Com o intuito de diminuir o desequilíbrio fiscal crônico do Brasil, o Congresso Nacional promulgou, em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos. A emenda limita e visa controlar, por 20 anos (hoje 14 anos), os gastos públicos. Atualmente, entretanto, o mercado tem reagido de forma negativa aos “contornos” que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sugerido ao teto, mas, segundo especialistas, a extinção do teto não é uma opção para o País, já que é o meio mais eficaz de garantir o equilíbrio do orçamento público.
De acordo com a professora de finanças da FAAP, Virginia Prestes, o teto de gastos não precisaria ser como é hoje, mas é necessário existir um controle de despesas por parte do governo.
“Gastos públicos trazem crescimento para o País, mas tem a parte de contas a pagar e para ter responsabilidade não dá pra ter esse orçamento completamente solto”, disse Prestes.
A professora de finanças da FAAP explica que o teto é um instrumento criado para equilibrar as contas e reduzir as dívidas do País, o que garante a solvência do Brasil perante aos outros países.
“Globalmente, é o que mostra um compromisso fiscal. Mostra que temos uma regulação nos gastos públicos, até porque sabemos que o Brasil já teve muitos problemas no passado, inclusive recorrendo ao FMI”, disse Prestes.
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“Esse é um tema que está em pauta desde o meio do ano passado. Até quando houve isso no governo Bolsonaro, de furar o teto, com precatórios, mexeu com o mercado. É um tema muito sensível. Isso mexe na taxa de juros do País, por exemplo, é uma medida de risco do País”, complementou a professora de finanças.
Segundo Prestes, o teto de gastos pode alterar os rumos da economia e do mercado ao mexer com a Selic.
“Se o seu País é mais arriscado e tem um descontrole maior, você precisa pagar um prêmio maior para conseguir empréstimo, e se você precisa pagar mais prêmio, se a renda fixa pagar mais, isso é péssimo para a renda variável, por isso temos visto o mercado bem volátil”, disse Prestes.
A professora destaca que todos os países desenvolvidos possuem alguma métrica de gastos, ligadas ao crescimento econômico ou algo do tipo.
“Se não você tem, pode haver um descontrole muito grande, então, sem algum controle de gastos, não é possível ter responsabilidade fiscal sem teto”, pontuou Prestes.
Fala de Lula sobre teto de gastos estremeceu mercado
Na última semana, Lula estremeceu a bolsa de valores de São Paulo (B3) ao questionar a importância do teto de gastos. Na quinta-feira (10), Lula questionou, durante discurso no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) de Brasília, para a equipe da transição de governo, o motivo das pessoas sofrerem no Brasil para garantir a estabilidade fiscal do país.
“Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste país?”, indagou o presidente eleito.
O professor do curso de Economia da FAAP, Sillas Cezar Souza, destaca a importância de respeitar o teto de gastos.
“Quando existe uma lei ou um instrumento que impossibilite ao governo se endividar para além de um volume aceitável, a economia gira em um ambiente muito mais estável, previsível e portanto mais favorável ao desenvolvimento social”, disse Souza.
“Além disso, fica preservado a essa sociedade, a capacidade de usar seus recursos futuros, no futuro, de acordo com o que for necessário lá no futuro”, complementou Souza.
O Brasil poderia ter responsabilidade fiscal sem teto de gastos?
Para Leandro Petrokas, diretor de Research e sócio da casa de análises Quantzed, seria possível ter responsabilidade fiscal sem o teto de gastos, mas seria “muito mais difícil”.
“O teto de gastos não vai deixar de existir porque está na constituição e tem vigência de 20 anos a partir de 2017. O que tem sido feito são ajustes. Propostas de emendas constitucionais para driblar as regras previamente estabelecidas”, explicou Petrokas.
Petrokas destaca que o teto foi criado para blindar a economia do País, até por isso é chamado também de “âncora fiscal”. “É um mecanismo que regulamenta a questão das despesas públicas, fixando um teto pela inflação do ano anterior. Então se um governo quiser ter responsabilidade sem nenhuma regra do teto de gastos, é possível, mas em um país onde a gente sabe que há uma tendência de querer gastar independente de ter receita previamente calculada, isso gera dívida e força o país a emitir dívida para bancar suas despesas acima das receitas”, disse Petrokas.
O professor e economista, Marcelo Ferreira, salienta a importância do teto de gastos, em relação ao estabelecimento de prioridades pelo governo, já que ele não limitava investimentos em saúde e educação e, de alguma forma, ajudava o governo a criar e respeitar um planejamento de longo prazo.
“Pelo visto, isso vai se perder. Existem possibilidades que possam suprir ou substituir o teto de gastos. Uma delas seria por algo numa linha de relacionar o volume da dívida com o PIB e isso não deixa de ser uma forma de controlar endividamento e indiretamente controlar a questão orçamentária. Imagino que vá acontecer algo nessa linha”, disse Ferreira.
“O que não é possível é ter responsabilidade fiscal sem controle fiscal. O fim do teto de gastos traz uma característica do brasileiro, que é um certo desapreço pelo pensamento de longo prazo. A gente tem muita dificuldade no país, em diversas instâncias de atuação, de estabelecer planejamento duradouro e de executar esse pensamento”, complementou o professor e economista.
O economista e aluno da Eu Me Banco, Gabriel Valença, afirma que responsabilidade fiscal sem teto de gastos dependeria muito da classe política (a maneira como o novo governo vai enxergar a economia e os projetos econômicos).
“Vemos governos que têm muitas decisões populistas, considerando os últimos, e temos esse problema enraizado na nossa política. O teto de gastos veio para gerar responsabilidade fiscal nesses governos que querem ter uma política populista com gasto exacerbado do orçamento. Pode-se até ter responsabilidade fiscal sem teto de gastos, mas é muito difícil ter isso olhando para o nosso histórico político”, destacou Valença.