Retirada de estímulos nos EUA pressiona Brasil

Economia brasileira pode enfrentar um ambiente global mais desafiador a partir desta semana

A economia brasileira, já prejudicada por cenários político e fiscal conturbados e por uma inflação de difícil controle, pode enfrentar um ambiente global mais desafiador a partir desta semana.

O Fomc (comitê de política monetária do Federal Reserve, o banco central americano) inicia nesta terça-feira (2) a sua reunião de dois dias e, na tarde desta quarta (3), deverá formalizar os termos da retirada gradual dos estímulos econômicos criados durante a pandemia de Covid-19.

Atualmente, o Fed (Federal Reserve) realiza compras mensais de US$ 120 bilhões (R$ 677 bilhões) em títulos hipotecários e do Tesouro americano para garantir liquidez ao mercado e, assim, amenizar os efeitos do esfriamento da atividade econômica em meio às restrições geradas pela crise sanitária.

Com a pandemia perdendo força devido à vacinação e os empregos se restabelecendo aos poucos, o Fed começará a secar essa fonte, também como forma de desacelerar a inflação que ganhou força nos últimos meses.

A expectativa é que a redução seja de aproximadamente US$ 20 bilhões (R$ 113 bilhões) por mês, o que extinguiria o programa em meados de 2022.

Esse afilamento do fluxo de recursos destinado ao mercado americano, que por lá é chamado de “tapering”, tem entre seus efeitos colaterais a redução da disponibilidade global de dinheiro para investimentos.

Economias emergentes, como a brasileira, tendem a ser afetadas pela diminuição da liquidez mundial. Com menos dinheiro disponível, investidores passam a restringir os valores que destinam a aplicações consideradas mais arriscadas.

No Brasil, onde a instabilidade política e o temor sobre descontrole dos gastos públicos já vêm provocando a valorização da moeda americana frente ao real, o tapering poderá significar ainda mais pressão sobre o câmbio.

“Uma mudança na política monetária nos Estados Unidos levaria à saída de capital dos países emergentes. Logo, a desvalorização cambial pressionaria a inflação. O remédio seria o aumento maior da taxa de juros”, avaliou a Suno, em boletim a investidores.

A alta dos juros brasileiros aumenta o prêmio para aplicações em títulos do país e, teoricamente, amenizaria a fuga exagerada de dólares. Mas essa não é uma tarefa simples, principalmente neste momento.

Acelerar ainda mais o avanço da taxa básica de juros brasileira (Selic) restringiria o crédito, dificultando ainda mais a geração de empregos e o crescimento econômico.

Além disso, o BC (Banco Central) brasileiro já iniciou esse processo para tentar conter a disparada da inflação local.

Na semana passada, a Selic subiu 1,5 ponto percentual, para 7,75% ano ano. Analistas consultados na pesquisa Focus do BC estimam que a taxa encerrará o ano em 9,25%.

O mercado, por sua vez, vem se antecipando ao cenário de maior pressão inflacionária com o aumento dos juros futuros de curto prazo. A taxa DI (Depósitos Interbancários) para janeiro de 2023, referência para a maioria dos contratos, subiu 4 pontos percentuais desde 31 de agosto, passando de 8,4% para 12,4% ao ano.

Esse contexto deixa pouco espaço para o BC acelerar a Selic para reagir à mudança nos EUA, mesmo porque, o prêmio pago pelo Brasil já é considerado suficientemente alto para competir com o exterior.

O Fomc ainda poderá comunicar nesta quarta se haverá ou não uma elevação dos juros básicos da economia americana, dando sequência assim à retirada completa dos estímulos adotados no curso da pandemia. Há uma remota chance de que a autoridade monetária anuncie a antecipação dessa medida para meados de 2022.

Enquanto o início da redução da compra de ativos é dado como certo pela maioria dos conselheiros do Fed, porém, ainda não há consenso sobre a necessidade de aumentar a taxa de juros no próximo ano, segundo publicou o Wall Street Journal neste domingo (31) com base em pronunciamentos de integrantes do Fomc nas últimas semanas.

Independentemente de apresentar ou não uma decisão sobre os juros, a reunião do Fomc é importante porque dela podem surgir declarações sobre como os conselheiros estão avaliando os dados recentes sobre a inflação, destacou o Bank of America, em relatório.

Dependendo do que for dito na tarde desta quarta, o mercado pode passar a precificar os juros americanos de longo prazo em patamares mais altos.

A expectativa de que investimentos em títulos públicos pagarão prêmios mais altos tem um efeito negativo sobre o preço que investidores estão dispostos a pagar pelas empresas listadas na Bolsa de Valores brasileira, por exemplo.

“Será muito relevante observar a reação da curva de juros longa, em especial a taxa de 10 anos, nos EUA após anúncio do tapering”, comenta Daniel Miraglia, economista-chefe da Integral Group.

“Essa taxa talvez seja a taxa mais relevante para cálculos de valuation e custo de créditos longos, como, por exemplo, o crédito imobiliário, no mundo”, diz.

O Brasil poderia reduzir significativamente a pressão sobre câmbio e Bolsa se conseguisse transmitir credibilidade quanto à sua política fiscal, avaliam analistas, independentemente da decisão do Fed.

“O exterior é importante, mas a dinâmica do mercado brasileiro tem respondido muito mais a vetores internos “, diz Miraglia.

O ambiente de negócios no Brasil vem se deteriorando rapidamente desde setembro, quando manifestações estimuladas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anteciparam o debate eleitoral e intensificaram ameaças à democracia.

A crise ganhou mais força há duas semanas, quando o governo anunciou uma manobra para aumentar despesas com benefícios sociais em 2022 para além do teto de gastos.

A solução apresentada pelo Executivo para acomodar parte das despesas seria o atraso parcial do pagamento de parte das dívidas judiciais reconhecidas, os chamados precatórios. A mudança, que requer a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), enfrenta resistência no Congresso.

Diante do temor de que o governo siga ampliando gastos sem conseguir indicar de onde sairão os recursos, a Bolsa fechou outubro em baixa de 6,7% e com o pior resultado mensal desde novembro de 2020.

Com uma dinâmica interna tão negativa, os efeitos da reunião do Fed podem até mesmo ser neutros para o Brasil no curto prazo, segundo Rachel de Sá, chefe de economia da Rico.

“A nossa Bolsa já está muito descontada, é a que mais tem caído quando a comparação é feita em dólares”, diz Sá. “O Fed afeta o Brasil, mas isso pode já estar precificado e o investidor passará a semana mais atento à PEC dos precatórios”.

A analista considera em sua avaliação, porém, que o Fed seguirá cauteloso em relação ao tapering, evitando acelerar esse processo para não repetir os efeitos negativos gerados pela retirada repentina de estímulos após a crise do mercado imobiliário americano em 2008.

Nesse contexto, Sá avalia que não haverá antecipação significativa da alta dos juros nos EUA, medida que obrigaria o Brasil a aumentar ainda mais o seu prêmio de risco para evitar uma fuga de dólares em direção à segurança do Tesouro americano.

Para Álvaro Frasson, economista do BTG Pactual digital, ainda restaria ao Banco Central ampliar as ofertas de swaps cambiais, uma vez que outros fundamentos que poderiam trazer dólares para o país não estão dando o resultado esperado.

“Mesmo com um diferencial de juros bastante elevado e com o aumento do preço das commodities –o exportador poderia internalizar os dólares obtidos na venda dessa mercadoria–, o investidor está preferindo levar esses recursos para o exterior”, diz.

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