante no custeio pode comprometer as metas fiscais. Atualmente, a meta fiscal do governo federal para 2026 é de um superávit de R$ 34,3 bilhões.

Em relação ao Rio de Janeiro, o analista aponta que o estado pode ter de “buscar revisões do seu Plano ou, em última instância, recorrer a mecanismos de crédito, potencializando a exposição da União como garantidora e, assim, elevando a dívida indireta”.

Risco jurídico e impacto nas garantias

Na esfera legislativa, Daniela Poli Vlavianos, advogada do escritório Arman Advocacia, destaca duas formas principais pelas quais pode haver elevação da dívida ou do risco para a União:

  1. Concessão de garantias pelo Estado ou por empresas públicas, cujo acionamento pode se converter em responsabilidade da União;
  2. Formalização de passivos contingentes ou obrigações ressaltadas que exijam intervenção ou apoio federal.

A advogada lembra que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) estabelece que “a não liquidação da dívida total que tiver sido honrada pela União ou pelos Estados, em decorrência de garantia prestada em operação de crédito”, autoriza a União a reter transferências ou adotar medidas de ressarcimento.

“Além disso, conforme o painel Visão Integrada das Dívidas, do Tesouro Nacional, as garantias da União assumidas por estados integram o monitoramento como passivo contingente da União”, acrescenta Vlavianos.

Entenda a operação no RJ

A Operação Contenção foi uma ação conjunta das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro, realizada na terça-feira (28) nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte da capital fluminense.

Foram mobilizados cerca de 2,5 mil agentes das forças estaduais de segurança, após mais de um ano de investigação conduzida pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), segundo a CNN.

O governo estadual e a Secretaria de Segurança Pública (SESP) afirmaram que o objetivo era combater a expansão territorial do Comando Vermelho.

Além disso, o movimento foi classificado como a mais letal da história. Segundo informações do governo, foram confirmados 121 mortos decorrentes da operação no RJ.

Diante do resultado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou ter ficado “estarrecido”. O petista determinou, na quarta-feira (29), que as Forças Armadas não seriam enviadas ao estado.

“A Garantia da Lei e da Ordem (GLO) precisa ser requerida pelo governador. Não é uma ação espontânea do presidente da República. O governador precisa reconhecer a incapacidade das forças locais de enfrentarem essa turbulência”, explicou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, segundo o UOL.

Operação pode envolver garantias com impacto à União

Vlavianos também aponta a possibilidade de que “se na operação do RJ forem concedidas garantias ou avais que coloquem a União como garantidora”. Ele explica que o governo federal poderá ter de assumir obrigações originalmente estaduais. Ou seja elevaria o passivo da União e obrigaria os cofres públicos a suportar os encargos.

“Se o Estado assumir novos subsídios ou obrigações que comprometam receitas futuras — como encargos de empresas públicas ou subsídios a concessionárias —, isso poderia agravar sua dívida junto à União ou demandar renegociação e recursos federais”, explica a advogada.

Credibilidade e reação do mercado

No mercado financeiro, a principal variável observada devida a operação no RJ é a capacidade do Estado de converter a operação em retorno econômico.

Oliveira ressalta que uma eventual redução da criminalidade poderia elevar a arrecadação de ICMS e outros tributos, melhorando a percepção de risco:

“Se a operação for sustentável e reverter a desconfiança, o Estado ganha credibilidade fiscal ao mostrar que a ação de segurança é, na verdade, um investimento com retorno fiscal positivo, e não apenas um centro de custo.”

Já na visão jurídica, Vlavianos alerta que a credibilidade do Estado e da União pode ser afetada.

“Esse risco decorre de possíveis fragilidades no equilíbrio fiscal, da assunção de passivos inesperados ou de garantias que possam ser acionadas.”

De forma geral, a credibilidade está ligada à capacidade do Estado de cumprir suas obrigações. Se a operação gerar responsabilidades que extrapolem o orçamento ou levem à deterioração das contas públicas, o mercado poderá questionar a solvência e a gestão fiscal do Rio de Janeiro.

Impactos financeiros e fiscais

Tanto na perspectiva do mercado quanto no âmbito jurídico, a operação pode ter efeitos fiscais relevantes. O aumento das despesas, se não compensado, deteriora a capacidade de pagamento do Estado.

“Em um cenário de insolvência, o mecanismo acionado é a execução das contragarantias da União. A União, atuando como garantidora de empréstimos tomados pelo Estado, é legalmente obrigada a honrar esses compromissos perante os credores”, detalha Oliveira.

Entre os principais canais de impacto, segundo Vlavianos, estão:

Garantias concedidas pelo Estado ou empresas públicas: sendo acionadas, a União pode ter que honrar os compromissos ou reter transferências;

Passivos contingentes: obrigações ainda não vencidas, mas que podem gerar desembolso futuro (subsídios, litígios ou dívidas garantidas pelo Estado);

Aumento de despesas correntes: novas obrigações de gasto ou subsídios podem comprometer o orçamento estadual e exigir apoio federal;

Renegociações de dívida: eventual pedido de apoio ou crédito adicional ampliaria a exposição da União;

Vedações do RRF: se o Estado violar as restrições da Lei Complementar nº 159/2017, poderá sofrer intervenção ou medidas de ajuste;

Comprometimento de transferências federais: caso a União precise ressarcir ou garantir dívidas, parte das transferências constitucionais pode ser retida.