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As tarifas prometidas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, devem causar efeitos mistos no Brasil, avaliam especialistas. Se por um lado o país pode sofrer diretamente com as novas taxas (no caso de tarifas ao aço e alumínio, por exemplo), também pode se beneficiar com os redirecionamentos de demanda decorrentes das tarifas.
Isto ocorre porque os principais alvos de Trump, especialmente a China, o México e o Canadá, podem acabar retaliando a imposição de taxas e, consequentemente, substituindo o país norte-americano pelo Brasil para o fornecimento de alguns produtos, principalmente commodities agrícolas.
Mesmo assim, há um risco significativo de prejuízos líquidos, avalia o CEO da Sinergy Advisors, Gustavo Valente. “As tarifas diretas sobre produtos brasileiros (como aço e alumínio) impactam setores estratégicos, enquanto a possível substituição de exportações de China, México e Canadá pode gerar oportunidades”, diz o especialista.
Já o analista Ângelo Belitardo, da Hike Capital, acredita que o saldo pode ser positivo, se Trump adotar uma postura protecionista sem atingir fortemente o Brasil. “Mas se o Brasil for incluído em restrições comerciais mais amplas, o impacto será negativo”, pondera.
A diferença é que os ganhos dependem de fatores externos, como a efetiva retaliação dos países afetados e a capacidade do Brasil de aumentar a produção. Enquanto isso, as perdas são imediatas.
“Além disso, uma guerra comercial global poderia reduzir o crescimento econômico mundial, afetando a demanda por commodities brasileiras”, lembra Valente. Para o CEO, o cenário mais provável é de um prejuízo moderado, amenizado parcialmente por ganhos pontuais.
Já para o especialista em mercado da Star Desk Felipe Sant´Anna, o Brasil não deve ter grandes vantagens comerciais com as tarifas de Trump. Segundo ele, uma possível desaceleração da economia da China devido à guerra comercial deve fazer com que a demanda por produtos brasileiros caia.
“Carnes, proteínas, minério, café, laranja e soja serão prejudicados pela perda de competitividade dos preços”, prevê o especialista. Nesse cenário, um benefício para o país poderia ser uma queda na inflação, com maior disponibilidade de produtos no mercado interno.
Por sua vez, o analista do Andbank Fernando Bresciani vê que as retaliações podem ter o efeito contrário, gerando um aquecimento na atividade interna da China e, consequentemente, um aumento nas importações, o que seria bom para o Brasil.
Como o país deve se posicionar para sair ganhando (ou perdendo menos) frente às tarifas?
Neste novo contexto do comércio global, Valente defende que o Brasil mantenha a posição de país que desejar fazer bons negócios, e não se envolver na guerra comercial, buscando alternativas sem romper relações com os EUA.
“O Brasil vem administrando com cautela e pode vir a negociar isenções em troca de concessões (como compra de trigo americano ou abertura a produtos industriais dos EUA)”, diz Valente.
“Entendo que o Brasil tem mais a perder se não conseguir negociar regras de exceção e se a guerra comercial global se intensificar. O Brasil deveria intensificar suas agendas internacionais com aberturas de novos mercados para evitar impactos no curto prazo garantindo um fortalecimento da balança comercial global”, conclui o CEO.
As possíveis vantagens do novo cenário devem vir especialmente para o setor do agronegócio, com exportações que já vêm sendo beneficiadas pelo conflito comercial entre os EUA e a China.
Em segundo, viria o setor de mineração, já que a demanda por matérias-primas deve crescer se houver deslocamento das cadeias globais de fornecimento.
Já os setores de siderurgia e metalurgia devem ser os mais prejudicados, em razão das tarifas dos EUA sobre as importações de aço e alumínio. A indústria manufatureira também deve ser negativamente impactada, uma vez que os produtos chineses podem ser redirecionados para o mercado brasileiro.
Trump deve ser mais ameno do que seu discurso aponta
Os especialistas não acreditam que Trump deve ser tão radical com as tarifas quanto suas declarações fazem parecer. Para Valente, a pressão das empresas dos EUA contra as taxas deve fazer com que as política comercial seja mais seletiva e negociada, com exceções para aliados estratégicos.
“Devemos lembrar que, no primeiro governo Trump, ele usava tarifas como ferramenta de pressão, mas muitas vezes recuava após acordos”, comenta o CEO.
Para Sant´Anna, o discurso mais radical do presidente dos EUA tem, na verdade, o objetivo de conseguir melhores acordos comerciais. “Tudo indica que Trump está apenas ‘ancorando’ a negociação, ele mesmo não acredita que conseguirá subir totalmente a régua de tarifas”, comenta.
“Colocar 25% sobre produtos de determinado país e depois finalizar o acordo em 10%, será uma grande vitória do ponto de vista político e financeiro para Trump”, completa o especialista.
Nessas negociações, setores brasileiros como os de tecnologia, alimentos processados e varejo podem ver os preços caírem, caso o governo brasileiro reduza suas taxas ao produto americano, buscando um acordo.
Isto porque, segundo dados da OMC (Organização Mundial do Comércio), o Brasil impõe, em média, tarifas de 14% aos produtos dos EUA, o que coloca o país na lista dos que mais tarifam, junto com a Argentina, Paquistão e Bangladesh. Dessa forma, o país sofreria especialmente no caso da imposição de tarifas recíprocas.
“Uma exigência de igualdade será péssimo ao governo, já que o rombo fiscal brasileiro não pode abrir mão de receitas tributárias neste momento”, avalia Sant´Anna. A situação também causaria revolta das empresas brasileiras, que veriam produtos muito mais baratos vindo de fora, o que levaria a uma alta nas importações, diz o especialista.
Além disso, mesmo com expectativas de que o presidente dos EUA seja mais ameno, a volatilidade continua e o direcionamento do governo de Trump voltado ao “America first” mantém riscos de medidas unilaterais.