"Sur": possível moeda comum decretará fim do Real?

O economista Beto Saadia explicou, em entrevista ao BP Money, que a moeda local não será substituída pela "Sur"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) definiu a Argentina como primeiro compromisso internacional, e a estadia no país vizinho trouxe logo de cara uma novidade econômica: a possível criação uma moeda regional chamada “Sur”. Após a veiculação dessa notícia, muito se questionou nas redes sociais se o desenvolvimento dela ocasionaria no fim do “real”. 

Economista e sócio da BRA BS, Beto Saadia explicou, em entrevista ao BP Money, que a moeda local não será substituída, e que a “Sur” seria uma moeda paralela ao real para ser utilizada em fluxos comerciais entre os países. 

“A proposta de moeda comum não substitui nenhuma moeda local. Não é como o Euro, por exemplo. O Euro foi resultado de conversas de integração que se iniciaram 50 anos antes da criação da moeda. Se criada, será uma moeda paralela às moedas nacionais e somente usada em fluxos comerciais entre os países”, afirmou Saadia. 

A nova moeda seria utilizada apenas em transações comerciais e financeiras entre países do Mercosul para reduzir a dependência dos países latinos ao Dólar, que vem pressionando as moedas dos emergentes, deixando o comércio livre das flutuações cambiais. 

“Hoje, a referência para essas trocas é o dólar e não teria problema se assim continuasse, mas a argentina enfrenta grave escassez de dólar e uma outra unidade de referência para transações com o Brasil evitaria oscilações negativas que possam impactar o comercio argentino”, destacou o economista e sócio da BRA BS.

Economista e CEO da Philos Invest, Rafael Marques salienta que a grande diferença entre Brasil e Argentina acaba inviabilizando o projeto. 

“Essa moeda serviria para tentar tirar as oscilações do dólar na negociação entre dois países. Um dólar mais forte acaba que pode favorecer um ou outro país, então seria basicamente para isso. Porém, a diferença é tão gritante em todos os sentidos de Brasil e Argentina, que é algo que não deveria estar sendo levado em conta”, avaliou Marques. 

Como “Sur” impactaria na economia brasileira?

Como não acabará com o “real” e servirá para transações comerciais e financeiras entre países do Mercosul, a possível nova moeda traria um maior controle da inflação nos países integrantes do bloco. 

“Essas metas são de objetivos comuns aos integrantes do bloco como cumprimento de regras fiscais e monetárias levando ao controle coordenado da inflação. Além disso a implementação de zonas francas, de livre comércio assim como incentivos a desregulação e desburocratização do comércio exterior”, explicou Saadia. 

“O bloco latino é um dos menos integrados do mundo, por conta do passado de crises resultado de políticas econômicas desastradas. O Brasil teve que buscar em blocos bem mais distantes como na China seu comprador. Hoje, a prática do nearshoring, encurtar geograficamente as cadeias de produção, é uma tendência global”, completou o economista. 

Para Marques, a criação não seria benéfica para o Brasil, somente para o país vizinho. “Ainda é uma ideia muito inicial, mas qualquer que seja o final não será bom para o Brasil. É melhor ser o pior dos melhores do que o melhor dos piores, e nesse aspecto são duas economias completamente distintas e em momentos distintos”, pontuou. 

O coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, José Niemeyer, acredita que a medida é importante para as relações Brasil e Argentina, mas salienta que o Mercosul, nos últimos anos, tem sido muitas vezes um entrave para que o Brasil possa ter o relacionamento comercial e de cooperação econômica mais sistêmico. 

“A Argentina é o nosso terceiro parceiro comercial — depois de China e EUA, então uma moeda comum entre os dois países pode alavancar o comercial entre eles, além de claro melhorar toda a questão do comércio sub-regional que envolve Paraguai e Uruguai. Me parece que esse projeto é para a reinserção do Brasil de uma maneira mais ativa pós-governo Bolsonaro, mas muito voltada para a questão do Mercosul”, analisou Niemeyer. 

O cientista também explica de que maneira o País poderá ganhar com uma possível moeda comum. “Os ganhos são muito no campo do comércio exterior. O Brasil poderá, por exemplo, exportar produtos industrializados que produz para a Argentina, pois o país vizinho terá uma moeda com mais lastro de compra. Ao mesmo tempo, o nosso País estará mais ligado ao sistema do Mercosul, tendo mais responsabilidades, como falado pelo presidente Lula”, explicou. 

A ideia é que a moeda seja inspirada na Unidade Real de Valor (URV), usada durante a transição entre o Cruzeiro Real e o Real. Além disso, ela seria emitida e regulamentada por uma espécie de banco central sul-americano – assim como o Banco Central Europeu, para a Zona do Euro.

“Do ponto de vista econômico financeiro se terá um ganho no aumento das exportações, também de poder realizar as importações de produtos argentinos com mais facilidade, como o trigo. Mas, do ponto de vista das relações internacionais sistêmicas, é um projeto muito determinado com relação a Argentina e ao Mercosul”, concluiu Niemeyer.