WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que novos choques externos em 2022, como uma alta dos juros do Fed (banco central dos EUA), podem retardar a queda dos juros e da inflação no Brasil, o que pode influenciar futuras decisões do governo.
Neto foi perguntado sobre o tema durante um debate do banco de investimentos Goldman Sachs, em Washington. “Achamos que é perfeitamente possível fazer o trabalho [de baixar a inflação] com o ritmo que estamos mantendo [de alta na taxa básica de juros], a não ser que outro choque aconteça”, disse ele.
“É importante passar a mensagem que 2022 é nossa meta. Temos condições extraordinárias em termos de dinâmica de inflação e faremos o que for preciso para colocar a inflação na meta”, afirmou.
“Obviamente, o ciclo de ajuste de taxas de juros globalmente falando, vai influenciar no que fazemos. Mas quando você olha no que encaramos, em termos como diferenças nas taxas de juros, o poder de espalhamento disso é baixo, por que temos muitos ruídos que são nossos, como problemas de energia. O real teve também teve uma grande desvalorização em 2020, outros países vizinhos tiveram apreciação”, disse.
Uma alta nos juros pagos pelo Fed, o banco central americano, pode fazer com que investidores retirem dinheiro do Brasil para aplicar nos EUA, o que pode afetar o mercado brasileiro.
“Há um risco, de que quando o Brasil esteja perto do fim do ciclo [de chegar na meta], seja surpreendido por um novo choque, mas então teremos de ver, naquele momento, quando ocorrer o impacto, qual será o impacto do choque no interno do Brasil. É uma preocupação sim, mas não uma grande preocupação. Temos que ver quando vier e se vier, e agora temos de focar em ser muitos claros sobre nosso trabalho para trazer a inflação [para a meta] dentro do horizonte relevante, que é 2022.
Para este ano, há consenso no mercado e no BC de que a inflação deve estourar a meta fixada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) em 3,75% ?com 1,5 ponto percentual de tolerância para cima e para baixo.
A projeção do BC é que a inflação chegue ao pico em setembro, com 10,2%, e desacelere nos meses seguintes, até fechar o ano com 8,5%, 3,25 pontos percentuais acima do teto da meta. Hoje, o Copom já mira o controle de preços de 2022 e 2023, no chamado horizonte relevante, para quando o comitê entende que a política monetária pode fazer efeito, com metas de 3,5% e 3,25%, respectivamente.
Em setembro, o BC elevou a taxa básica de juros em 1 ponto percentual, para 6,25% ao ano, e indicou que fará nova alta de mesma magnitude na próxima reunião, neste mês.
Neto também falou sobre o câmbio, e reafirmou que o Banco Central busca intervir na cotação da moeda apenas quando há risco de que a flutuação afete a inflação. “O real precisa flutuar para absorver choques quando necessário. Ao mesmo tempo, dada a melhora nos termos de comércio, a absorção de choque não tem funcionado na direção em que antecipamos, não só para o Brasil”, disse.
“O importante é quanto isso influi na inflação e nas expectativas de inflação. Nós intervimos no mercado quando vemos que ele está disfuncional. Se vemos um grande fluxo, se está se afastando muito dos fundamentos e criando uma demanda por si só. Esta é uma decisão colegiada. E nunca intervimos no prazo muito curto, em tempo real”, completou.
Campos Neto veio a Washington para participar da reunião anual do FMI, cuja maioria dos eventos ocorre a portas fechadas. Ele disse que um dos temas mais debatidos no encontro foram as mudanças na demanda, geradas pela pandemia, e se elas serão temporárias ou definitivas. Também comentou que saiu com reflexões sobre a complexidade da economia para a transição rumo à economia verde.
O presidente do BC foi questionado pelo moderador do debate, Alberto Ramos, que é diretor do grupo de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs. Ramos ressaltou que o Brasil atingiu uma inflação de dois dígitos pela primeira vez desde 2016, que o país vive um cenário político complicado a um ano das eleições e que o real sofreu forte desvalorização no mercado.
Neto disse que a situação da economia brasileira é resultado de uma série de choques trazidos pela pandemia, como as mudanças na demanda por produtos, as falhas nas cadeias de suprimentos, a alta nos preços de energia no mundo e a seca no Brasil.