SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio a uma incômoda pressão inflacionária que não dá sinais de que irá arrefecer tão cedo, os economistas vêm paulatinamente revisando as projeções para a taxa Selic tida como suficiente para conter a alta dos preços.
No último relatório Focus, a estimativa dos especialistas apontava para uma taxa de 8,75% no fim deste ano, chegando a 9,5% em 2022 -em janeiro, as estimativas eram de 3,25% e 4,75%, respectivamente-, e é provável que novos ajustes ocorram após a alta de 1,5 ponto percentual do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) que levou a Selic para 7,75%.
Além de reduzir a atratividade das ações da Bolsa, o aumento dos juros, que subiram ainda mais nos últimos dias por conta das incertezas sobre a política fiscal do governo, tem causado impactos negativos para o mercado imobiliário.
Após uma queda de 10,2% no ano passado por conta das restrições impostas pelo isolamento social, o Ifix, índice que reúne os principais fundos imobiliários, acumula desvalorização próxima de 6,5% em 2021, até 27 de outubro.
Na avaliação de especialistas que atuam no setor, apesar da retomada em curso permitida pela vacinação, as revisões constantes nas projeções do mercado para a Selic, que refletem, em última instância, a incerteza para o cenário de curto prazo, têm contribuído para a performance errática dos fundos.
“O que de alguma maneira tem atrapalhado a precificação no mercado secundário de fundos imobiliários é a falta de visibilidade sobre qual será o patamar dos juros nos próximos meses”, diz Luis Stacchini, sócio e co-diretor de investimentos imobiliários da gestora Navi.
“O grande debate do momento no mercado hoje é saber onde a Selic vai parar”, endossa Carlos Martins, sócio e gestor de fundos imobiliários da Kinea Investimentos, que espera que a taxa pare em um patamar bem acima do que o mercado previa inicialmente.
Em um contexto de aumento nos juros no financiamento imobiliário, gestores destacam que alguma acomodação no ritmo de expansão no setor deve ser aguardada, principalmente por parte dos milhares de investidores que ingressaram no mercado recentemente.
Atraídos pela isenção fiscal para a pessoa física, a base de investidores no mercado de fundos imobiliários saltou de aproximadamente 650 mil no fim de 2019 para cerca de 1,17 milhão em dezembro do ano passado, segundo dados da B3. Em setembro de 2021, o número já havia se aproximado da marca de 1,5 milhão de CPFs.
Para essa massa em busca de um rendimento periódico, os gestores destacam que, apesar do ambiente desafiador que se desenha à frente, é possível encontrar boas oportunidades para uma carteira diversificada de fundos imobiliários.
Citam aqueles que investem em shoppings, devido à perspectiva de que o avanço da vacinação permitirá a volta gradual das atividades sociais, bem como os chamados fundos imobiliários de papel, que investem em CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), títulos privados de renda fixa indexados ao IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ou ao CDI.
Stacchini diz que há cerca de dois meses que montou uma posição no setor de shoppings dentro da carteira do fundo de fundos Navi Imobiliário Total Return, por meio de fundos dedicados à tese das gestoras HSI, XP Asset e Hedge Investments.
“A precificação dos fundos de shoppings atingiu um nível exagerado e entendemos que tem espaço para alguma recuperação, conforme a dinâmica for se normalizando”, diz.
Martins, da Kinea, também espera retomada dos centros comerciais, que já estão sem limitação no horário de funcionamento e com relatos de movimento até maior do que no período pré-pandemia.
“Essa retomada vai ser capturada pelos fundos de shoppings, que vão acabar distribuindo mais dividendos”, diz.
Ele acrescenta, contudo, que enxerga os fundos de papel com CRIs indexados à inflação como a opção mais segura neste momento, uma vez que a expectativa é que os preços sigam pressionados.
“Até que a inflação comece a convergir para a meta, os fundos de CRIs que seguem o IPCA terão um bom desempenho”, diz Martins.
Stacchini, da Navi, acrescenta que, com a alta da Selic, fundos que destinam boa parte dos recursos para certificados cujo indexador seja o CDI, como o CSHG Recebíveis Imobiliários, devem apresentar um pagamento crescente de dividendos ao longo dos próximos meses.
No setor corporativo, ele diz que tem concentrado as apostas em fundos de logística e varejo, como o Succespar Varejo e o Guardian Logística, com contratos de longo prazo indexados à inflação e locatários de grande porte como a rede atacadista Assaí, a BRF e a British American Tobacco.
Por outro lado, em um ambiente de juros altos e incertezas sobre o novo modelo de trabalho daqui para frente, Stacchini afirma ter uma visão mais cautelosa em relação aos fundos de lajes corporativas e escritórios comerciais.
“São fundos que até parecem baratos, mas nossa avaliação é a de que não existem gatilhos para uma performance mais forte olhando para o curto prazo”.
Já na RBR Asset, o sócio e gestor Bruno Nardo afirma que o setor de escritórios e lajes corporativas é hoje a maior posição dentro da carteira do fundo de fundos RBR Alpha Multiestratégia.
“Gostamos de imóveis corporativos de ótima qualidade nas melhores regiões de São Paulo”, diz Nardo. Ele destaca os fundos Tellus Properties e CSHG Real Estate entre os que melhor reúnem essas características.
Segundo o especialista, entre os prédios de alto padrão localizados próximos da av. Faria Lima, centro financeiro na zona oeste de São Paulo, o nível de vacância está perto de zero, com os preços dos aluguéis tendo subido cerca de 10% na média dos últimos 12 meses.
Nardo acrescenta que observou ao longo da pandemia muitos investidores, principalmente pessoas físicas, venderem cotas de fundos imobiliários pelo receio de que o esquema de trabalho em casa faria os escritórios perderem sua função.
“Mas o que temos visto na prática é uma volta gradual aos locais de trabalho”, diz.
Ele reconhece, contudo, que uma valorização mais expressiva da categoria deve ocorrer só quando o prêmio de risco oferecido pelos títulos públicos tiver alguma descompressão.
“Já tem muita notícia ruim nos preços, o que não quer dizer que não pode piorar. Mas olhando para um cenário de pós-eleição, sou otimista com a valorização desses ativos”.
Martins, da Kinea, afirma que, antes de fazer uma avaliação sobre as melhores oportunidades no mercado, o investidor precisa ter bem claro qual é o horizonte de investimento que tem disponível para manter a posição em carteira, bem como sua tolerância ao risco.
“Os fundos de tijolo não vão conseguir superar o nível de retorno dos fundos de papel no curto prazo. Mas para um investidor que está olhando para o médio prazo, ao redor de três anos, pode ser um momento interessante para comprar cotas de fundos de lajes corporativas bastante descontadas”, afirma Martins.