Incentivo ao consumo

Novo consignado é um 'tiro no pé'? Analista apontam riscos e benefícios

A economia brasileira vive um cenário atípico desde o ano passado, o que levou o governo a criar uma nova modalidade de empréstimo consignado

Foto: Real/CanvaPro
Foto: Real/CanvaPro

A modalidade de empréstimo consignado para trabalhadores com carteira assinada (os CLTs) e MEIs (Microempreendedores Individuais) começou a valer na semana passada. Com juros menores que outras opções de crédito, o governo federal lançou a medida com o intuito de manter a economia aquecida, o que para alguns analistas significará mais benefícios, sem grande interferência nos indicadores de inflação e juros, enquanto outros especialistas indicam riscos para a população.

A economia brasileira vive um cenário atípico desde o ano passado. A inflação corre acima da meta e pressiona os preços dos bens de consumo, enquanto isso, a taxa de juros também caminha na mesma direção, com expectativas de atingir níveis recordes esse ano. 

Nesse ambiente, o governo federal criou um novo tipo de empréstimo consignado para os trabalhadores CLT, o que tem gerado polêmicas e análises diversas entre os especialistas quanto aos efeitos no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) e na condução da Selic (taxa de juros).

Odilon Guedes, presidente do Corecon-SP, acredita que o novo empréstimo consignado para CLTs aumentará a renda da população, permitindo o crescimento no consumo e, por consequência, uma melhora na qualidade de vida. 

“Além disso, o governo também se beneficiará, já que esses produtos geram tributos, aumentando a arrecadação. No que diz respeito à inflação, especialmente a dos alimentos, que está pesando bastante, é importante destacar que ela não diminuirá com o aumento da taxa de juros”, afirmou.

Em sua visão, a alta nos preços dos alimentos precisa ser enfrentada a partir de ações como a importação de produtos, uso de estoques reguladores e disponibilização de crédito subsidiado. “Por exemplo, a parcela do Plano Safra deve definir juros subsidiados para os produtores de arroz, feijão e trigo”, disse.

No entanto, o fato do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central) já ter elevado a Selic a 14,25% ao ano em maio, com sinalizações de mais altas nas próximas reuniões deste ano, tem o intuito de frear o avanço da economia – que no ano passado cresceu 3,4%, conforme os dados do PIB (Produto Interno Bruto)e do consumo. Com isso, a autarquia espera chegar à meta de inflação de 3%. 

Por sua vez, o mercado financeiro acredita que o movimento pode já estar fazendo efeito, visto que o PIB do quarto trimestre de 2024 cresceu menos que nos períodos anteriores. Com isso, os economistas já têm aliviado as projeções para os indicadores, segundo o Relatório Focus do BC, que mostrou duas reduções seguidas nas estimativas para a inflação deste ano, junto com o PIB. 

Esse ponto foi reforçado pelo CVO da Inteligência Comercial, Luciano Bravo, que vê no aumento da demanda por empréstimos, causado pelo novo consignado, uma ameaça de redução à eficácia do aperto monetário promovido pelo BC, o que pode gerar um “efeito parcialmente compensatório sobre a política de controle da inflação”. 

Porém, Odilon Guedes ainda aposta que o novo consignado para os trabalhadores terá impacto positivo – mesmo estimulando o oposto ao que espera o BC. Segundo ele, com o aumento da renda e do consumo, as empresas precisarão produzir mais bens e serviços, aumentando o nível de emprego, atuando como um contraponto à desaceleração.

As polêmicas em torno do novo consignado

A explicação do governo federal para a criação do novo empréstimo consignado com juros mais baixos é que ajudaria os trabalhadores. No entanto, o que também está repercutindo entre a população é o fato de que, para obter o crédito, o contratante precisará dar 10% de seu saldo do FGTS (Fundos de Garantia de Tempo de Serviço) como garantia, ou a multa rescisória, em caso de demissão. 

Considerando a desaceleração econômica almejada pelo Banco Central e pelo mercado financeiro, o advogado especialista em Direito do Trabalho do Almeida Prado & Hoffmann,  Andre Pimenta Arruda Araújo, acredita que o comprometimento de 10% do FGTS nessa modalidade de consignado pode gerar efeitos negativos na vida da população. 

“Tal ato ocasionará uma redução da reserva de emergência do trabalhador, uma vez que o FGTS tem a função de servir como um fundo de proteção em casos de demissão sem justa causa e o uso desse recurso para garantir empréstimos pode comprometer a segurança financeira do trabalhador em momentos de crise”, esclareceu.

Além disso, o advogado ressaltou que os trabalhadores de classes de renda mais baixas, que devem recorrer ao novo consignado para suprir necessidades imediatas, correm o risco de se endividar e não ter recursos para quitar as dívidas posteriormente, caso enfrentem uma demissão. 

“Os reflexos objetivos dessa questão, em caso de desaceleração do FGTS com empréstimos, se desenvolverão em especial na inadimplência (que ocasionará protestos, negativações e eventualmente ações judiciais), redução de consumo e impacta negativo de setores que dependem de demanda interna, ou seja, comércio, varejos”, analisou Araújo.

Do outro lado da linha, os que têm a ganhar mais com essa nova operação de crédito são os bancos e o setor financeiro como um todo. Isto porque, a nova modalidade criada pelo governo federal oferece a essas instituições – além do usual desconto na folha de pagamento, como em outros consignados – a garantia de que o débito poderá ser transferido para um novo emprego ou renegociado, se o trabalhador for demitido ou suspenso do emprego atual. 

Além disso, mesmo que essas vias não funcionem, o FGTS será a garantia final para o pagamento do empréstimo, não tendo alternativas para que os bancos não recebam o valor devido pelos contratantes do empréstimo.

“Com uma fonte garantida de pagamento, as instituições financeiras podem reduzir o risco de inadimplência e, possivelmente, oferecer taxas de juros mais baixas do que outras modalidades de crédito pessoal”, disse Araújo.

O advogado também explicou que o setor financeiro pode ter ganhos a longo prazo, considerando que, com a segurança adicional oferecida aos bancos, a concessão de empréstimos pode crescer.

“Com a garantia do FGTS, os bancos podem direcionar mais recursos para essa modalidade, reduzindo a oferta de crédito tradicional ou até encarecendo outras linhas, caso vejam o consignado FGTS como mais vantajoso”, comentou Araújo.

Na mesma linha de análise, Luciano Bravo apontou que o movimento provocado pelo novo empréstimo consignado neste momento por impactar negativamente a recuperação econômica no futuro.

“O efeito líquido dependerá da adesão ao programa e do comportamento dos consumidores em relação ao crédito disponível”, afirmou.

Um desses efeitos, segundo ele, pode ser no setor habitacional, visto que o FGTS é muito utilizado pela população para a compra da casa própria.