O suspeito de organizar um esquema de pirâmide financeira que levava investidores a acreditar que estavam aplicando no mercado de criptomoedas, Glaidson Acácio dos Santos, responsável pela GAS Consultoria Bitcoin, foi preso em operação deflagrada pela Polícia Federal nesta quarta-feira (25).
Nesta quinta-feira (26), áudios e comentários de supostos consultores da empresa circularam em redes sociais afirmando que Santos havia sido solto. Ao final do dia, um novo áudio direcionado aos vendedores da empresa confirmava a manutenção da prisão, mas pedia aos colaboradores que acalmassem seus clientes.
“Bom dia consultores, estou mandando um áudio para vocês apenas para que possam entender o que está acontecendo”, diz um homem em um áudio repassado por um consultor da empresa a uma cliente.
“Sim, houve mesmo essa prisão do Glaidson, mas o motivo da prisão é preventiva, com o único objetivo de que ele preste esclarecimentos se os investimentos estão sendo feitos em bitcoin.”
Na mensagem, o suposto representante da empresa pede aos consultores que tranquilizem os investidores.
“O que ele [Santos] mais prega para a gente é que o trabalho da empresa é sério e que ele desenvolve o trabalho com seriedade dentro do mercado de criptomoedas”, diz. “O trabalho continua, o pagamento do dia 26 já está na conta, daqui a pouquinho o pessoal do financeiro já vai estar liberando esse valor e a gente vai para cima.”
Um membro de uma família que assinou contratos de investimentos com a GAS -o valor total aplicado é de aproximadamente R$ 130 mil- confirmou à reportagem que, até este mês, as retiradas mensais estavam em dia.
A prisão de Santos é resultado da operação Kryptos, deflagrada pela Polícia Federal nesta quarta, em conjunto com a Receita e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público Federal.
A GAS Consultoria Bitcoin, com sede na Região dos Lagos (RJ), é suspeita de operacionalizar um sistema de pirâmides financeiras com base na oferta pública de contrato de investimento, sem prévio registro em órgãos regulatórios, com previsão de retorno financeiro considerado insustentável.
Na operação, a 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro emitiu sete mandados de prisão preventiva, dois mandados de prisão temporária e 15 mandados de busca e apreensão nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e no Distrito Federal.
A Polícia Federal apreendeu 591 bitcoins, que convertidos em em reais, representam cerca de R$ 150 milhões, no que está sendo considerada a maior apreensão deste tipo de ativo já realizada. Cada bitcoin está cotado em, aproximadamente, R$ 255 mil.
A busca ainda resultou no recolhimento de R$ 13,8 milhões em espécie, além de valores em moedas estrangeiras, já depositados na Caixa Econômica Federal e que não haviam sido contabilizados até a tarde desta quinta.
Joias, relógios de alto valor, celulares e 21 veículos de luxo completam a lista dos principais bens retidos na operação.
Nos últimos seis anos, a movimentação financeira das empresas suspeitas de integrar o suposto esquema apresentou cifras bilionárias, ainda de acordo com a PF -metade do dinheiro foi movimentado nos últimos 12 meses.
Os investigados poderão responder pelos crimes de gestão fraudulenta/temerária instituição financeira clandestina, emissão ilegal de valores mobiliários sem registro prévio, organização criminosa e lavagem de capitais, e, se condenados, poderão cumprir pena de até 26 anos de reclusão.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) confirmou que a GAS foi alvo de análise do órgão, mas após a verificação de que os serviços oferecidos pela empresa não caracterizavam oferta pública de valores mobiliários -pois a operação é baseada em moeda e não em títulos financeiros-, decidiu encaminhar o caso para o Ministério Público do Rio de Janeiro.
“A empresa mencionada em sua demanda foi objeto do Processo CVM SEI n°19957.011432/2019-93, sendo que, após análise da área técnica da CVM, concluiu-se que o investimento em tela carecia da existência factual de efetivo serviço prestado ou de efetivo negócio ou empreendimento subjacente. Deste modo, foi afastada a possível caracterização de uma oferta pública irregular de valores mobiliários” informou a CVM.
A reportagem não conseguiu fazer contato com representantes da GAS até a publicação deste texto.
COMO FUNCIONA
Retorno financeiro superior a praticamente quaisquer investimentos tradicionais, pagamentos em dia, negociações por Whatsapp, e um sistema de vendas baseado na propaganda boca a boca e na confiança depositada nos consultores, que costumam ser amigos e até parentes dos clientes.
Essa é a receita do suposto esquema de pirâmide investigado pela Polícia Federal, que ainda conta com mais um ingrediente para atrair público: o crescente interesse pelo mercado de criptomoedas, ou seja, moedas digitais cuja falsificação é inviabilizada pela criptografia.
De acordo com o relato de uma cliente, que foi convencida a contratar a GAS por uma pessoa próxima à sua família, o retorno prometido é de 10% do valor total investido por mês, durante um período de 24 meses. Ao final desse prazo, a empresas afirma que devolverá também o valor aplicado.
No caso relatado à reportagem, um dos investimentos realizados pela família há pouco mais de seis meses pela família foi de R$ 100 mil. “Até o momento, os pagamentos estão em dia: todo mês o consultor deposita R$ 10 mil”, contou um parente do investidor.
Apesar dos pagamentos momentaneamente em dia, o calote em ao menos uma parte dos investidores -provavelmente aqueles que ingressaram recentemente na pirâmide- chegará em algum momento, afirma especialista em investimentos Marcelo Cambria, professor e coordenador de pós-graduação da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado).
“No mercado de renda variável é impossível garantir retorno fixo, seja por 5, 12 ou 24 meses”, diz Cambria. “Não é possível ter controle sobre a taxa prometida”
“Portanto, pode ser que, por hora, esteja dando tudo certo porque o sistema se retroalimenta com novos entrantes. Se o sistema só cresce, isso permite dar liquidez para quem entrou mais cedo no processo”, afirma.