SÃO ROQUE DE MINAS, MG (FOLHAPRESS) – Acostumada a utilizar 9 litros de leite para produzir cada um dos seus quatro queijos artesanais diários, Waldete Aparecida Alves da Silva, 68, agora precisa de 15, já que o leite está magro nessa época de severa seca em São Roque de Minas (MG).
Capital do queijo canastra, a pequena cidade mineira de 7.100 habitantes viu os turistas voltarem com força após um ano e três meses de restrições impostas pela pandemia da Covid-19, mas sofre com a queda na produção de leite para fabricar sua iguaria, que já falta no mercado.
Esse cenário ocorre em meio às discussões sobre a legalidade do alimento produzido, que tem gerado apreensões recorrentes no país.
Como Waldete, outros queijeiros da Canastra têm enfrentado dificuldades para manter suas produções. Sem pasto, a produção cai 80%, porém como muitos têm silagem em suas propriedades, conseguem ter queda inferior, entre 30% e 40%, mas com alta nos custos, segundo a associação do setor.
“O leite está magro, se usasse só os nove litros habituais, o queijo ficaria achatado. A procura está muito grande, mas não tenho queijo”, afirmou Waldete, que divide as funções na propriedade rural da família com o marido, José Baltazar da Silva, 73.
Ele é responsável por ordenhar as oito vacas que produzem leite atualmente, enquanto ela, todas as manhãs, produz os quatro queijos artesanais, vendidos a R$ 100 cada. O acordo na casa é: ela não ordenha as vacas, o marido não pisa na queijaria.
“A economia está voltando, o turismo aumentou muito para nós. Está faltando queijo em função da seca e também porque a procura está alta. É uma conjunção de fatores envolvendo a produção e o consumo”, afirmou João Leite, presidente da Aprocan (Associação dos Produtores de Queijo Canastra) e da Associação Mineira de Queijos Artesanais.
Os sete municípios no entorno de São Roque de Minas reúnem cerca de 800 fabricantes do cobiçado queijo. Em média, cada queijeiro produzia 25 peças (de 1 kg a 1,1 kg) por dia antes da estiagem prolongada.
Com a seca, queijos como o Canastra Real, produzido apenas a partir de leite de vacas de pastagem e que custam mais de R$ 250, não estão sendo fabricados.
Cada peça tradicional custa ao consumidor final a partir de R$ 60, no caso de produtores que têm o selo arte, lei regulamentada em 2019 e que foi uma forma encontrada para regularizar itens alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal.
Apesar disso, o setor enfrenta problemas com fiscalizações de órgãos sanitários, já que os parâmetros microbiológicos adotados são referentes a queijos industriais, e não artesanais, como ocorre na Europa.
“Isso nos obriga a ser de dez a cem vezes mais eficientes em qualidade de bactérias patogênicas do leite para atingir o indicado. Se o Brasil seguisse os parâmetros europeus, todos os produtores, sem exceção, estariam dentro”, disse Leite.
Ele cita como exemplo a presença de estafilococos, cujo padrão é de mil por mililitro de leite, enquanto o padrão europeu é de 10 mil a 100 mil. “Há queijos ácidos, básicos e neutros. O nosso, que é ácido, poderia ter 100 mil estafilococos, e não produziria nenhuma toxina. Mas a lei não tem esse conhecimento. É como se comparasse laranja com banana.”
Por isso, o setor tem atuado para criar uma legislação específica para produtos agroartesanais e fazer a discussão chegar ao Congresso. O tema é debatido na Assembleia Legislativa mineira.
A viagem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a São Roque de Minas nesta segunda-feira (18) foi vista como uma oportunidade para a associação dos produtores fazer a solicitação e entregar pedidos para investimento no setor –há uma escola para mestres queijeiros em construção na cidade.
Bolsonaro foi a São Roque participar de cerimônia alusiva ao lançamento da Jornada das Águas, no estádio municipal.
“O Brasil tem um modelo agroindustrial muito forte, mas a partir de 1950, com a lei 1.282, que regulamentou o agroindustrial e deixou o agroartesanal de fora, passamos a ser clandestinos, o que só mudou com o selo arte. Agora, queremos construir esse novo modelo”, disse o presidente da Aprocan.
Na prática, o queijo canastra não é clandestino por possuir o enquadramento no selo arte, mas os queijeiros correm o risco de, em fiscalizações, uma amostra não se adequar aos parâmetros exigidos.
É um risco que os queijeiros correm todos os dias, mas que faz parte da vida do casal Waldete e José Baltazar, que vendem o “Queijo do Zé Mário”, há mais de meio século.
“Está muito difícil atender todos. Às vezes pedem 40 peças, mandamos 20, isso quando temos. E é turistas vindo aqui o dia todo”, disse Silva, que mora na zona rural, distante cerca de 15 minutos do núcleo urbano.
Apesar da seca severa dos últimos meses, o sabor do queijo segue o mesmo, conta o empresário Claudiomiro Oliveira, de Porto Velho, que em viagem de moto pelo país foi à queijaria Roça na Cidade conhecer a produção do queijo canastra.
“O queijo chega lá [em Rondônia], mas nada como vir na origem experimentar e ver como tudo acontece.”