Reforma tributária: como o mercado enxerga as falas de Haddad?

Reforma voltada a renda deve ser votada no 2º semestre; especialistas explicam desafios do governo

Os temas fiscais e tributários da agenda do governo Lula são debatidos diariamente, desde antes de sua posse oficial. Aos poucos, o novo governo tem apresentado propostas e dado mais informações sobre seus planos econômicos. Na última terça-feira (17), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse, em Davos, que o governo quer votar as duas partes da reforma tributária até o final deste ano. Para especialistas, há diversas dúvidas sobre a reforma, mas existe um consenso no mercado de que ela é necessária.

O professor de Direito Tributário do Ibmec Brasília, Thiago Sorrentino, explica que as divergências entre grupos no mercado financeiro, economistas e também na esfera federal são muito grandes em relação à reforma tributária. 

“O único consenso existente é que é necessário a reforma tributária. A proposta encampada pelo Governo prevê uma simplificação tributária e possui diversas virtudes, porém ela vem com um custo, vários custos e um deles é um realinhamento da carga tributária entre os setores de indústria, serviços, comércio e atividades financeiras. Setores até então onerados em um grau menor vão passar a ser mais onerados para fazer com que outros setores, principalmente a indústria, tenham uma carga tributária menor”, explicou Sorrentino ao BP Money.

Para o economista Marcelo Ferreira, o mercado ainda enxerga a questão tributária sobre renda de forma “nebulosa” e, por isso, resiste bastante ao que poderá vir a ocorrer. Segundo Ferreira, os maiores temores do mercado são em relação a tributação sobre grandes fortunas e lucros e dividendos.

“Até o momento, o que está claro é que dentro dessa reforma tributária há duas questões que deverão continuar sendo pontos de polêmica e de resistência, que são: o chamado imposto sobre grandes fortunas e também a questão da tributação sobre lucros e dividendos”, disse Ferreira.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) aponta que o Brasil é o País com a pior destinação dos impostos (entre 30 países que mais arrecadam impostos no mundo) para o bem-estar da população. 

Sobre isso, o governo Lula já deixou claro o fato de querer reorganizar o sistema tributário para evitar que a maior carga recaia sobre os brasileiros menos favorecidos economicamente. 

Segundo Francisco Levy, estrategista-chefe da Empiricus Investimentos, fazer uma reforma tributária que melhore a distribuição de renda é algo muito bem visto pelo mercado, mas o problema central é: “quem pagará essa conta?”. 

“Normalmente, acaba caindo sobre os empresários e sobre a classe média assalariada. Isso acaba virando inflação e cunha fiscal, que acaba prejudicando os mais pobres. Então não adianta o discurso da reforma fiscal, precisa ver quais são as ações práticas que vão ser feitas, serão tomadas, de forma que isso seja feito de uma maneira inteligente, melhorando ineficiências distributivas”, afirmou Levy.

Haddad disse em Davos que quer reequilibrar o sistema tributário brasileiro. O intuito do ministro é melhorar a distribuição de renda no Brasil. O problema visto pelo mercado, no entanto, é justamente como fazer para tornar o sistema tributário mais justo e menos desigual, além de aumentar a arrecadação, como indagou Levy, da Empiricus, anteriormente. 

O economista Marcelo Ferreira explicou que o imposto sobre grandes fortunas, que é cotado por alguns na reforma, é um temor do mercado, porque já foi implantado em outros países, como a França – que deixou o imposto de lado em 2017 -, e não chegou a funcionar 100% em nenhum deles.  

“Esse é um imposto que a experiência prática mostra que ainda não se consolida, pelo menos em nenhum lugar houve uma consolidação maior desse imposto e em relação a tributação de lucros e dividendos não deixa de ser uma medida que desperta antipatia no mercado, até porque caracterizaria-se como uma bitributação sobre esses recursos”, disse Ferreira.

A importância da reforma tributária 

Tanto uma reforma tributária sobre renda quanto sobre consumo são importantes para um País, e podem trazer bons resultados, se feitas periodicamente, como explica Ferreira. 

“Na verdade, uma reforma tributária que aconteça de tempos em tempos, quando é feita de uma forma a considerar os aspectos da população, os aspectos do governo de uma maneira equilibrada e considere que existem prioridades, esteja combinada aí com reforma fiscal, com reforma administrativa, contribui – evidentemente – para dar uma maior dinamicidade à economia do País, porque aí as pessoas terão capacidade de gerar renda. Por outro lado, traz também a segurança jurídica que é algo muito importante para a realização de negócios”, explicou o economista.

Ferreira destacou que um ponto fundamental sobre a reforma tributária é entender que aumentar a arrecadação é algo importante neste momento, mas que isso precisa decorrer não de um aumento da alíquota total e sim da base de contribuintes.

Segundo Aristoteles de Queiroz Câmara, sócio do Serur Advogados, a segunda parte da reforma tributária, que diz respeito a tributação da renda, e deve ficar para o segundo semestre de 2023, segundo afirmou Haddad, deve despertar mais debates sobre o modelo a ser adotado. 

“É certo que o Brasil deve buscar maior progressividade em sua tributação e, ao mesmo tempo, incentivar o capital produtivo, mas ainda não há a mesma maturidade em relação ao tema, embora já exista o PL 2337/21 aprovado desde 2021 pela Câmara dos Deputados estabelecendo a tributação dos dividendos distribuídos pelas empresas”, disse Câmara.

Para o analista da Mirae Asset, Julio Hegedus, o que se tem de concreto sobre as reformas tributárias, tanto de bens quanto de renda, é que será um processo longo, mesmo que o governo queira acelerar.

“Pelo lado dos bens, será um processo longo, visando simplificar a carga fiscal, no esforço de ser neutro em termos de carga. E pelo lado da renda, visando revisar a tabela de Imposto de Renda e aumentando a regressividade. Para ambos os lados, bens e renda das famílias, muita negociação será necessária no Congresso”, disse Hegedus.

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