RIO DE JANEIRO, RJ, SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pretos e pardos têm renda média do trabalho menor do que brancos mesmo com níveis de escolaridade iguais no Brasil. A conclusão é da Síntese de Indicadores Sociais de 2020, divulgada nesta sexta-feira (3) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Segundo o órgão, o resultado reflete o quadro de desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho.
A pesquisa do IBGE mostra que, em 2020, a população identificada como preta ou parda pelo instituto tinha rendimento menor do que a branca em qualquer um dos quatro níveis de instrução analisados.
Na faixa da população com ensino superior completo, pretos e pardos recebiam, em média, por hora, cerca de 30,8% a menos do que os brancos (R$ 23,40 e R$ 33,80, respectivamente).
O indicador analisado é o rendimento real do trabalho principal por hora de trabalho. Ou seja, tem o desconto da inflação.
Na parcela com menos estudo, que reúne pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto, pretos e pardos recebiam em torno de 23,9% a menos, por hora, do que brancos (R$ 7 e R$ 9,20, respectivamente).
Na média das quatro faixas pesquisadas, pretos e pardos ganhavam 40,8% a menos do que os brancos (R$ 10,90 e R$ 18,40).
Com recorte anual, a Síntese de Indicadores Sociais avalia uma série de resultados nas áreas de economia, educação, habitação e saúde.
O IBGE também afirma que, em média, a população ocupada branca tinha um rendimento médio real do trabalho principal estimado em R$ 3.056, por mês, no ano passado. A quantia era 73,3% maior do que a da população preta ou parda (R$ 1.764).
A administradora Sônia Lesse, 36 anos, conhece de perto a realidade desigual que os números divulgados evidenciam. Com duas graduações, especialização, pós-graduação e MBA, relembra diversas experiências de trabalho em que ser negra e mulher significou disparidade de salário em relação aos colegas brancos e menor acesso a oportunidades.
Quando trabalhava numa empresa de telecomunicações, ouviu dos gestores que a justificativa para a diferença salarial era a falta de diploma. “Quando me formei, disseram que os colegas recebiam mais porque tinham sido contratados em outro momento da empresa ou tinham mais experiência. Mas, conversando, eu via, por exemplo, que a experiência deles era menor ou igual a minha”, conta.
Como analista numa instituição financeira, soube que um colega, homem e branco com a mesma formação e experiência que a sua, recebia o dobro pela mesma função.
A empresa, então, prometeu a ela bônus e promoção, mas afirmou que a paciência em aguardar a reposição em sua renda era parte das habilidades esperadas da profissional.
“É como se buscassem justificativas para continuar dizendo não para quem é diferente. As exigências são maiores. A porta nunca está aberta por completo para nós”, diz.
As experiências inspiraram Sônia a se capacitar para ajudar pretos e pardos a enfrentarem a desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Hoje ela atua como consultora na área. A maioria dos profissionais que a procuram são mulheres. Oito em cada dez afirmam que já passaram, ao menos uma vez, pela experiência de descobrir que ganhavam menos do que os colegas.
“Diferença salarial é um ponto gritante. Pedem ajuda para negociar com a chefia cargos e salários cujas responsabilidades já exercem. Ter que convencer a liderança de que devem ganhar o mesmo que colegas brancos é uma forma de violência”, diz Sônia.
A assistente social, professora e consultora Verônica Vassalo, 39 anos, enfrentou dificuldades similares às de Sônia. “Diversas vezes me vi em situações em que, mesmo tendo uma formação extensa e um longo tempo de experiência, ganhava menos que pessoas brancas”, diz ela, que tem especialização, mestrado e pós-graduação em andamento.
Verônica construiu a carreira em grandes empresas e multinacionais e também passou a atuar como consultora empresarial na área de diversidade e inclusão. Para ela, as diferenças de renda média e remuneração evidenciam que os gargalos para redução da desigualdade racial entre profissionais perpetuam-se para além da admissão.
Embora exista um movimento recente de maior inclusão de negros no mercado de trabalho –por meio de programas de trainees exclusivos para jovens pretos e pardos, por exemplo– é preciso pensar na retenção, remuneração e permanência desses profissionais, defende.
“Equidade racial não é só atrair para dentro da empresa. As empresas precisam pensar em estratégias para reduzir a desigualdade após essa inclusão.”
Segundo a consultora, o racismo estrutural persistente na sociedade brasileira reflete-se desde processos seletivos em que candidatos negros e pardos com as mesmas qualificações são preteridos até o momento em que o salário ou uma promoção são definidos.
Verônica e Sônia afirmam que os profissionais frequentemente se culpam pelo salário menor que recebem, atribuindo-os exclusivamente à própria formação ou desempenho, e são penalizados quando denunciam disparidades dentro das empresas.
E elas não se restringem ao salário. Verônica relata ter passado por situações explícitas de racismo e machismo em organização de assistência social em que trabalhou. Também relembra o momento, em outra empresa, em que seu gestor perguntou em frente à equipe como a profissional lavava os cabelos trançados.
Capacitar a alta liderança é medida estratégica para viabilizar a igualdade racial no mercado de trabalho, diz. Para atenuar a diferença salarial, avalia que as empresas precisam rever processos internos. “Elas precisam entender em quais momentos essas diferenciações entre os profissionais ocorrem e alterá-los para retirar esse viés.”
Sônia Lesse recomenda que os profissionais priorizem vagas em empresas que valorizem a competência profissional e equidade racial nos salários. “É importante também apontar os movimentos de exclusão que ocorrem e a responsabilidade das empresas em mudar esse cenário.”