Na PepsiCo, membros do comitê executivo recebem mentoria de funcionários negros sobre questões raciais. Iniciativa semelhante é adotada pela L’Oréal, que também possui um programa para acelerar a carreira de profissionais negros na companhia. Já a Mondelez, dona de marcas como Lacta, Trident e Oreo, prometeu atingir 37% de pretos e pardos nos cargos de liderança até 2024.
Esses são apenas alguns exemplos de compromissos assumidos por empresas no Brasil nos últimos meses.
Em meio à onda ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança), a agenda de diversidade e inclusão ganhou força no mundo corporativo. No entanto, apesar do alinhamento no discurso, o caminho até a equidade racial é longo.
Pretos e pardos, que são a maioria da população brasileira (56%), ainda ocupam menos cargos na alta liderança, são desfavorecidos nas oportunidades e recebem salários piores que os profissionais brancos.
Segundo um estudo de 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a renda média mensal do brasileiro branco, seja ele trabalhador formal ou informal, é de R$ 2.796. Já entre profissionais negros, esse valor cai para R$ 1.608.
As desvantagens da população negra no mercado de trabalho só tendem a aumentar à medida que o nível hierárquico nas empresas também cresce.
Uma pesquisa do Instituto Ethos com as 500 empresas de maior faturamento do Brasil mostra que negros ocupam apenas 6,3% dos cargos de gerência. No quadro executivo, a proporção é ainda menor: apenas 4,7%.
Para Raphael Vicente, coordenador da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, o mundo corporativo começou a dar mais importância ao tema recentemente. Contudo, uma boa parte das companhias ainda está só no discurso.
“Felizmente o tema veio à pauta, mas junto com ele veio a superficialidade. A gente se apropriou de alguns temas importantes, como racismo, lugar de fala, racismo estrutural, mas quando você pergunta ‘cadê o projeto?’, aí complica”, diz.
Na visão dele, houve grandes avanços no discurso e na compreensão das empresas, mas, em termos numéricos, o Brasil segue praticamente como era 30 anos atrás.
A Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial surgiu em 2015 com o objetivo de promover a equidade no mercado de trabalho, especialmente nas grandes empresas. Cerca de 160 instituições integram o movimento, e juntas elas representam mais de R$ 1,3 trilhão em faturamento.
Vicente cita os processos seletivos inclusivos como um dos avanços que a pauta teve de 2015 para cá. Segundo ele, há seis anos, as companhias nem sequer cogitavam a ideia de fazer um programa exclusivo para candidatos negros, algo que hoje já está sendo normalizado.
No entanto, o coordenador diz que um dos principais desafios é garantir a ascensão dos profissionais negros que entram nas empresas.
“Nós fomentamos que sejam feitos programas de recrutamento e seleção, mas queremos ver onde que está a política de inclusão, quais as ferramentas de promoção e ascensão desse profissional, o que a empresa entende por diversidade, onde está o recurso alocado, o planejamento”, diz.
Se fosse para apontar onde o mundo corporativo está na pauta racial, ele diria que estamos na fase da compreensão, com algumas companhias avançadas e outras não.
“O mercado começou a se dar conta disso com mais propriedade a partir de 2015, 2016, com um up agora na pandemia –com os casos do George Floyd e do Carrefour. Mas a gente ainda está muito distante de onde poderíamos estar.”
Episódios como o do Carrefour, onde João Alberto Silveira Freitas morreu após ser espancado por seguranças em novembro de 2020, costumam colocar em xeque o compromisso das grandes companhias com a pauta racial.
Em 2021, empresas com discursos sustentáveis também foram palco de casos considerados racistas. Um deles ocorreu no Assaí Atacadista, onde um homem negro foi obrigado a se despir para provar que não estava furtando itens do supermercado.
Outro, mais recente, aconteceu numa unidade da Zara em Fortaleza, que criou um código interno para “alertar” sobre a entrada de negros na loja, segundo a polícia .A loja nega.
No entanto, o assassinato no Carrefour também deu origem a um movimento pela equidade racial, o Mover. Fundada em novembro de 2020, a iniciativa reúne 47 grandes empresas, como Ambev, Coca-Cola, Magalu, Nestlé e Vale, e tem a meta de gerar 10 mil novas posições para pessoas negras em cargos de liderança até 2030.
Outro compromisso envolve dar oportunidade para 3 milhões de pessoas negras, com iniciativas de emprego e empreendedorismo.
Para Liel Miranda, diretor-executivo da Mondelez no Brasil e presidente do conselho deliberativo do Mover, existe hoje no mundo corporativo uma consciência e uma vontade de contribuir com a agenda.
“Eu diria que a maioria das empresas tem esse entendimento de que precisam endereçar a equidade racial, mas entre o conhecimento e o fazer existe uma grande diferença”, diz.
Segundo ele, o papel do Mover é criar condições para que as pessoas negras assumam posições de liderança, mas também disseminar a importância do tema e dar capacitação para que mais pretos e pardos entrem no mercado de trabalho.
“Estamos fazendo um censo em todas as empresas [participantes] para saber exatamente quantos líderes são negros há em cada uma. Depois desse censo, vamos definir a alocação do target [alvo] para cada uma delas”, afirma.
Na Mondelez, Miranda diz que foram criados programas de estágio focados em diversidade e recrutamentos mais inclusivos, sem a exigência de inglês ou experiência em multinacional, por exemplo.
A companhia tem 37% de colaboradores pretos e pardos, com 24% em cargos administrativos. A meta é chegar a 37% também nos quadros de lideranças até 2024.
“Estamos fazendo tudo que a gente sabe que funciona, mas o nosso objetivo é de fato ver que a liderança é mais representativa. Para isso, a gente está muito distante”, diz.
A jornada também tem ganhado corpo em outra companhia parceira do Mover, a PepsiCo. Em agosto de 2021, a companhia lançou um programa de mentoria reversa para os executivos. Os mentores são funcionários negros e negras que ajudam no letramento racial da alta gestão.
“Nós já vemos um impacto no dia a dia, com a conscientização dos nossos vieses. É um processo muito importante de conhecimento para a equipe de liderança”, afirma Fabio Barbagli, vice-presidente de recursos humanos da PepsiCo Brasil.
Segundo ele, 48% dos 12 mil funcionários que a empresa tem no Brasil são negros. Um dos principais desafios, contudo, é garantir a ascensão profissional. Atualmente a PepsiCo tem 19% de líderes negros.
“Nosso objetivo é chegar a 30% de negros e negras até 2025 no quadro de liderança. Entendemos que os 48% do quadro geral estão ok, mas queremos aumentar o número de líderes.”
Desafio é maior para mulheres negras Se as desvantagens que pretos e pardos enfrentam no mercado de trabalho já não são poucas, para as mulheres elas são ainda maiores.
Uma pesquisa feita pela consultoria Indique Uma Preta e pela empresa Box1824 apontou que a maioria das mulheres negras brasileiras (54%) não exerce trabalho remunerado e apenas 8% das que trabalham no mercado formal ocupam cargos de gerente, diretora ou sócia proprietária de empresa.
Uma dessas exceções é Marcia Silveira, gerente de comunicação e relações públicas da divisão de luxo da L’Oréal.
Segundo ela, o compromisso do mundo corporativo com a pauta racial ainda está longe do ponto ideal.
“Falta muito ainda. Temos muitas oportunidades, uma gama de mulheres que já estão preparadas, mas não estão sendo mapeadas”, afirma.
Hoje a L’Oréal também tem um programa de mentoria em os funcionários negros treinam as lideranças nas questões raciais. Os líderes também precisam passar por um treinamento obrigatório sobre diversidade e inclusão.
Além disso, a companhia desenvolveu um programa de aceleração para capacitar os profissionais negros em diversas competências. Segundo Silveira, esse é um dos pontos-chave para a inclusão.
“A consistência de um trabalho de diversidade não está só na atração, está também na retenção e na preparação desses profissionais, senão vira um balde furado. Você coloca as pessoas para dentro, mas, e aí?”