O crescimento da economia brasileira deve desacelerar de 4,9% em 2021 para 1,8% em 2022, resultados abaixo da média mundial e que colocarão o país, no próximo ano, com o pior desempenho entre as economias mais relevantes do planeta.
Os números são parte do Relatório de Desenvolvimento e Comércio de 2021 da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), que cita, no caso brasileiro, incertezas políticas e a crise energética como fatores negativos para o crescimento.
Em relatório divulgado em julho, o FMI (Fundo Monetário Internacional) também colocava o Brasil com o pior desempenho projetado para 2022 em uma lista de 16 países.
Nas últimas semanas, muitos analistas revisaram as suas projeções, indicando um cenário ainda pior que o traçado pela Unctad. Algumas instituições já estimam um crescimento inferior a 1% para o Brasil no ano que vem.
A Unctad estima que o crescimento global desacelere de 5,3% neste ano para 3,6% em 2022, deixando a renda mundial ainda 3,7% abaixo de onde estaria caso fosse mantida a tendência pré-pandemia.
Isso representa uma perda de renda cumulativa esperada de cerca de US$ 13 trilhões no triênio 2020-2022. A produção mundial só encontraria o nível projetado a partir da tendência anterior à pandemia em 2030.
Para a instituição, políticas tímidas ou, pior ainda, retrocessos podem puxar o crescimento ainda mais para baixo. A questão é mais grave ao se considerar que o crescimento na década passada, pós-crise de 2008/2009, já foi o menor desde 1945.
Nesse contexto, o Brasil tem uma performance inferior à média mundial, como já mostraram dados divulgados do ano passado e projeções de diversas instituições multilaterais feitas neste ano. O país já teve uma queda do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020 de 4,1%, superior à média mundial (-3,5%).
Em um trecho do relatório em que trata especificamente do Brasil, a instituição diz que, apesar do pesado custo humano da pandemia no Brasil, a economia contraiu apenas 4,1% em 2020 em função das políticas fiscal e monetária adotadas.
Em 2021, a recuperação de preços das commodities e uma redução gradual do estímulo fiscal deve ajudar o PIB a crescer 4,9%.
A Unctad afirma ainda que, pelo lado positivo, a vacinação e a demanda por serviços tendem a se acelerar no segundo semestre de 2021. Do lado negativo, a escassez de fornecimento de energia tem empurrado a inflação para cima, o que está forçando o Banco Central a elevar a taxa básica de juros.
“[Essas] forças negativas e incertezas políticas associadas à próxima eleição presidencial do Brasil devem pesar sobre as perspectivas em 2022, com o crescimento desacelerando para apenas 1,8%”, afirma a instituição.
AUSTERIDADE EM SEGUNDO PLANO
A desaceleração do crescimento mundial no próximo ano pode ser mais acentuada do que o esperado, principalmente em países mais pobres, se os legisladores perderem a coragem e atenderem a apelos equivocados por medidas de austeridade, diz a entidade.
De acordo com a Unctad, os formuladores de políticas econômicas dos países avançados “ainda não acordaram” para o tamanho do choque provocado pela pandemia e para sua persistência nos países em desenvolvimento.
Restrições fiscais, falta de autonomia monetária e de acesso a vacinas estão segurando a recuperação desses países e ampliando o abismo entre eles e as economias avançadas, ameaçando inaugurar outra década perdida.
“Sem políticas mais ousadas que reflitam um multilateralismo revigorado, a recuperação pós-pandemia carecerá de equidade e deixará de enfrentar os desafios do nosso tempo”, afirma a secretária-geral da Unctad, Rebeca Grynspan.
Nesse cenário, ela afirma que o crescimento econômico será um luxo desfrutado cada vez mais por um pequeno número de pessoas privilegiadas.
As propostas da Unctad para uma recuperação menos desigual incluem uma combinação de alívio e até cancelamento, em alguns casos, da dívida de países mais pobres; uma reavaliação do papel da política fiscal na economia global; maior coordenação de políticas em economias sistemicamente importantes; e apoio ousado para países em desenvolvimento no acesso a vacinas.
REPENSAR A ECONOMIA
Richard Kozul-Wright, diretor da divisão de estratégias de globalização e desenvolvimento da Unctad, afirma que a pandemia criou uma oportunidade para repensar os princípios fundamentais da economia internacional, uma chance que foi perdida após a crise financeira global de 2008/2009.
Wright destaca iniciativas políticas dos Estados Unidos de aumento de gastos com infraestrutura e ampliação da proteção social, financiada por meio de mais tributação progressiva. “O próximo passo lógico é levar essa abordagem para o nível multilateral”, afirma.
Ainda de acordo com o relatório, aumentos de preços temporários causados por problemas de oferta e algumas pressões do lado da demanda podem se tornar desculpas para reverter as políticas necessárias para sustentar a recuperação nas economias avançadas.
Mesmo com uma década de massivas injeções monetárias dos principais bancos centrais, a inflação nesses países ficou sistematicamente abaixo de suas metas e, mesmo com a forte recuperação atual das economias avançadas, não há sinais de elevação sustentada dos preços, diz a Unctad.
A instituição alerta, no entanto, que o aumento dos preços dos alimentos pode representar uma séria ameaça às populações vulneráveis nos países do sul, já enfraquecidas financeiramente pela crise sanitária.
A Unctad estima que, até 2025, os países em desenvolvimento ficarão US$ 12 trilhões mais pobres por causa da pandemia. O fracasso na distribuição de vacinas pode retirar outro US$ 1,5 trilhão.
Segundo a instituição, uma recuperação menos desigual exigirá cooperação multilateral com políticas adicionais e transformações que vão muito além dos pacotes de resgate provocados pela pandemia Covid-19.
Privados da independência política e das vacinas que as economias avançadas consideram garantidas, muitos países em desenvolvimento estão enfrentando um ciclo de deflação e desespero, com uma década perdida se aproximando.
No relatório, a Unctad afirma também que a pandemia obrigou os países desenvolvidos a abandonar parte dos dogmas de 40 anos de política neoliberal para proteger vidas e fornecer meios de subsistência.
Sobre as lições trazidas pela crise atual, a instituição afirma que os países em desenvolvimento precisam de apoio para expandir seu espaço fiscal, que a recuperação depende do investimento público e que os bancos públicos e uma supervisão regulatória mais forte podem proporcionar um clima de investimento mais saudável.