Há 100 anos, em 23 de julho de 1921, 12 dos cerca de 50 membros do Partido Comunista Chinês se reuniram em Xangai no primeiro Congresso Nacional da legenda –episódio que é tido por especialistas como data real de fundação da sigla que comanda a China há sete décadas.
E daqui a 100 anos, onde estará o partido? Isso dependerá de um complexo cenário que vai da crescente pressão externa contra a China aos desafios econômicos do endividamento e envelhecimento da população, segundo especialistas ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo.
“Se a gente estivesse em Xangai em 1921 e tentasse fazer esse jogo de prever os próximos 100 anos, ninguém teria acertado”, brinca Mauricio Santoro, professor de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do RJ).
Isso porque o partido que governa um dos países mais poderosos do mundo teve um século especialmente conturbado.
Venceu um conflito contra o Japão, passou por uma guerra civil contra forças nacionalistas, enfrentou uma crise de fome no governo Mao que matou na casa das dezenas de milhões, teve suas bases e crenças reviradas na Revolução Cultural e tirou 800 milhões de pessoas da pobreza desde o fim dos anos 1970, com as reformas lideradas por Deng Xiaoping. Como se não fosse suficiente, ainda foi o epicentro da pandemia da Covid-19.
A ascensão econômica na última década, a conquista do posto de segunda maior economia do mundo e a expectativa de passar os Estados Unidos nos próximos anos colocaram a China na mira do Ocidente.
A forma como os países vão lidar com isso deve ser determinante para o futuro do Partido Comunista Chinês, na avaliação do professor de relações internacionais Gustavo Feddersen, doutor pela UFRGS (Universidade Federal do RS).
Para ele, o partido vai se fortalecer “e com certeza ficar no poder por mais de 100 anos” se a população do país perceber a pressão capitaneada pelos EUA como “um ataque ao povo chinês e à possibilidade de a civilização chinesa se reerguer e reassumir seu papel de grande potência mundial”, diz.
A avaliação vem do fato de que um dos pontos em que o PC Chinês apoia sua legitimidade vem da recuperação da dignidade do país após o século da humilhação, como os chineses chamam o período entre meados do século 19 ao 20 em que potências estrangeiras introduziram o ópio e ocuparam e saquearam a China.
Na visão do pesquisador, uma ameaça de nova subjugação do povo chinês pode dar mais poder ao PC, que ainda detém o chamado “mandato celestial”, conceito da filosofia política chinesa segundo o qual governos são legítimos (ou “abençoados pelo céu”) enquanto cumprirem seus propósitos e forem justos.
Tem ganhado força entre analistas outra visão de que a pressão internacional será mais efetiva se mudar de estratégia: não atacar o povo, a cultura ou eventualmente nem o partido em si, mas alvos específicos, como Xi Jinping e a corrupção da classe política.
“Grande parte da classe média apoia e reconhece a importância do partido, mas não está contente com os benefícios e regalias de políticos, querem mais transparência e prestação de contas, questionam a corrupção e o abuso de autoridade”, diz Feddersen.
Essa estratégia de atacar alvos específicos foi exposta em um estudo do Atlantic Council, think-tank americano focado em relações internacionais, que diz que o alvo devem ser “Xi e seu círculo próximo, mirando a mudança de seus objetivos e comportamentos”, porque “as elites do partido estão muito mais divididas sobre a liderança de Xi do que é dito abertamente.”
Xi Jinping voltou a concentrar poder em suas mãos, “muito mais que seus antecessores, que governavam basicamente como um regime autoritário coletivo, com a cúpula do partido mandando no país”, diz Santoro. Essa concentração de poder pode ter efeitos no futuro, com a burocracia do partido criando mecanismos para evitar que surja um novo líder tão poderoso quanto o atual mandatário.
Analistas têm considerado determinante para o futuro da China a gigante classe média do país –projeções apontam que em 2030 mais de 70% da população poderá ser considerada de classe média, e 35% de classe média alta, ou mais de 500 milhões de pessoas.
É um grupo que, “com melhores níveis educacionais costuma fazer outros países questionarem ditaduras”, diz Santoro. Por outro lado, “muitos chineses associam o breve flerte democrático no começo do século passado com a fragmentação do país, então haverá cautela histórica e cultural em relação a isso”, diz ele.
Santoro crê que, para aplacar anseios desse grupo, é possível que o partido tente algum tipo de adaptação em seu sistema pelo menos em grandes cidades. “Mas o que a gente aprendeu com a China é que nada é de uma hora para outra.”
Uma abertura política não significa que traria ao sistema grupos democráticos opositores do PC Chinês, diz Santoro. “É perfeitamente possível vislumbrar partidos hipernacionalistas, explorando xenofobia e conflitos com povos estrangeiros”, diz ele. Outro ponto de atenção que pode influenciar no futuro do partido na China é o envelhecimento da população, que cresce no menor ritmo desde pelo menos os anos 1950, após décadas de controle de natalidade com a política do filho único, suspensa a partir de 2015. Isso traz dois desafios diretos, a escassez de mão de obra de um lado e a questão previdenciária de outro.
“O problema da aposentadoria vai dar muita dor de cabeça ainda, porque o país não enriqueceu o suficiente para bancar essa população envelhecida, como o Japão e outros países da Europa”, diz o professor. Projeção da Academia Chinesa de Ciências estima que em 2035 o fundo de pensão do país não terá recursos para pagar a aposentadoria de idosos.
Ainda na parte econômica, o endividamento público, que cresceu sobretudo depois da crise de 2008, associado a uma queda no ritmo de crescimento, pode trazer mais dificuldades.
Após crescer 14,2% em 2007, o PIB chinês desacelerou, ainda que tenha mantido alta sustentada entre 7% e 6% na última década. “Uma coisa é você manter o controle da sociedade em nome da prosperidade e crescer acima de 10% ao ano, outra é crescer 6%, 7%”, conclui .