Com o projeto de lei que limita a aplicação de alíquotas de ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias) em vigor, a população começou a ver, desde a semana passada, a queda nos preços dos combustíveis nos postos. O problema é que, segundo especialistas, no longo prazo, esta medida não terá efeito. Além disso, os preços podem voltar ainda mais altos, a depender da oscilação do petróleo no cenário internacional.
De acordo com André Braz, coordenador do IPC do FGV IBRE, a medida tomada pelo governo tem um viés muito mais eleitoral do que propriamente de preocupação com o repasse dos preços dos combustíveis aos consumidores e o rumo que esses preços podem tomar no futuro.
“Isso é uma tarefa que vai ter que ser controlada pelo próximo governo, sendo o atual ou um novo. A medida (corte no ICMS) não parece definitiva. É um cobertor curto. Mostra um pouco de irresponsabilidade do governo e aumenta o risco país, o que tende a diminuir os investimentos estrangeiros aqui, já que quando alguém sonda a economia brasileira também sonda o ambiente fiscal”, disse Braz.
A professora de finanças da FAAP e sócia da The Hill Capital, Virginia Prestes, também afirma que esta redução dos impostos, sancionada por Jair Bolsonaro (PL) na semana passada, terá um efeito limitado.
“Vai acontecer agora e acabou. Não é uma medida que vai se perpetuar e depende também do posto reduzir, de fato, o preço do combustível na bomba. Não é um fato perene que pode levar a mais e mais quedas. A gasolina, o petróleo, vai continuar tendo as oscilações dos preços internacionais. O próximo governo pode sim ter problemas com o reajuste da gasolina, se o preço do petróleo continuar em alta”, explicou Prestes.
Segundo a especialista, a paridade de preços internacionais seguida pela Petrobras (PETR3;PETR4) é algo que existe dentro da política dela da empresa e, por isso, por mais que o corte nos encargos diminua o preço da gasolina, não tem como ter certeza que o petróleo não vai apreciar, fazendo o próximo governo se desdobrar para não deixar os combustíveis nas alturas.
O Preço de Paridade Internacional (PPI) é uma política de preços adotada pela Petrobras, que teve início no governo de Michel Temer, em 2016. Desde então, a estatal petroleira leva como base os custos de importação (transporte e taxas portuárias) e a variação do dólar e do preço do barril de petróleo para calcular os valores dos combustíveis no âmbito doméstico.
De acordo com Joaquim Rolim Ferraz, advogado tributarista da Juveniz Jr. Rolim Ferraz advogados, limitar a alíquota de determinados tributos não é novidade.
“Desde 1988, por exemplo, as alíquotas do ISS são limitadas entre 2 e 5% em todo o território nacional. Com o tributo menor do ICMS, a tendência é que o preço na bomba seja menor para o consumidor. Por outro lado, haverá perda de arrecadação pelos Estados e isto é inconstitucional. Para que seja possível manter a limitação do ICMS dentro da legalidade, o Governo Federal deve repor as perdas de arrecadação com a limitação das alíquotas. Os Estados têm aumentado sobremaneira as alíquotas do ICMS sobre os combustíveis e isso reflete em toda a cadeia de consumo para a população”, disse Ferraz.
Com a perda de arrecadação por parte dos Estados, o setor de educação pode sofrer com o corte no ICMS. Segundo um estudo publicado pelo Centro de Liderança Pública, em fevereiro deste ano, o total de tributos estaduais arrecadados pelos 26 estados e pelo Distrito Federal somou R$ 689,4 bilhões, no ano passado. Do total, 14,7%, cerca de R$ 101,3 bilhões, foram provenientes do ICMS, que tem incidência sobre os combustíveis.
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Sendo assim, com o corte no ICMS, a arrecadação dos estados diminuirá e, consequentemente, os investimentos em setores básicos, como o de educação, serão afetados.
“Vai diminuir receita dos estados, mas temos que ver se vai ter moeda de troca por parte do Governo Federal. Quais serão os estímulos econômicos para os estados? Agora, se o governo não impulsionar e não tiver nenhuma moeda de troca, esse percentual é um valor muito alto, por mais que seja 1% do ICMS do estado, já é uma receita grande, então é um problema. Uma das áreas que mais vai sofrer é o setor de educação”, disse Sidney Lima, analista da Top Gain.
“A gente tem que ficar de olho para saber qual oferta de troca o governo vai dar aos estados. O maior impacto deve ser em saúde e educação. A maioria dos estados utiliza boa parte do ICMS para trabalhar ali com o setor de educação, então um corte de orçamento tende a prejudicar este setor”, complementou.
Vai sobrar para o próximo governo?
Sendo o mesmo governo ou outro qualquer, após as eleições, a próxima administração terá que trabalhar bastante para lidar com todo o cenário que envolve o preço dos combustíveis, a inflação e a arrecadação dos estados.
“O próximo governo pode se prejudicar. Acredito que teremos novos reajustes de gasolina, mas no curtíssimo prazo essa é uma saída que o Governo Federal encontrou, no momento, para conter essa alta generalizada dos preços, mas acredito sim que esse vai ser um problema que vai ser deixado para o próximo governo”, afirmou Lima.
A sócia da The Hill Capital, Virginia Prestes, segue a mesma linha de raciocínio do analista da Top Gain, e diz que os preços dos combustíveis podem atrapalhar o próximo governo, não pelos impostos, mas pela variação da commodity (petróleo) no cenário internacional.
“Enquanto a gente tiver a paridade, podemos ter esse aumento. Por mais que o governo seja o principal acionista da Petrobras, ele não consegue manipular o preço dessa maneira. Só consegue intervir nos tributos e isso é uma questão limitada”, disse Prestes.