A tendência de alta da taxa básica de juros (Selic) já tem mexido com o retorno dos investimentos em renda fixa e deve torná-los ainda mais atrativos até o final do ano.
Apesar de alguns ativos ainda apresentarem rendimentos negativos, a indicação de analistas e executivos do setor é que o investidor busque alocações atreladas à inflação, à Selic (pós-fixadas) e investimentos de crédito privado -como é o caso das debêntures incentivadas, dos CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e dos CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio).
Segundo o responsável pela área de renda fixa da Nu invest (antiga Easynvest), Guilherme Artmann, o mercado tem precificado um novo aumento de 1 ponto percentual da taxa básica na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central), nos dias 21 e 22 de setembro.
O movimento deve trazer ainda mais impacto no retorno dos investimentos em renda fixa de médio e longo prazo.
“O cenário macroeconômico influencia a taxa básica e afeta todos os investimentos, não só os de renda fixa. A curva de juros de longo prazo já espelha uma alta, o que influencia vencimentos mais longos. Para os ativos de curto prazo, mais um avanço de 1 p.p. não faz muito efeito”, afirmou.
“Na ponta, o principal objetivo é bater a inflação. Teoricamente a alta dos juros deve reduzir o índice de preços, o que ajudaria o investidor a ter um ganho real positivo. Isso ainda não acontece, mas a ideia é que uma hora essa curva mude e a inflação ceda um pouco mais”, completou Artmann.
Apesar dos aumentos sucessivos da Selic, os avanços da inflação têm impedido que a maioria dos investimentos em renda fixa tenham uma rentabilidade real (retorno do ativo menos a inflação do período) positiva.
A expectativa é que até o final do ano, com uma inflação mais controlada, esses investimentos mais conservadores ganhem fôlego e passem a apresentar retornos cada vez mais atrativos.
O último relatório Focus aponta que as projeções para a Selic estão em 7,5% ao final deste ano -contra 7% visto nas projeções de quatro semanas atrás. Para a inflação, a estimativa é de 7,11% no fim de 2021, ante 6,56% há um mês.
Para Rafael Ferline dos Santos, assessor de investimentos da Delta Flow Investimentos, escritório plugado ao BTG Pactual, apesar da maior atratividade dos ativos de renda fixa, o investidor precisa ter cautela ao analisar o cenário macroeconômico.
“Temos uma taxa Selic quase quatro vezes a observada em janeiro deste ano, mas não é porque o ativo tem ‘renda fixa’ no nome que ele é livre de risco”, disse.
“O cenário brasileiro atual tem muitas pautas em andamento. Estamos falando das reformas administrativa e tributária, da CPI da Covid-19 que está em andamento e das incertezas do governo como um todo, que acabam trazendo mais volatilidade para os mercados. Tudo isso precisa estar no radar”, afirmou Santos.
Nas últimas semanas as tensões políticas e a situação fiscal do Brasil elevaram as taxas futuras de juros. Com isso, as para cinco e nove anos voltaram a atingir os dois dígitos e recuperaram os patamares de 2018, ano das eleições presidenciais que elegeram Jair Bolsonaro (sem partido). A curva de juros futuros é a expectativa do mercado para a Selic.
Apesar de parte da aceleração dessas curvas já terem arrefecido desde o pico das últimas semanas, os investidores ainda mantinham o cenário político e fiscal no radar. A curva de juros futuros para cinco anos ficou em 9,71% ao ano na sexta (27), contra os 9,80% observados na véspera e os 6,05% projetados no começo do ano.
Já as previsões das taxas para nove anos ficaram em 10,14% ao ano. A projeção era de 10,23% na véspera e de 7,05% em 2 de janeiro.
“Esse talvez seja o momento de olhar com mais carinho para os ativos pós-fixados atrelados à Selic e de crédito privado. Além disso, diante do momento de alta dos preços, também pode ser vantajoso para o investidor buscar proteção em títulos atrelados à inflação, que acompanhem esse movimento”, afirmou Caíque Coutinho, especialista em renda fixa da Veedha Investimentos.
Um levantamento feito para a Folha pelo buscador de investimentos Yubb apontou que entre os investimentos de renda fixa, apenas as debêntures incentivadas -que são alocações isentas de Imposto de Renda – têm rendimento real positivo com a Selic em 5,25%.
Para o cálculo, o levantamento considera a média de rentabilidade dos ativos e alíquota de 20% de Imposto de Renda, referente a prazos de vencimento entre 181 e 360 dias.
Segundo o Yubb, já considerando o aumento da Selic, mesmo com um retorno bruto de 7,96% -o maior entre os investimentos pesquisados-, a projeção do rendimento real das debêntures incentivadas é de 0,80%, considerando a inflação de 7,11%, estimativa divulgada no último relatório Focus do BC.
O pior investimento nesse cenário seriam os CDBs (Certificados de Depósitos Bancários) dos grandes bancos, que oferecem uma média de retorno bruto de 4,19%. Neste caso, a rentabilidade real seria negativa em 3,51%.
Para rendimentos melhores, os analistas recomendam uma maior diversificação da carteira conforme o perfil de risco e uma atenção redobrada na escolha dos ativos de crédito privado.
“Nesse tipo de ativo, é importante que o investidor procure o prospecto e leia com atenção. Lá é possível encontrar qual será o uso dos recursos captados e quais os riscos atrelados à companhia e ao setor em que ela atua”, afirmou Ferline dos Santos, da Delta Flow.
“Outros pontos importantes para essa análise são o rating [nota de crédito, que indica se a empresa ou não boa pagadora], nível de endividamento e a remuneração paga ao investidor”, completou o especialista.