Economia

Real: economistas apontam desafios para valorização da moeda

Economistas avaliam que o quadro do real precisa de algumas bases para estabilizar no médio e longo prazo; as previsões para o ano divergem

No mercado de câmbios, inúmeras vertentes podem alterar a rota da moeda de um país e deixá-la bem ou mal posicionada em comparação a outras. No caso do real, pelo Brasil ser um país emergente, seu peso não é tão forte quanto as moedas de países desenvolvidos. Por isso, economistas divergem quanto ao desempenho da moeda ao longo do ano e destacam as vertentes que podem prejudicá-la ou ajudá-la.

Estrategistas do banco norte-americano JP Morgan, divulgaram em janeiro uma análise sobre o real, indicando que a forte concentração de investidores locais na moeda brasileira contra o dólar, pode diminuir as estimativas de ganhos relevantes no curto prazo. Nessa linha, os economistas consultados pelo BP Money, avaliam que o quadro do real precisa de algumas bases para estabilizar no médio e longo prazo.

Felipe Queiroz, pesquisador da Unicamp e economista-chefe da APAS (Associação Paulista de Supermercados), diz discordar da posição do banco. “Eu não acredito que venha ter uma desvalorização da nossa moeda, a menos que o cenário externo se agrave de tal maneira que afete consequentemente o Brasil e outros mercados emergentes”, avalia.

O pesquisador explica que, no momento, dois fatores puxam o real para uma valorização. “Primeiro o recorde de grãos, o país exportou bastante. O Brasil é um dos principais exportadores do mundo em commodities agrícolas. O segundo movimento foi o ingresso de investimentos no país”, disse. 

Na contramão dessa análise, Rodrigo Negrini, especialista em finanças e CEO da Soul Capital, se mostra de acordo com a avaliação do JP Morgan e justifica porque a concentração maior em investimentos locais do que exteriores, prejudicam a valorização da moeda. “Ao associar que partes relevantes dos investimentos podem vir de financiamento do setor público, a questão fica mais agravada, principalmente por questões fiscais”, afirma.

Segundo ele, a principal questão é a menor oferta de moeda estrangeira na economia brasileira. “Se isso acontecesse, neste caso via investimentos estrangeiros no Brasil, teríamos uma oferta, o que tenderia a ser equilibrado pela valorização da moeda local. Ao fazer o oposto, além de segurar a valorização, inibe o capital estrangeiro e a valorização fica mais comprometida”, completa.

Queiroz esclarece que atualmente o Brasil oferece uma boa opção para entradas de capital produtivo, como investimentos de médio e longo prazo, além do aumento de reservas internacionais que o país tem feito desde 2020.

“O que observo, junto com outros economistas, é que a economia brasileira tem a expectativa de um crescimento mais endógeno. Isso é, um crescimento apoiado, principalmente, no consumo das famílias, voltado ao investimento interno e isso contribui para que haja um outro tipo de ingresso de investimento”, analisa.

Bases e estimativas para o Real

Quanto à influência da taxa de juros, Felipe Queiroz se mantém otimista. O pesquisador acredita que há espaço para cortes maiores que o anunciado pelo Copom (Comitê de Política Monetária) e redução da Selic a 9% até o fim do ano. A aguarda decisão do Comitê, divulgada na quarta-feira (31), confirmou um corte de 0,50 ponto percentual na taxa de juros, que chegou a 11,25%.

“Eu acredito que com a redução da taxa de juros, enfim haja um fomento da atividade doméstica um incentivo ao consumo e a produção de modo. Tal que crie um processo de atração de outro tipo de investimento que é investimento produtivo. É nesse sentido que eu tenho olhado com um bons olhos o ciclo de quedas”, reitera ele.

Já Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, estima que o corte de juros no exterior ajude no valor do real. “Na minha visão o real tem grande chance de cair até uns R$ 4,50 ou R$ 4,60. Acho que a perspectiva é de valorização ao longo do ano, tanto por conta dessa balança comercial forte quanto por conta dos cortes de juros lá fora”, afirma. 

“Vai ser uma sinalização de que os investidores estão comprando o Brasil”, contudo, ele alerta que “pode atrapalhar um pouco o setor industrial, pois quem mais perde com a valorização da moeda é o setor industrial especialmente o Setor Industrial que vende lá fora o setor industrial exportador”, conclui.

Por outro lado, Rodrigo Negrini vê no desenvolvimento dos marcos legais para investimentos privados a chance para fortalecimento da economia e do real. “Apesar de o banco central projetar uma pequena valorização cambial do Real fechando frente ao dólar em R$ 4,92 eu me preocupo com as atitudes do governo e acho que a gente pode ter essa trajetória comprometida e o câmbio fechar acima de R$ 5,00”, afirma.

Potências e ameaças ao Real

Um ponto em que os economistas concordam é na influência que o cenário político e fiscal do Brasil pode exercer sobre a valorização do real. Negrini afirma que, mesmo sendo uma opção barata para o mercado hoje, o País ainda tem uma saída de capital. 

“Isso ocorre porque há receio de que ao invés de uma valorização que beneficiaria investidores estrangeiros com posição no Brasil, pode acontecer uma desvalorização e com isso os retornos minguam”, disse ele.

Gala cita a balança comercial como um dos fatores positivos, pela expectativa de superávit próximo de R$ 80 bilhões, mas ainda se mostra preocupado com a política fiscal e a meta de déficit zero. “Questões fiscais preocupam, é um fator que desvaloriza a moeda brasileira. Mas eu diria que o que mais tem força para desvalorizar a moeda brasileira é um [resultado] fiscal muito longe dessa meta de zero [do déficit]”, observa.

Negrini, lista uma série de fatores internos e externos que podem prejudicar o bom desenvolvimento do real ao longo do ano. No cenário doméstico, o primeiro deles é uma política fiscal incoerente, com gastos demasiados e contrapartida só em arrecadação, seguido pelo aumento de impostos sobre investimentos e, logo depois, a insegurança jurídica.

Já no cenário externo, a taxa de juros é apontada como a maior razão que pode levar a uma desvalorização da moeda nacional. “O Brasil precisa cuidar das suas questões fiscais, porque com o juro baixando sem o controle das contas públicas, a tendência é de desvalorização. Acho que incentivos fiscais e financiamentos públicos para projetos em geral só atrapalham”, afirma o especialista.