Preços dos alimentos ganham nova pressão após restrições

Produtores de grãos estão passando a restringir exportações para elevar estoques

Após bater recorde histórico em fevereiro, antes da guerra na Ucrânia, e ter previsão de alta de mais 20% em razão do conflito, os preços dos alimentos ganharam nova pressão nesta semana com grandes países consumidores e produtores de grãos passando a restringir exportações para elevar estoques.

Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), os estoques reguladores de grãos no mundo estão no menor nível em oito anos -equivalem a 29% da demanda global anual de grãos.

Em 12 meses até fevereiro, os preços dos alimentos no mundo já haviam subido 24%, em média. Embora a FAO previsse alta de mais 20% em razão da guerra, produtos como trigo já dispararam 30%, segundo o International Food Policy Institute, think-tank especializado no tema.

Juntas, Ucrânia e Rússia respondem por cerca de 25% das exportações mundiais de trigo; e de quase 15% das de milho e de outros produtos utilizados para ração animal -o que deve pressionar também preços de carnes.

No momento, quase todos os portos ucranianos estão fechados (alguns foram destruídos), e o país encontrará muita dificuldade para plantar sua nova safra na primavera do hemisfério Norte. A FAO estima que ao menos 30% da área agriculturável do país estará totalmente comprometida em 2022.

Por precaução, o Egito anunciou nesta semana a suspensão de suas exportações de trigo, farinha, lentilhas e feijão. Com 102,3 milhões de habitantes, o país gasta mais de US$ 4 bilhões ao ano com importações de alimentos -70% do trigo vêm da Ucrânia e da Rússia.
A Indonésia, com população de 273 milhões, também adotou restrição pesada nas exportações de óleos vegetais (é maior produtora mundial de “palm oil”) utilizados na cozinha e em indústrias de cosméticos e chocolate.

Na segunda-feira (14), o presidente do Banco Mundial, David Malpass, fez um apelo para que países não sejam agressivos em suas políticas de estocagem, que podem acabar agravando a escalada dos preços internacionais.

Em comunicado conjunto, ministros do G7 (clube de nações ricas) também pediram a todos os países produtores que “mantenham seus mercados alimentares e agrícolas abertos”.

A reportagem perguntou para a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e para o Ministério da Agricultura sobre eventuais medidas que o Brasil possa vir a adotar em relação a estoques, mas não obteve resposta.

Fertilizantes (a Rússia ora sob sanção é a maior fornecedora global) e fretes em alta, além da expectativa de aumento da cotação do dólar nos próximos meses, tendem a colocar mais pressão sobre os alimentos -e na inflação de vários países.

Assim como em todo o mundo, as commodities agrícolas brasileiras acompanham os preços internacionais, mesmo sendo o país um dos maiores produtores.

Para conter a escalada dos preços, a expectativa é que muitos bancos centrais (do Brasil incluso) aumentem mais rapidamente, e com mais força, suas taxas de juros -levando a um cenário de baixo crescimento, aumento do custo do crédito local e internacional e de mais endividamento público.

No Brasil, a projeção é que a dívida pública como proporção PIB suba dos atuais 80% para quase 85%. Neste ano, o país deve pagar o dobro de juros (cerca de R$ 900 bilhões) na comparação com 2021.

Nesta terça-feira (15), o Fundo Monetário Internacional alertou para as consequências de médio prazo desse cenário de aperto global e de inflação de alimentos.

“Aumentos mais acentuados de preços de alimentos e combustíveis podem elevar o risco de agitação em algumas regiões, da África Subsaariana e América Latina ao Cáucaso e Ásia Central, enquanto a insegurança alimentar aumentará ainda mais em partes da África e do Oriente Médio”, diz o Fundo.

Em fevereiro, antes da guerra, a FAO estimou em 800 milhões o total de pessoas no mundo sofrendo algum tipo de insegurança alimentar. É o maior número em uma década.

Mesmo que o conflito na Ucrânia chegue a um termo em breve, os efeitos da guerra e das sanções contra a Rússia, segundo algumas análises, trarão combinadas três tipos de crises econômicas típicas das décadas de 1970 a 1990: choque do petróleo, de inflação e de juros; e aumento da dificuldade de países emergentes endividados em dólares para refinanciar empréstimos –ao contrário de crises passadas, o Brasil hoje é credor em dólares.

Nesse sentido, o primeiro teste será com a Rússia nesta quarta-feira (16), quando se inicia um prazo de 30 dias para o país pagar ou refinanciar US$ 117 milhões em juros de duas categorias de títulos (“bonds”) emitidos em dólares e euros.

Alguns papéis russos que eram considerados “grau de investimento” (relativamente seguros) antes do conflito já perderam mais de 90% do valor, igualando-se a títulos venezuelanos.

No caso dos juros dos “bonds” que vencem agora, Moscou já ameaçou pagar os credores em rublos -o que seria considerado um calote; sendo que a moeda russa já perdeu cerca de 40% do valor frente o dólar.

Para Mohamed Al-Erian, presidente do Queens’ College, em Cambridge, e ex-presiddente-executivo do fundo global Pimco, ao trazer de volta o espectro de crises típicas do final do último milênio, o cenário mais provável será de depressão na Rússia, recessão na Europa (sobretudo pela conta de gás e petróleo mais caros) e estagflação (estagnação com inflação) nos Estados Unidos.

“O que está acontecendo econômica e financeiramente na Rússia e na Ucrânia não vai ficar lá. Além da trágica migração forçada de milhões de ucranianos, há consequências para a economia e os mercados globais, tanto imediatamente quanto a longo prazo”, escreveu Al-Erian nesta terça (15) no Financial Times.

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