RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Prometida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a revisão do valor da bandeira tarifária cobrada na conta de luz ampliaria o já elevado déficit da conta destinada a bancar as térmicas e colocaria mais pressão sobre os reajustes tarifários em 2022.
A proposta é criticada por especialistas no setor, que consideram que o cenário ainda requer a utilização de toda a capacidade térmica disponível, mesmo com a melhora no nível de chuvas sobre os reservatórios nas últimas semanas.
A MegaWhat Consultoria estima que o retorno à bandeira vermelha patamar 2, que acrescenta R$ 9,49 para cada 100 kWh consumidos, elevaria em cerca de R$ 3,4 bilhões o déficit da chamada conta bandeiras, que poderia chegar a R$ 10,5 bilhões.
Atualmente, a maior parte dos consumidores paga a bandeira de escassez hídrica, de R$ 14,20 por 100 kWh. A taxa excepcional foi implantada em setembro, diante da maior necessidade de uso de térmicas, e deve vigorar até abril.
Em evento nesta quinta-feira (15), porém, Bolsonaro afirmou que determinaria ao MME (Ministério de Minas e Energia) a volta à bandeira vermelha patamar 2. “Meu bom Deus nos ajudou agora com chuva. Estávamos na iminência de um colapso”, justificou.
O presidente da República não tem autonomia para tomar essa decisão. Em situação normal, o valor das bandeiras é definido pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Durante a crise hídrica, o tema pode ser deliberado pela Creg (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética).
A câmara é presidida pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e tem participação dos ministérios da Economia, Infraestrutura, Desenvolvimento Regional, Meio Ambiente e Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Em suas reuniões, conta com o apoio de órgãos de fiscalização e planejamento do setor, como a própria Aneel e o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), que defendeu nesta quarta (13) a manutenção da estratégia de manter as térmicas ligadas.
Assim, sem redução da despesa, a revisão do valor da tarifa implicaria apenas em adiar o impacto ao consumidor. “Não é a hora de reduzir a bandeira”, defende o presidente da consultoria especializada PSR Energy, Luiz Barroso.
“Reduzi-la agora vai criar uma pressão no fluxo de caixa das distribuidoras para o pagamento destes custos, que ficaram maiores, e aumentar mais ainda a pressão para reajustes futuros, visto que os valores financeiros não arrecadados via bandeira vão para o reajuste tarifário em 2022”, explica.
As bandeiras servem para antecipar às distribuidoras de eletricidade parte dos recursos para pagar energia mais cara. Sem essa receita, as empresas têm que tirar o dinheiro do próprio caixa, o que pode gerar problemas de liquidez.
No sentido oposto ao de Bolsonaro, as distribuidoras vinham negociando com o MME alternativas para reduzir o rombo gerado na conta bandeiras pelo aumento no custo com combustíveis para térmicas, pressionados pela crise energética internacional.
Segundo as contas da MegaWhat, o rombo hoje fica entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões. “E o que não se cobriu com a bandeira tarifária reverte em aumento tarifário no ano seguinte”, diz a presidente da MegaWhat Consultoria, Ana Carla Petti.
O presidente da Abradee (Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica), Marcos Madureira, defende que as bandeiras funcionam também como um sinal ao consumidor de que a energia é escassa, servindo como um incentivo à economia.
“As distribuidoras não têm nenhuma margem em relação a isso, elas simplesmente recolhem as receitas, entre elas as bandeiras, para pagar os custos da energia”, diz. “Nesse momento, entendemos que é importante a permanência de uma bandeira que procura trazer recursos adicionais para esse pagamento.”
Especialistas do setor questionam ainda a percepção de Bolsonaro sobre o cenário atual. Embora as projeções apontem chuvas acima da média sobre as bacias mais importantes para o setor elétrico, o nível dos reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste permanece baixo.
Nesta quinta (14), por exemplo, ficou em 16,86% da capacidade de armazenar energia. Mesmo que o risco de racionamento tenha sido reduzido em 2021, o mercado pede atenção sobre 2022, que dependerá das chuvas de verão.
“Não há alteração da condição estrutural, ainda estamos com reservatórios muito baixos e vamos continuar tendo o despacho termelétrico elevado”, diz Petti, da MegaWhat. “Não é hora de comemorar o fim da crise hídrica, o cenário só ‘despiorou'”, afirma Barroso, da PSR.