Relator espera PEC dos Precatórios para definir futuro do Auxílio Brasil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A MP (medida provisória) que acaba com o Bolsa Família e institui o Auxílio Brasil em seu lugar, além de encerrar um programa com mais de 18 anos de existência e tido como sucesso internacional, deixa em aberto vários pontos considerados essenciais, que devem ser esclarecidos pelo parecer do relator na Câmara.
O texto original da MP apenas dava a entender que o Auxílio Brasil vai ser uma política permanente.
Na noite de segunda-feira (8), o governo editou o decreto que regulamenta e traz os detalhes dos benefícios do Auxílio Brasil, que passa a valer neste mês. Os valores consideram reajuste de menos de 20% em relação ao Bolsa Família, anunciado pelo governo. Também não ficou claro como será possível elevar o patamar médio do benefício a R$ 400 até o fim de 2022.
O aumento anunciado esta semana é menor do que os 20% prometidos inicialmente, deixando o valor médio em R$ 224 por família, abaixo dos R$ 400 planejados pela gestão Bolsonaro.
O governo também quer aumentar o número de famílias atendidas, de mais de 14 milhões para 17 milhões, e criar nove benefícios complementares. Mas o Planalto ainda depende da aprovação da PEC dos Precatórios para sustentar tanto o benefício de R$ 400 até o fim de 2022 quanto o novo número de contemplados.
“Na questão orçamentária, onde está o grande pepino, a gente estava trabalhando com um valor de R$ 60 bilhões para o novo programa social ?saindo dos R$ 34,7 bilhões do Bolsa Família”, diz o relator do projeto, o deputado federal Marcelo Aro (PP-MG).
Após uma declaração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de que ninguém receberia menos de R$ 400 com o Auxílio Brasil, a conversa entre o relator e o governo mudou.
“Para que nenhuma família receba menos de R$ 400, o tíquete-médio do programa seria aumentado de R$ 189 para R$ 450 ou R$ 500, e o orçamento iria para R$ 85 bilhões. O problema é de onde tirar esse dinheiro. O governo não foi capaz de responder isso e começou a levantar as alternativas de colocá-lo fora do teto de gastos e que fosse um auxílio temporário.”
O próprio relator chegou a definir o texto original da MP que muda toda a dinâmica da assistência social no país como uma carta de boas intenções, sem detalhes de como será operacionalizada na prática.
“Sou contrário ao benefício temporário. Isso acaba não sendo um programa de Estado, mas um projeto pensando na próxima eleição. Quem tem a vida modificada com um benefício de um ano?”, questiona Aro.
A depender do avanço da PEC dos Precatórios e das novas discussões entre os ministérios e o relator, existe a possibilidade de que o parecer retire parte das decisões das mãos do governo, já fixando no texto as garantias para além de 2022. “Tudo depende de como vai caminhar a PEC dos Precatórios”, diz o deputado.
A PEC foi aprovada em primeiro turno pela Câmara na semana passada e agora vai para o segundo turno de votação. Na última passada, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ) entrou com um pedido no STF (Supremo Tribunal Federal) para suspender a tramitação da PEC.
Especialistas temem que o novo programa centralize decisões na esfera federal e tire de municípios o poder de chegar até as famílias de menor renda. Segundo o deputado, o papel dos municípios na execução do novo programa deve ser reforçado no parecer.
O cadastro do Bolsa Família geralmente é feito pelo Cras (Centro de Referência de Assistência Social), considerado uma porta de entrada do Suas (Sistema Único de Assistência Social).
As famílias procuram esses centros no município onde moram, levam os documentos necessários e abre-se um cadastro em que a sua situação financeira vai ser avaliada. Para o Auxílio Brasil, o parecer deve manter as condições para ingresso e cadastro do Bolsa Família, que funcionam bem, diz Aro.
A ideia é que os inscritos no Bolsa Família também tenham conversão automática para o novo programa, e qualquer cláusula de transição, para ajustes, ainda precisa ser definida.
Na última sexta-feira (5), o presidente Bolsonaro editou um outro decreto modificando os valores das faixas de extrema pobreza (de R$ 89 para R$ 100) e pobreza (de R$ 178 para R$ 200).
Segundo a Secretaria Geral, do Palácio do Planalto, os valores serão considerados já para o pagamento no dia 17 de novembro do programa social.
Nesse ponto, o parecer deve ir além do que o governo propôs, modificando as faixas de extrema pobreza e de pobreza para R$ 105 e R$ 210, respectivamente.
Outra ideia é que os reajustes passem a ser compulsórios, corrigidos pela inflação aferida no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
GOVERNO FAZ ‘LEILÃO POLÍTICO’, DIZ ESPECIALISTA
“É um cenário muito preocupante, o Auxílio Brasil deveria ser um Bolsa Família fortalecido, que teria de começar a funcionar ainda em novembro”, diz Jefferson Nascimento, da Oxfam. “Já estamos em novembro e a única coisa que sabemos é que as famílias devem ficar sem o Auxílio Emergencial e sem o Bolsa Família, enquanto o governo está desmontando a estrutura de dados do Cadastro Único.”
Com a substituição do programa, deixam de existir os benefícios principais do Bolsa Família: o básico, o variável vinculado à criança, o vinculado à nutriz, o vinculado à gestante e o vinculado ao adolescente.
No lugar, ficariam três modalidades principais: primeira infância, composição familiar e superação da extrema pobreza (que já existe e será mantida). Além disso, o governo propôs benefícios extras: auxílio esporte, bolsa de iniciação científica, auxílio à criança cidadã, inclusão produtiva rural e inclusão produtiva urbana e um benefício compensatório de transição.
“É um leilão político, em que o que importa é se o tíquete que o governo vai ofertar aos mais pobres é de R$ 400 ou R$ 300 e quantas pessoas serão beneficiadas”, diz Marcos Mendes, ex-assessor especial do antigo Ministério da Fazenda.
Segundo o economista, a proposta do governo tem várias fragilidades e inconsistências. “Estão recriando, em partes, o Fome Zero. O programa de inclusão produtiva para quem conseguir emprego formal já existe, é o Abono Salarial. O governo está pensando em uma porta de saída para o Auxílio, mas precisa apresentar as condições para que o cidadão saia e eventualmente volte ao programa”, afirma Mendes.
Para Vinícius Botelho, ex-secretário de Avaliação e Gestão da Informação nos Ministérios do Desenvolvimento Social e da Cidadania, outra questão que se coloca é que a ausência de crescimento econômico torna muito difícil o debate sobre a emancipação da pobreza.
Nas últimas semanas, analistas e bancos já revisaram suas previsões para o PIB (Produto Interno Bruto) do ano que vem, com expectativas de queda ou de estagflação.
Botelho avalia que faria mais sentido que as propostas feitas para o Auxílio Brasil fossem programas separados, apresentados de forma sequencial, para que se pudesse ter tempo de entender quais são os resultados esperados de cada medida, o número de pessoas envolvidas e os valores de benefícios.
O economista lembra que o Bolsa Família também surgiu da fusão de outros programas, só que de uma forma mais estruturada.
“A possibilidade de o benefício maior terminar no fim de 2022 traz incerteza para o substituto de um programa que ajudou a eliminar 3 pontos percentuais da pobreza.”
O professor do Insper Otto Nagami diz que o governo busca apresentar alguma medida aos eleitores para o ano que vem, especialmente aqueles de renda mais baixa, que mais sofrem com os atuais problemas na economia, como desemprego e inflação. Ele está aproveitando que o valor do benefício do Bolsa Família já estava defasado, uma vez que o próprio governo Bolsonaro ignorou esse problema até então.
“A substituição pelo Auxílio Brasil é uma maneira de apagar a marca de governos petistas, só que agora com uma ‘data de vencimento’ para um valor significativamente maior”, diz ele.
Os analistas ouvidos pela Folha lembram que o país vai continuar precisando de programas de transferência de renda depois de 2022, e que assegurar o benefício mais robusto apenas até o fim do ano que vem coloca muitas das famílias mais pobres, novamente, em uma montanha-russa de renda.
Em um intervalo de menos de dois anos, elas sentiram o baque da pandemia, experimentaram um Auxílio Emergencial de R$ 600, tiveram o benefício cortado e depois reduzido, devem ter o novo Bolsa Família turbinado até o fim de 2022 e depois voltam à incerteza.
A grande preocupação é que o governo não tem recursos para manter o benefício prometido, acrescenta Botelho, o que exigirá novo remanejamento orçamentário ou um aumento da carga tributária lá na frente.
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O PROGRAMA AUXÍLIO BRASIL

Destinado a
– Famílias em condição de extrema pobreza (renda mensal de até R$ 100 por pessoa)
– Famílias em condição de pobreza (renda mensal entre R$ 100 e R$ 200 por pessoa) com gestantes ou pessoas com idade até 21 anos

Como serão os pagamentos
– Benefício Primeira Infância (R$ 130): destinado a famílias com crianças até 3 anos (pago por integrante nessa situação).
– Benefício Composição Familiar (R$ 65): destinado a famílias com gestantes ou pessoas entre 3 e 21 anos (pago por integrante nessa situação)
– Benefício de Superação da Extrema Pobreza: destinado a famílias em situação de extrema pobreza (com valor mínimo por integrante)

Novos benefícios previstos pelo Auxílio Brasil
– Auxílio Esporte Escolar (R$ 1.000 em parcela única ou 12 parcelas de R$ 100): aos estudantes, integrantes das famílias beneficiárias, com destaque nos Jogos Escolares Brasileiros
– Bolsa de Iniciação Científica Júnior (R$ 1.000 em parcela única ou 12 parcelas de R$ 100): destinado a estudantes do programa que se destaquem em competições acadêmicas e científicas
– Auxílio Criança Cidadã (R$ 200 para matrículas de período parcial ou R$ 300 para período integral): pagamento integral ou parcial de mensalidades de creches privadas a ser pago diretamente às instituições, sendo preferencialmente beneficiadas famílias monoparentais com crianças de 2 anos e desde que a pessoa tenha atividade remunerada e não haja vagas na rede pública ou privada conveniada para atender a família
– Auxílio Inclusão Produtiva Rural (R$ 200): incentivo de 3 anos que, na prática, consiste na compra por parte do governo de alimentos produzidos pelos agricultores familiares para consumo de outras famílias
– Auxílio Inclusão Produtiva Urbana (R$ 200): para beneficiários do Auxílio Brasil que comprovem vínculo de emprego formal

Outros pontos
– Regra de Emancipação: famílias que tiverem aumento da renda que ultrapasse o limite do programa Auxílio Brasil poderão continuar recebendo por até 2 anos (desde que a renda per capita permaneça abaixo de duas vezes e meia o limite da pobreza)
– Famílias que tiverem redução nos pagamentos recebidos na criação do Auxílio Brasil terão um Benefício Compensatório de Transição por alguns meses
– Crédito consignado: beneficiários de programas federais de assistência social ou de transferência de renda poderão tomar crédito consignado com parcelas de até 30% do valor do benefício
– O Programa de Aquisição de Alimentos, criado em 2003 para incentivar a agricultura familiar, é rebatizado como Programa Alimenta Brasil
– Legislação do Bolsa Família será revogada em três meses

Condições de atendimento
– Pré-natal
– Vacinações do calendário nacional
– Acompanhamento do estado nutricional

Frequência escolar mínima

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