BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A resistência de partidos de centro, como MDB e PSDB, e o baixo quórum na Câmara dos Deputados ameaçam adiar novamente a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que abre espaço no Orçamento para aumentar o valor do novo Bolsa Família.
Mesmo dentro da base aliada do governo não há, até o momento, o alinhamento necessário para que a proposta possa ser aprovada com facilidade na Câmara. Por isso, aliados do Palácio do Planalto contavam com o apoio na ala independente da Casa.
O relator da proposta, deputado Hugo Motta (PB), que é líder do Republicanos, se reuniu nesta quarta-feira (27) com o MDB e PSDB. Apesar de ter explicado e defendido a PEC, essas bancadas ainda estão resistentes ao projeto.
A intenção inicial era promulgar o texto que cria um teto para o pagamento de precatórios -dívidas reconhecidas pela Justiça- a tempo de permitir que o auxílio turbinado começasse a ser pago já em novembro. Inicialmente, a previsão é que o Auxílio Brasil, que vai substituir o Bolsa Família, seja concedido até dezembro de 2022.
No entanto, entraves na negociação adiaram a votação da PEC na comissão especial e agora no plenário.
Um dos pontos de divergência trata da garantia do pagamento de dívidas de repasses do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Há cerca de R$ 15,6 bilhões em precatórios desse tema para Bahia, Pernambuco, Ceará e Amazonas.
A oposição usa isso como discurso de que professores perderão recursos se a PEC dos Precatórios for aprovada.
Diante da resistência, inclusive em partidos de centro e da base do governo, Motta passou a avaliar retirar essa verba do teto de gastos -regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação.
A tese é que o dinheiro para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) não é considerado no cálculo do limite de gastos federais.
“Eu não acho que isso seja bom”, disse Motta sobre a proposta de retirar os recursos de precatórios do Fundef fora do teto de gastos. “Minha ideia é votar o texto como ele está, porque na minha avaliação ele está muito bom.”
Há dúvidas se essa mudança garantiria os 308 votos necessários para aprovar a PEC nesta semana. Por alterar o texto constitucional, a proposta precisa de 60% dos 513 deputados.
No MDB, a resistência tem entre suas origens o descontentamento do partido com a votação do texto que mudou o cálculo de tributação do ICMS para fixar a incidência do tributo sobre o valor médio do combustível nos últimos dois anos. A legenda era contrária à mudança e argumentou que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), descumpriram acordo de votar outra proposta.
O PSDB, por sua vez, rejeita violar a regra do teto de gastos e também teme a pressão de professores. Somadas, as duas bancadas têm 66 deputados. Às 17h15, havia 425 deputados presentes na sessão, quórum considerado baixo para votação de PEC.
A PEC foi aprovada na noite de quinta-feira (21) na comissão especial da Câmara. Desde esta terça (26), Motta faz um tour nas bancadas de partidos da base, independentes e de oposição ao governo.
A varredura prévia não mostrou, por enquanto, margem para que a votação da PEC no plenário seja garantida, e sem chances de derrota.
Por isso, governistas estão adotando tom de cautela em relação à previsão de análise da proposta nesta quarta.
Inicialmente, a PEC foi editada para alterar as regras de pagamento de precatórios. Foi incluído no texto, porém, um dispositivo para driblar a regra do teto de gastos. Isso garante mais recursos ao governo já em 2022, ano em que Bolsonaro pretende concorrer à reeleição.
O conjunto das alterações previstas -mudança na regra dos precatórios e no teto- cria um espaço orçamentário de R$ 83 bilhões no ano eleitoral de 2022, de acordo com o relator.
Esses recursos viabilizam a ampliação do Auxílio Brasil, o novo programa social com a marca de Bolsonaro, além de permitir mais dinheiro para o fundo de financiamento das eleições e emendas parlamentares, que são usadas por deputados e senadores para enviar verba para obras e projetos em suas bases eleitorais.
No entanto, o efeito da PEC no Orçamento de 2022 não tem sido suficiente para as demandas do Congresso.
O fortalecimento do Auxílio Brasil deve ocupar R$ 49 bilhões desse total. Há a estimativa de R$ 24 bilhões a serem gastos com despesas obrigatórias (aposentadorias e pensões sobem quando a inflação acelera). O auxílio prometido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a caminhoneiros deve custar R$ 3,5 bilhões.
Além disso, há pressão para que o fundo eleitoral suba de R$ 2 bilhões para R$ 5 bilhões, ou seja, R$ 3 bilhões a mais do que o previsto no projeto de Orçamento de 2022. Outra demanda de líderes governistas é que as emendas de relator somem R$ 16 bilhões.
Essas emendas são usadas para negociação política com o Congresso, o que elevou o apoio de Bolsonaro, especialmente na Câmara.
A conta, portanto, supera R$ 95 bilhões -bem acima dos R$ 83 bilhões esperados com a versão atual da PEC.
Motta nega que as negociações de emendas e de aumento do fundo eleitoral pressionem os recursos a serem liberados pela PEC. Segundo ele, esses valores podem ser encaixados dentro da verba que está prevista no Orçamento antes mesmo de a PEC avançar no Congresso.
A PEC cria um limite para despesas com sentenças judiciais dentro do teto de gastos. Pela proposta, a parcela excedente a esse limite será paga futuramente ou pode, em condições específicas, ser quitada fora do teto de gastos.
O cálculo do limite de pagamento de precatório previsto no projeto usa como base o montante pago em sentenças judiciais em 2016 (ano de criação do teto de gastos federais) e o corrige pela inflação. O valor resultante passaria a ser o máximo a ser pago pela União em precatórios dentro do teto.
Essa medida, segundo o relator, tem potencial de retirar do teto de gastos cerca de R$ 44 bilhões no Orçamento de 2022.
A outra medida, que trata da alteração no cálculo do teto, permite uma expansão de aproximadamente R$ 39 bilhões nos gastos do próximo ano. Partidos de oposição criticam o limite de despesas federais desde a criação da norma fiscal e, portanto, planejam votar a favor da flexibilização do teto.