A demora da Petrobras em executar reajustes de preços para compensar a alta do petróleo e descontos nesses aumentos causaram perdas de ao menos R$ 18,7 bilhões em receitas nos últimos dois anos e de R$ 13,9 bilhões no acumulado de 12 meses até fevereiro de 2022.
Desde o começo deste ano, o ritmo das perdas dobrou. A média mensal no ano passado era R$ 875 milhões; passou para R$ 1,75 bilhão.
Somente no primeiro bimestre, quando o barril do petróleo Brent -insumo para o refino da gasolina e do diesel- rompeu a barreira dos US$ 100, a defasagem acumulada dos preços foi de R$ 3,5 bilhões.
A estimativa foi feita pela Folha de S.Paulo com base em dados publicados pela ANP (Agência Nacional o Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e pela Petrobras, seguindo a metodologia da Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis).
Para o cálculo da defasagem, a entidade considera a diferença entre o valor cobrado pela Petrobras das distribuidoras e o PPI (Preço de Paridade Internacional) -que reflete o custo internacional e é pago pelos importadores que atuam no país.
O levantamento só foi possível em seis estados (São Paulo, Paraná, Bahia, Pernambuco, Maranhão e Amazonas). Estimativas de mercado indicam que esses locais concentram 75% do consumo nacional. Ou seja, no conjunto do país, as perdas da Petrobras com a defasagem são maiores.
Segundo a ANP, as vendas da Petrobras no mercado local corresponderam a 81% do total até fevereiro –índice que varia mensalmente.
Com a disparada do petróleo, os importadores –representados pela Abicom– não realizaram compras neste ano, especialmente de gasolina. As poucas importações se restringiram ao diesel, produto que tem outros fornecedores locais além da Petrobras. Até o ano passado, eles concentravam cerca de 10% do volume importado de combustível, que circulou especialmente no Norte e no Nordeste.
Nos últimos dois anos, a defasagem entre os preços internacionais e os da Petrobras variou de 30% a 40%, dependendo do combustível, segundo o levantamento.
Segundo os dados disponíveis, a petroleira sempre atrasou o repasse dos aumentos dos custos, além de reajustar os preços em um patamar inferior da cotação internacional.
Em Manaus, por exemplo, o preço do litro de gasolina cobrado pela Petrobras foi de R$ 3,18 do início de janeiro até 24 de fevereiro, dia da invasão da Ucrânia pela Rússia -quando a cotação disparou.
Nesse período, o preço internacional praticado por importadores no porto de Itacoatiara, próximo a Manaus, foi subindo, semana a semana, partindo de R$ 3,50 até chegar a R$ 4,26 por litro.
A Petrobras só reajustou para R$ 3,79 em meados de março, quando o preço internacional da gasolina passou a ser R$ 3,89 no porto amazonense.
Essa dinâmica também prevaleceu em Araucária (PR), onde o litro da gasolina ficou em R$ 3,24 de janeiro até março, quando subiu para R$ 3,85. O preço cobrado no porto de Paranaguá, no entanto, subiu de R$ 3,37 até atingir R$ 4,35. Hoje é R$ 3,95, ainda acima do valor cobrado pela Petrobras.
Os números mostram que o repasse foi severo nas semanas após a invasão da Ucrânia pela Rússia, que fez o barril do petróleo chegar a US$ 140.
Depois de quase dois meses de contenção de repasses de custo, a Petrobras anunciou um mega-aumento aos distribuidores no início deste mês.
Logo na sequência, teve início um processo de fritura do presidente da estatal, o general Joaquim Silva e Luna, criticado pelo presidente Jair Bolsonaro por ser “insensível com os brasileiros” ao reajustar preços no momento em que a inflação está em alta.
Acionistas minoritários da companhia reagiram e fizeram chegar à Casa Civil da Presidência da República um alerta de que poderiam recorrer à Justiça exigindo indenizações caso houvesse interferência sobre os repasses de preços.
O estatuto da companhia prevê que o governo possa pedir congelamento de preços à Petrobras, mas exige que ela seja indenizada pela União. Até o momento, entretanto, não houve nenhum tipo de anúncio prevendo reparação.
Com a alta do petróleo, vem ocorrendo uma escalada de preços, que contribuiu para que a inflação varasse o teto da metam definida pelo Banco Central em 5% neste ano. O IPCA acumulado em 12 meses até fevereiro é de 10,54%.
Por isso, Jair Bolsonaro vem pressionando a direção da estatal para congelar ou represar ainda mais os reajustes.
Bolsonaro esperava o anúncio do último aumento depois da aprovação pelo Congresso de um projeto de lei que definiu a redução do ICMS cobrado sobre os combustíveis.
Mas Silva e Luna liberou o reajuste antes disso, o que contrariou Bolsonaro e sua equipe mais próxima. Com a remarcação nas bombas, consumidores no Acre tiveram de abastecer pagando R$ 11 pelo litro da gasolina.
O desconforto do presidente reacendeu disputas políticas por uma troca no comando da Petrobras no momento em que Bolsonaro busca a reeleição. Assessores do Planalto dizem que o presidente chegou a pedir diretamente a Silva e Luna que congelasse preços ou que os reduzisse o quanto antes -algo que não foi acatado pelo general.
Além da pressão do Planalto, a Petrobras sofre críticas do Ministério da Economia, que cobra do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) uma conduta mais dura em relação ao acordo assinado com a empresa e que previa a abertura do mercado. O Cade informou que tem uma apuração em curso e vai acelerar o ritmo de investigações sobre a política da companhia.
Segundo a Economia, isso não significa interferência do governo. A equipe comandada pelo ministro Paulo Guedes defende que o governo não pode mexer na política de preços da empresa.
Guedes resiste em ver aprovado um projeto defendido pelo Ministério de Minas e Energia –a quem a Petrobras está vinculada– de criação de um subsídio direto para ao menos conter a alta de preços dos combustíveis.
Essa ideia custaria R$ 14,9 bilhões em renúncia de receitas da União para zerar alíquotas de PIS/Cofins sobre o diesel.
Cotação internacional é só um dos critérios para preço, diz estatal
outro lado
Por meio de sua assessoria, a Petrobras disse que o PPI serve apenas de referência para o valor dos produtos no mercado brasileiro, que é importador líquido de combustíveis.
O nível de participação de mercado da Petrobras e o escoamento eficiente da sua produção interna são os outros “elementos de decisão para reajuste ou manutenção dos preços”.
Com relação à periodicidade de reajustes, vem sendo experimentado “período com volatilidade muito baixa e outro com volatilidade muito alta, com reajustes até diários”.
“Hoje, nos encontramos em nível que propicia um equilíbrio com o mercado, observando o interesse empresarial, mas evitando repassar para os preços internos as volatilidades das cotações internacionais e do câmbio causadas por eventos conjunturais.”
A guerra trouxe volatilidade ao preço do petróleo, mas a Petrobras decidiu não repassar de imediato a volatilidade, realizando um monitoramento diário dos preços.
“Só em 11 de março, após serem observados preços em patamares consistentemente elevados, a Petrobras implementou ajustes nos seus preços de venda às distribuidoras de gasolina, diesel e GLP.”