Em mais um capítulo da queda de braço entre a indústria e o Ministério da Economia, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou um estudo mostrando que o Brasil enfrenta uma tarifa média de importação mais elevada do que as sobretaxas que incidem sobre bens exportados por países com características geográficas ou econômicas semelhantes.
Segundo o estudo, “Barreiras tarifárias enfrentadas pelas exportações brasileiras: uma comparação internacional”, o Brasil está sujeito a uma tarifa média de importação de 4,6%, enquanto na média dos outros 17 países analisados neste estudo, essa taxa é de 2,3%.
A tarifa média à qual o Brasil esta sujeito é a terceira maior observada no estudo –apenas Argentina (5,3%) e Índia (4,8%) enfrentam sobretaxas maiores. Outros países da América Latina estão sujeitos a uma sobretaxa média muito inferior: Colômbia (1,2%), Chile (1,2%), Peru (1,1%) e México (0,4%).
Segundo a CNI, essa é mais uma demonstração da necessidade de o Brasil fechar acordos comerciais para obter preferências tarifárias – e não reduzir as tarifas de importação de forma unilateral, como propõe o Ministério da Economia.
“Enfrentamos tarifas bem mais altas porque temos poucos acordos”, diz João Emílio Gonçalves, superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI. “Somos a favor da abertura comercial por meio de acordos; na abertura unilateral, não teremos contrapartida, vamos abrir o mercado a troco de nada, quando fizermos acordos, não teremos concessões a oferecer”, afirma.
O Brasil (por meio do Mercosul) tem acordos de livre comércio ratificados apenas com Israel e Egito, além de tratados de complementação econômica, investimentos ou compras governamentais com a maioria dos países da América Latina.
O acordo entre Mercosul e União Europeia foi assinado em 2019, mas ainda está na fase de internalização e sofre resistência de alguns países europeus que usam a política ambiental do governo Jair Bolsonaro como justificativa para barrar o tratado. O mesmo ocorreu com o acordo com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), bloco integrado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein -foi concluído em 2019, mas ainda não foi internalizado.
O Brasil tem um acordo de preferências tarifárias com a Índia, mas muito limitado, abrange menos de 1 mil linhas tarifárias; um com a União Aduaneira da África Austral (Sacu – África do Sul, Namíbia, Botsuana, Lesoto e Suazilândia), também de abrangência pequena, e com o México, que se restringe ao setor automotivo e preferências para apenas 400 linhas tarifárias.
Na visão do Ministério da Economia, as tarifas de importação brasileiras são muito altas e esperar por acordos para cortá-las demoraria muito. A Tarifa Externa Comum (TEC) média é 11,7%, enquanto países similares têm tarifa média de 6%.
O governo brasileiro propõe uma redução unilateral na TEC do Mercosul de 10% agora e outros 10% no final do ano. A Argentina e a indústria brasileira são os maiores obstáculos. O governo argentino só aceita reduzir em 10% as alíquotas de bens intermediários, que correspondem a 75% das linhas tarifárias. O Brasil quer uma redução horizontal.
O ministro Paulo Guedes (Economia) afirma que o Brasil está aprisionado no Mercosul e defende a ideia, ao lado do Uruguai, de liberar os membros do bloco para negociarem acordos de forma independente.
Dentro do Ministério, há irritação com o lobby da indústria para evitar redução nas tarifas, considerado agressivo. O corte horizontal de 10% + 10% na TEC tiraria 1,7 ponto porcentual da tarifa -o que estaria longe de “matar” indústria.
Representantes da indústria argumentam que a tarifa nominal brasileira é elevada, mas há inúmeros regimes aduaneiros especiais, que acabam resultando em taxa menor. E apontam para a falta de competitividade do país.
“Além de arcarmos com o custo Brasil, ainda enfrentamos tarifas maiores do que nossos pares”, diz Gonçalves.
No governo, há a percepção de que, ao sempre usar o custo Brasil como arma para impedir a redução da proteção e apelar para acordos, a indústria vai protelando a abertura comercial. Hoje, o Brasil tem acordos que só cobrem 7% do mercado mundial. Países menores e mais abertos como Chile e Peru têm mais de 60% do comércio mundial coberto por acordos; os EUA, cerca de 25%.
Segundo Fabrizio Panzini, gerente de Políticas de Integração Internacional da CNI, a redução unilateral seria mais um golpe contra a indústria nacional, que já passa por um encolhimento. A pauta exportadora brasileira vem passando por uma primarização – o Brasil exporta cada vez mais matérias primas e cada vez menos produtos manufaturados, de maior valor agregado.
A participação de produtos industrializados na pauta de exportação em 2020 foi de 43%, menor índice em 44 anos. Na última década, entre 2010 e 2019, os produtos industrializados representaram, em média, 51,6% das exportações.
“Dessa maneira, não vamos nos inserir nas cadeias globais, vamos ser cada vez mais fornecedores de matérias primas”, diz Panzini.
Nesse sentido, a CNI defende acordos, mas não aqueles que estão sendo impulsionados atualmente pelo Ministério da Economia, com Indonésia, Vietnã e Coreia do Sul. “Esses acordos trazem ganhos limitados e um grande potencial de perdas – são países muito menos rigorosos que o Brasil em questões trabalhistas e ambientais”, diz Fabrizio. De acordo com levantamento da CNI, o salário mínimo no Vietnã é cerca de 15% do brasileiro, e, na Indonésia, 25%.
Segundo o mesmo estudo, esses acordos com os países asiáticos podem gerar redução do emprego e da produção em até 21 segmentos da economia, sendo a indústria a maior afetada. Os setores de têxteis, vestuário, eletroeletrônicos e calçados seriam os mais prejudicados pela concorrência.
A prioridade, para a indústria, é aprofundar acordos na América do Sul e América Central, grandes compradores de manufaturados, implementar o acordo entre UE e Mercosul, ampliar México e internalizar EFTA.
Dentro do ministério, pondera-se que os acordos com os países asiáticos terão um processo paulatino, e que a redução de tarifas se dará ao longo de 15 anos a 20 anos, respeitando as sensibilidades da indústria.
Para além dos acordos, a pasta não abre mão de entregar o governo com alguma movimentação na TEC, para abrir de forma mais rápida o mercado brasileiro.