BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Apesar de o governo prometer zerar a fila de espera do novo Bolsa Família, o programa social não deverá ser suficiente para atender à população vulnerável em 2022.
Nos moldes divulgados até o momento, o Auxílio Brasil, nome dado ao substituto da marca social petista, irá atender a 17 milhões de famílias -são 2 milhões a mais que a cobertura atual.
A fila de espera do Bolsa Família tem 1,2 milhão de cadastrados. Mas essa lista está congelada.
Desde abril, quando o governo começou a pagar o auxílio emergencial em 2021, o Ministério da Cidadania não analisa mais os cadastros que podem se encaixar no Bolsa Família.
Entre abril e julho, cerca de 600 mil novas famílias na faixa de pobreza e extrema pobreza entraram no Cadastro Único (sistema para programas sociais).
Ou seja, em tese a lista de espera até julho seria de 1,8 milhão de famílias. Mas, para entrar na fila de espera do programa, esses 600 mil cadastros ainda precisam ser conferidos pelo Ministério da Cidadania.
A expectativa é que o número de famílias em espera para entrar no programa seja ser zerado no fim de 2021.
No entanto, integrantes do governo dizem que as inscrições no Cadastro Único subiram ainda mais a partir de julho por causa da proximidade do fim do auxílio emergencial. Em agosto e setembro, o aumento já teria sido expressivo.
Por isso, apesar da intenção de manter a fila de espera do novo Bolsa Família zerada, a tendência é que nem todos consigam ser atendidos em 2022 diante do aumento da pobreza no país.
Procurado, o Ministério da Cidadania disse que “o governo federal adotará as medidas necessárias para alcançar os cidadãos de menor renda.”
Para a especialista em políticas públicas Letícia Bartholo, o Auxílio Brasil mantém a mesma falha do Bolsa Família ao não prever em lei que famílias em situação de pobreza e extrema pobreza não podem esperar pela transferência de renda.
“O problema é que a fila vai continuar existindo. A pobreza aumentou, e o Auxílio Brasil prevê que o público do programa e o valor a ser pago têm que ser compatibilizados com o que tem de orçamento”, disse Bartholo, ao lembrar que o acesso não é automático.
Criado na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Bolsa Família era o carro-chefe dos programas sociais do governo para transferir renda diretamente para os mais pobres. Agora, ele será substituído pelo Auxílio Brasil a partir de novembro, numa tentativa de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) lançar uma marca própria na área social.
O novo programa mantém as premissas do antecessor ao atender famílias em situação de extrema pobreza (renda mensal de até R$ 89 por pessoa, segundo o padrão atual do governo) e pobreza (entre R$ 89 e R$ 178).
Essas faixas, que não são corrigidas desde 2018, devem subir para cerca de R$ 93 e R$ 186, respectivamente. O reajuste, porém, não compensa a inflação do período. Quando esses limites são mais altos, mais pessoas podem se cadastrar.
A fila de espera do Bolsa Família se forma quando cadastros já aprovados pelo governo ficam mais de 45 dias sem uma resposta definitiva, ou seja, sem entrar efetivamente no programa.
Esse prazo vinha sendo cumprido desde agosto de 2017, durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Mas, por falta de recursos, o programa não consegue cobrir a todos desde junho de 2019 -primeiro ano de Bolsonaro.
Apesar de alertas internos, o governo rejeitou, por diversos meses, ampliar o orçamento do Bolsa Família para atender aos mais pobres até o início da pandemia. Por causa da Covid-19, Bolsonaro decidiu pagar o auxílio emergencial, que se caracterizou pela ampla cobertura assistencial a famílias de baixa renda.
De acordo com dados da FGV Social, em um intervalo de pouco mais de um ano, o número de pessoas em situação de pobreza no país variou bastante. Os dados consideram famílias que ganham até R$ 261 por pessoa.
O número de pessoas nessa faixa, que era de mais de 23 milhões (11%) no fim de 2019, chegou a cair para cerca de 9,8 milhões (4,3%) na metade do ano passado, momento em que o auxílio emergencial chegou a mais famílias.
Com o fim abrupto do benefício, o número de mais pobres explodiu no primeiro trimestre de 2021, indo a mais 34,3 milhões (16,1%), para mais tarde voltar a cair, para os atuais 27,7 milhões (12,98%), com a nova rodada do auxílio emergencial a partir de abril -o benefício estava previsto até outubro.
Desde março de 2021, o tamanho do Bolsa Família bate recordes. O número de famílias está próximo de 14,7 milhões. Nem nos governos do PT a cobertura foi tão grande. Apesar desses recordes, a fila de espera supera a média dos governos de Dilma Rousseff (PT) e Temer.
O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, disse que o Bolsa Família, extinto após 18 anos, ajudou nos índices sociais do período. Para ele, a transferência de renda tem efeitos positivos para a superação da desigualdade e para a atividade econômica.
“Ele vai atacar o pior tipo de pobreza, e faz as rodas da economia girarem”, afirmou Neri.
O Ministério da Cidadania ressaltou que “é compromisso desta gestão ampliar o alcance das políticas socioassistenciais e atingir, com maior eficácia, a missão de superar a pobreza e minimizar os efeitos da desigualdade socioeconômica.”
Além disso, informou que pretende aprimorar o Cadastro Único e a porta de acesso aos programas sociais do governo federal, entre eles o Auxílio Brasil.
O plano do presidente Bolsonaro é elevar o benefício médio das famílias. Hoje, o Bolsa Família paga, em média, cerca de R$ 190. Bolsonaro quer pagar, no mínimo, R$ 400 até dezembro de 2022.
A principal diferença entre o Auxílio Brasil e o Bolsa Família é a intenção do governo de ampliar a verba para o programa.
De olho nas eleições de 2022, Bolsonaro foi aconselhado por aliados a destinar mais recursos para essa área.
Na avaliação de Neri, o programa deveria estar afastado dessa questão política. “A pobreza sempre cai em ano antes de eleição e sobe em ano pós-eleição”.
Para Bartholo, a falta de previsibilidade para as famílias mais pobres prejudica a política pública de combate à fome e à pobreza. “Essas famílias precisam saber quanto vão receber depois, em 2023”.
Por falta de espaço no Orçamento, o governo precisa ainda aprovar uma proposta no Congresso para que haja mais recursos disponíveis nos próximos anos, inclusive em 2022. Os recursos seriam garantidos com a aprovação de uma proposta de emenda constitucional que trata de precatórios (despesas do governo reconhecidas pela Justiça), que prevê um drible ao teto de gastos.
O Palácio do Planalto depende dessa medida para colocar em prática o plano de ampliar o benefício de assistência social para R$ 400 e atingir a cobertura de 17 milhões de famílias.