O Ministério da Economia concluiu que a pressão ambiental exercida por parceiros comerciais deve afetar as exportações brasileiras nos próximos anos. Os primeiros impactos devem ser vistos no setor de ferro e aço.
As conclusões fazem parte das primeiras análises da equipe econômica sobre medidas anunciadas pela União Europeia há pouco mais de um mês para reduzir emissões de carbono também fora das fronteiras do bloco.
O mecanismo criado pelos líderes europeus institui uma taxa extra para a importação de bens que geram de forma intensiva gases do efeito estufa. Os produtos de ferro e aço estão entre eles.
A medida entraria em vigor em 2023, e as cobranças começariam após dois anos.
A União Europeia é responsável por mais de 90% das compras de laminados brasileiros de ferro e aço vendidos para fora, e os primeiros números analisados pelo governo indicam que quase US$ 2 bilhões da exportação pode ser afetada, sendo o Brasil o oitavo país mais prejudicado pela medida dos europeus.
Apesar de verem um efeito localizado inicialmente, os técnicos entendem que as medidas da União Europeia podem ser ampliadas, já que o bloco europeu tende a incluir mais produtos na lista de restrições. Isso poderia atingir mais fortemente as exportações brasileiras, na visão da equipe.
Na avaliação do Ministério da Economia, potencializa os riscos o fato de o Brasil não impor a empresas instaladas em território nacional metas para redução de carbono nos moldes europeus ao mesmo tempo em que elas tendem a se popularizar nos próximos anos pelo mundo.
Isso porque as tarifas europeias vão incidir com menos intensidade sobre bens oriundos de países que precifiquem o carbono. Na visão dos técnicos, isso vai servir de incentivo para o aperfeiçoamento de práticas ambientais em outros países.
Os empresários do setor siderúrgico têm acompanhado as discussões com a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e consideram que a medida poderá ter impactos nas exportações para a União Europeia, que já estabeleceu restrições para o aço por meio de salvaguardas e medidas antidumping.
O setor deve ser um dos principais afetados por ser, após os geradores de energia, o maior emissor industrial de dióxido de carbono no mundo.
O segmento é responsável por 7,9% do total de emissões diretas geradas por combustíveis fósseis, de acordo com a Associação Mundial do Aço -mais do que países inteiros como a Índia.
Tamanho volume de emissão está relacionado com os métodos empregados na indústria. Grande fornos aquecidos com temperaturas superiores a mil graus Celsius são usados para obter os produtos, o que gera gás carbônico de forma significativa.
O Instituto Aço Brasil afirma que tem feito discussões e atuado para mitigar as emissões. “O setor tem dialogado permanentemente com o governo para que sejam implementadas medidas que possibilitem a redução das emissões de gases de efeito estufa nos processos industriais”, afirma nota da entidade.
Entre as medidas solicitadas ao governo está o barateamento do gás natural -algo que a entidade afirma ter impacto menor do que o uso de outros combustíveis fósseis.
Além disso, o instituto diz que as empresas têm buscado reaproveitar mais os gases gerados no processo produtivo, elevar a reciclagem de produtos e ainda usar carvão vegetal feito a partir de florestas plantadas.
Técnicos do governo, o que inclui ministérios como o da Economia e do Itamaraty, têm discutido as medidas da União Europeia e a possibilidade de criarem novas medidas como uma resposta à crescente pressão ambiental contra o Brasil.
A maior assertividade no discurso de líderes globais sobre a agenda ambiental brasileira é observada diante da falta de políticas pró-meio ambiente do governo Jair Bolsonaro (sem partido) somada aos recordes de queimadas e desmatamentos na gestão.
“O Brasil é o país que mais preserva o seu meio ambiente. A gente sofre ataques o tempo todo de países europeus. Lá eles não sabem o que é mata ciliar porque não têm. Aqui tem”, afirmou Bolsonaro recentemente.
Embora o Brasil seja considerado o país com a maior biodiversidade do mundo, isso não se reflete no compromisso do governo com o ambiente. O Brasil liderou em 2020 o ranking mundial de desmatamento.
Os discursos de Bolsonaro são feitos enquanto técnicos estudam uma maneira de unificar as ações do governo em torno do meio ambiente.
Isso inclui o próprio ministério responsável pela área, que passou há pouco mais de dois meses por uma troca de comando com a demissão de Ricardo Salles (que defendeu, quando estava no cargo, “passar a boiada” em mudanças de regras enquanto a mídia se preocupava com a Covid-19).
Procurado, o Ministério de Meio Ambiente não comentou.
O Ministério das Relações Exteriores afirmou em nota que o governo brasileiro tem acompanhado com atenção os desdobramentos referentes à medida da União Europeia, chamada de Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, na sigla em inglês), e ainda vai verificar se ela é compatível com as regras multilaterais de comércio -o que, na análise da Economia, tende a ser o caso.
“O Itamaraty está informado de que o anúncio da medida tem despertado preocupação junto ao setor privado de que empresas brasileiras poderiam passar a ser alvo de novas barreiras comerciais discriminatórias”, disse em nota. “O governo continuará a analisar o assunto”, afirma a pasta.