O Brasil deve permanecer por bastante tempo com um câmbio depreciado, fator que dificulta o combate à inflação e que não resolverá sozinho o problema de falta de competitividade da indústria brasileira.
A afirmação é do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, que está lançando seu novo livro, “Erros do passado, soluções para o futuro: A herança das políticas econômicas brasileiras do século 20”.
Para ele, um novo superciclo de commodities e um forte fluxo de capital estrangeiro para o Brasil, como vistos na primeira década do século 21, não vão se repetir. Mas o país pode aproveitar o câmbio depreciado para mitigar o impacto inicial de uma necessária revisão de mecanismos de proteção à indústria que só geraram ineficiência.
Pastore diz também que o país corre o risco de perpetuar alguns desses erros do passado caso reeleja o presidente Jair Bolsonaro ou o ex-presidente Lula. Ele se diz otimista com uma terceira via social-democrata, com um modelo econômico de Estado provedor e que reduza desigualdades.
“Sou muito cético em relação ao Brasil com um desses dois ganhando a presidência. Não sou cético em relação à terceira via”, afirma.
Dividida em sete capítulos, a publicação trata de temas como hiperinflação, milagre econômico, crise da dívida externa, câmbio e o “eterno problema fiscal”. Em todos os casos, coloca à prova as narrativas históricas sobre esses temas ao confrontá-las com dados e trabalhos acadêmicos.
Sobre o uso do câmbio no desenvolvimento do comércio exterior, por exemplo, Pastore afirma que uma moeda subvalorizada é apenas um facilitador do aumento da competitividade, mas não um substituto de medidas que aumentem a eficiência da indústria.
Ele também faz uma análise das políticas econômicas da época do milagre econômico brasileiro (1968-1973), na qual destaca um modelo de promoção de exportações por meio de subsídios fiscais e creditícios que, em vez de abrir a economia ao comércio exterior, acentuou distorções e gerou problemas muito semelhantes aos do modelo de substituição de importações.
O autor também resgata a discussão da sua tese de doutorado, de 1969, quando questionou o pensamento da época de que a agricultura de um país subdesenvolvido como o Brasil não conseguiria alcançar um alto nível de desenvolvimento e produtividade, algo facilmente desmentido na atualidade.
Pastore também alerta que o país evoluiu muito em relação à independência do BC, algo que impediu o país de combater a inflação com eficiência até a construção do Plano Real. Mas afirma que o problema do país na área fiscal atrapalha a política monetária e reverte os ganhos obtidos desde a criação do teto de gastos.
Para ele, esse limite de despesas foi praticamente abandonado. “O governo resolveu que, para não descumprir na aparência o teto de gastos, vai aprovar uma emenda constitucional que posterga o pagamento de precatórios. Ele muda a Constituição para dizer que cumpriu. O mercado financeiro não é ingênuo”, afirma.
Veja abaixo os principais trechos da conversa com o economista.
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INFLAÇÃO
Estamos muito mais aparelhados hoje para combater a inflação do que no passado. O Brasil não tinha um Banco Central ou, quando passou a ter, durante muitos anos não tinha autonomia. Nós progredimos. Essa lição, aprendemos. Mas o Brasil não conseguiu resolver o seu problema fiscal, de forma que ele interfere na política monetária e conduz a um tipo de solução [aumento maior de juros] que é muito mais custosa para a sociedade.
CÂMBIO
Quando os EUA reagiram à Covid com uma política monetária extremamente estimulativa, isso provocou um enfraquecimento do dólar, que produziu valorizações em todas as moedas. O Brasil, devido ao risco fiscal, não se beneficiou disso. O real permaneceu depreciado. Você está vendo o real hoje, depois de várias intervenções do Banco Central, rodando a R$ 5,40, que é uma taxa completamente depreciada e com comportamento muito divergente do de outros países.
O câmbio se depreciou. Parte é gerada por fundamentos. Há uma depreciação acima dos fundamentos, exagerada, provocada pelo prêmio de risco.
TETO DE GASTOS
Em 2016, para criar um fato político que geraria uma onda a favor de reformas, o governo resolveu aprovar a emenda constitucional que fixa o teto de gastos. A partir daí, as taxas de juros começaram a cair. Só que esse teto de gastos virou hoje uma coisa praticamente inexistente.
Olha o que está acontecendo na questão dos precatórios. A regra do teto não está sendo cumprida, o governo não está fazendo as reformas e não está controlando os gastos.
Isso vai para prêmio de risco. Esse prêmio de risco se manifesta em juros mais altos sobre a dívida pública e câmbio mais depreciado. Com câmbio mais depreciado, a inflação sobe e a sociedade paga um custo que é ter de suportar juros mais altos e crescimento mais baixo para controlar a inflação. Tínhamos um problema fiscal, encaminhamos uma solução, mas abandonamos isso e estamos colhendo um resultado muito negativo.
INDÚSTRIA INEFICIENTE
O Brasil criou na indústria um protecionismo absolutamente gigantesco, o que gera ineficiência no setor produtivo. O governo não tem de defender só o interesse privado, tem de defender também o interesse da sociedade como um todo. A retórica diz que tem de compensar o custo Brasil, então vamos arrumar um câmbio mais depreciado. O que tem de arrumar é reduzir o custo Brasil, não é depreciar o câmbio.
DÓLAR MAIS CARO
Eu prevejo [no livro] um período de câmbio continuamente depreciado. Portanto, há aqui uma oportunidade ímpar para o país promover uma redução de tarifa, de proteção aduaneira para indústria, sem penalizar a indústria. Esse período deveria ser usado a favor do país. Isso seria uma oportunidade para fazer um processo de liberalização e aumentar a eficiência produtiva da economia brasileira.
BOLSONARO E LULA
Nem com Lula nem com Bolsonaro. Eles já mostraram o que são. As pessoas esquecem o que foi mensalão, o “petrolão”, o segundo mandato do Lula e o erro dele de manter a Dilma no poder, o que nos colocou em uma crise econômica da qual não nos recuperamos.
Há uma chance, mas ela não está com os dois tidos como os que vão ficar para o final [segundo turno]. Se for por aí, sou muito cético em relação ao Brasil.
TERCEIRA VIA
Estamos falando de algo que se traduz em políticas econômicas com essa característica do capitalismo social-democrata, no qual o Estado seja um provedor de seguros para a sociedade. Não seguros que deixem todos sem incentivo para aumentar a eficiência, mas que permitam eliminar injustiças.
Um governo tem de se preocupar com reformas que produzam crescimento econômico, mas não é só crescimento econômico. Não estamos apenas tentando reproduzir no Brasil um capitalismo liberal meritocrático assemelhado ao dos EUA, com Estado mínimo. Gosto muito mais do modelo europeu.
Agora, depende de nós, da sociedade civil. Não podemos sentar na beira da calçada e chorar porque estamos indo mal, chamando a mamãe como fazíamos quando crianças. Os eleitores são adultos. Cada indivíduo tem a obrigação de vir ao debate, colocar suas ideias e a fazer pressões para que os políticos se organizem e enfrentem com mais chance de vitória esse desafio.
ROMPIMENTO COM O PASSADO
O Brasil vai ter de humildemente reconhecer os erros do passado. A razão pela qual escrevi o livro é a gente conhecer nossa história, saber onde erramos. A história não se repete, nem como farsa. Portanto, não posso usar suas lições na sua amplitude e totalidade. Mas posso aprender que há momentos em que temos de fazer um rompimento.
Estamos diante da oportunidade de ter um rompimento com o passado. Em vez de ficar nessa escolha entre duas experiências extremamente frustradas, temos obrigação de buscar alguma coisa nova e que esteja fundamentada em cima de princípios éticos, econômicos, de bem-estar, que permita o crescimento do país. Quero convidar as pessoas para esse tipo de reflexão, para ver se a gente consegue obter algum tipo de acordo a respeito dos caminhos do país.
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“ERROS DO PASSADO, SOLUÇÕES PARA O FUTURO”
Preço Impresso: R$ 79,90 / e-book: 39,90
Autor Affonso Celso Pastore
Editora Portfolio-Penguin/Editora Schwarcz