Neste início de 2023, os pedidos de recuperação judicial explodiram no Brasil. Entre janeiro e março deste ano, cerca de 289 empresas entraram na Justiça com pedido de recuperação judicial, alta de 37,6% em relação ao mesmo período de 2022, segundo dados da Serasa Experian. Em meio a essa situação caótica, muitos investidores têm se perguntado: o que tem causado essa disparada de pedidos de RJ?
Segundo Luciano Lindemann, diretor executivo sênior da FTI Consulting, o atual cenário macroeconômico, caracterizado pela estagnação da economia, alta dos juros e retração do mercado de crédito, contribuiu para que várias empresas tenham pedido recuperação judicial neste início de ano.
“Essa disparada de pedidos de RJ se dá por alguns fatores, como a estagnação econômica, a retração do mercado de crédito e a manutenção de altas taxas de juros por um período alongado. Esse cenário macroeconômico colocou as empresas em uma situação muito desafiadora no que se refere a conseguir cumprir seu serviço da dívida ou mesmo refinanciá-lo”, explicou Lindemann ao BP Money.
“Além disso, no período mais crítico da pandemia, houve uma iniciativa muito grande por parte dos bancos em alongar os prazos das dívidas e dar períodos de carência. Esses prazos estão terminando agora e as empresas estão tendo dificuldades de retomar os fluxos de pagamento de principal”, acrescentou o diretor executivo sênior da FTI Consulting.
Além dos fatores econômicos já falados por Lindemann, Monique Antonacci, advogada especializada em recuperação judicial do Bissolatti Advogados, ainda cita o atual cenário inflacionário brasileiro como um dos motivos para essa disparada de pedidos de recuperação judicial em 2023.
“A manutenção dos juros elevados e a inflação em alta são fatores que impulsionaram o aumento nos pedidos de RJ, uma vez que, durante a pandemia, muitas empresas socorreram à financiamentos para a manutenção da atividade e, agora, no pós pandemia, não estão gerando caixa suficiente para honrar suas obrigações em virtude da disparada dos juros e da inflação em alta”, afirmou Antonacci.
Para explicar essa disparada de pedidos de recuperação judicial, Tiago Cisneiros, membro do Serur Advogados, também pontua que houve uma aceleração no campo da tecnologia nos últimos anos, que acabou impactando o comportamento dos consumidores e forçou uma mudança no modelo de negócios das empresas de determinados setores.
“Além da pandemia, que impactou a demanda dos clientes, a oferta dos fornecedores e o custo do crédito, também é preciso considerar, para alguns setores, que os últimos anos marcaram uma aceleração no campo da tecnologia, com reflexos em modelos de negócios e no comportamento de consumidores”, disse Cisneiros.
Pedidos de RJ continuarão explodindo em 2023?
Na avaliação de Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, a tendência para o restante de 2023 é que mais companhias continuem entrando na Justiça pedindo recuperação judicial. O analista acredita que as condições econômicas continuarão desfavoráveis, com os juros em patamares altos e com o crédito em estado de escassez.
“A tendência é que essa disparada de pedidos de RJ continue ao longo do ano, pois as condições econômicas devem continuar adversas, com o crédito escasso e caro, inflação alta e juros altos. Além disso, a população também está com poder de compra reduzido e endividada. É esperado que muitas empresas sejam pressionadas a pedir recuperação judicial em 2023”, relatou Alves.
De acordo com Leandro Basdadjian Barbosa, sócio do SFCB, caso o Banco Central do Brasil comece a reduzir a taxa de juros ainda neste ano, é possível que ocorra uma diminuição nos pedidos de recuperação judicial. O especialista argumenta que, com menos juros, há mais crédito e consumo, cenário no qual poderia ajudar no fluxo de caixa das empresas.
“Se as taxas de juros começarem a cair ainda este ano, teremos mais crédito e, por consequência, mais consumo. Se as empresas conseguirem sair da situação de inadimplência extrajudicialmente com negociações com credores e bancos, por exemplo, pode ser que ocorra uma redução dos números de RJs”, afirmou Barbosa.
Possível queda nos juros poderá frear pedidos de RJ?
Nas projeções de diversos economistas, é esperado que o Banco Central brasileiro comece a promover leves cortes de juros ainda em 2023. Com isso, a expectativa é que o consumo melhore e as empresas tenham um respiro. Entretanto, segundo Lindemann, mesmo que a taxa Selic caia neste ano, a onda de pedidos de recuperação judicial não irá parar neste ano, pois os impactos dessa decisão monetária são graduais.
“O impacto da redução da taxa de juros não é necessariamente instantâneo, dado que muitas empresas de médio porte têm linhas de crédito de curto prazo com taxas pré-fixadas. Nesse caso, o impacto da redução ocorreria de forma gradual, com o passar das renovações dos instrumentos de dívida. Por conta disso, a tendência é que essa onda de pedidos de RJ continue neste ano”, disse o diretor executivo sênior da FTI Consulting.
Partilhando da mesma visão de Lindemann, Alves reitera que apenas o aumento do emprego e da renda das famílias pode retardar essa onda de pedidos de recuperação judicial.
“É pouco provável que uma queda na taxa de juros possa frear essa onda de pedidos de RJ, pois qualquer mudança na política monetária só tem efeito meses depois, então o cenário deve continuar adverso. O que pode ajudar é a recuperação econômica, com aumento do emprego e da renda. Com uma geração de caixa maior, as empresas iriam gerar mais receita e administrariam melhor as suas dívidas”, pontuou.