Furacão e apagão

Tragédias ambientais elevam o nível da crise econômica mundial

Nos últimos dias, o Brasil e os EUA foram palcos vivos dos prejuízos que as tragédias climáticas extremas podem causar economicamente

Tragédias ambientais / Foto: CanvaPro
Tragédias ambientais / Foto: CanvaPro

A premissa de fim do mundo tem sido explorada nas telas de cinema há alguns anos. Apesar do planeta não ter “acabado” em 2012, a intensidade com que as tragédias ambientais têm tomado conta das múltiplas regiões do globo, devido às mudanças climáticas, significam uma fonte de pressão para que os países moldem novamente suas estruturas para evitar prejuízos a suas respectivas economias e Bolsas de Valores.

O Brasil e os EUA foram palcos vivos dos prejuízos que os eventos climáticos extremos podem causar economicamente, com a passagem de dois furacões no país norte-americano em menos de 1 mês, e as tempestades que deixaram a cidade de São Paulo sob um apagão por dias a fio. 

Acontecimentos como esses lançam pressão não apenas aos governos, mas também aos bancos centrais, visto que alguns dos efeitos que podem surgir das tragédias ambientais acometem  a inflação, o que mexe diretamente com as decisões sobre as taxas de juros.

No Brasil, além das fortes tempestades e enchentes, as secas severas em algumas regiões se põem no caminho do bem-estar econômico ao dificultar as safras de commodities, os transportes de produtos por vias fluviais e encarecer a energia pela baixa capacidade das hidrelétricas. Todos fatores que pesam sob a inflação.

“Não são só os bancos centrais que devem se preocupar, na verdade, todos os agentes, sejam eles empresários, empregados, financiadores, governos, devem se preocupar com essa situação”, pontuou Pedro Afonso Gomes, Presidente do Corecon-SP (Conselho Regional de Economia da 2ª Região) em entrevista ao BP Money.

Em sua avaliação, rotinas de contingência precisam ser pensadas para tentar impedir ou reduzir os riscos decorrentes desses sinistros. “É possível fazer isso, como se faz com vários outros riscos”, afirmou.

Considerando os estragos que o furacão Milton causou na Flórida (EUA) e o histórico da capital paulista com as tempestades e apagões, Bruno Rocio, Assessor de Investimentos da Raro Investimentos, destacou que o primeiro aspecto do trabalho dos governos para mitigar a situação seria a prevenção.

“O fortalecimento das infraestruturas de energia, transporte, comunicações e água devem ser modernizadas para resistir a desastres naturais, minimizando interrupções nas atividades econômicas”, afirmou.

O cenário que fica após as tempestades, furacões e durante as secas severas, que também assolam o Brasil, é digno de produções distópicas com roteiros apocalípticos, mas é uma realidade que bate à porta. Justamente por isso, Rocio  defende que a criação de reservas financeiras nacionais e regionais para resposta rápida às tragédias ambientais é outra ponta de medidas necessárias. 

“Bem como incentivar seguros climáticos para proteger os setores mais vulneráveis, como agricultura e pequenas empresas”, completou. 

Tragédias ambientais acendem alerta para dependência no petróleo e fraqueza na energia

Antes da passagem do furacão Milton, as projeções eram de que os estragos causariam um prejuízo entre US$ 60 bilhões e U$ 100 bilhões em seguros, se o evento tivesse atingido a área de Tampa, cidade na Baía de Tampa, ao longo da Costa do Golfo da Flórida, com a força de um furacão nível 5. 

O receio de que a distribuição do petróleo fossem prejudicada também pegou os mercados, que enfrentaram um desânimo na época. Mas, a força do Milton arrefeceu e chegou somente ao nível 3 na escala de Saffir-Simpson.

Uma “válvula de escape” possível, no caso do petróleo, para evitar a disparada dos preços, seria aumentar os estoques, segundo o especialista em mercado de capitais, Idean Alves.

“Também há opções energéticas alternativas para suprir em momentos de desabastecimentos, pois senão algumas partes do mundo podem parar, em especial regiões que precisarão de petróleo e gás para aquecimento e energia”, acrescentou.

Uma preparação mais eficiente para as tragédias ambientais futuras, que infelizmente já são uma certeza entre os especialistas da área ambiental, considerando os rumos das mudanças climáticas, estão além da transição energética, destacou Rocio. 

“Poderíamos fazer investimentos em infraestrutura mais resilientes para as instalações atuais, aprimorar as tecnologias de eficiência energética, desenvolver combustíveis alternativos como os biocombustíveis, hidrogênio verde e outras alternativas ao petróleo”, disse.

No caso específico do Brasil, o problema também se encontra na estruturação que as empresas criar para os serviços. Pedro Afonso Gomes, apontou que em uma atividade como a de fornecimento de energia, busca-se apenas a redução do custo para maximizar os resultados, sem considerar eventuais problemas como este que estamos passando com o apagão em São Paulo.

“O que vimos agora recentemente foi uma total desestruturação do serviço de assistência técnica. O que deveria ser feito por essas empresas que têm a responsabilidade de fornecimento? Elas terem antes credenciado um número muito maior de trabalhadores avulsos que pudessem numa emergência ser direcionados para esse tipo de trabalho”, frisou.

Na esteira de ideias de urbanização, a fiação subterrânea se tornou um tópico comentado em alguns nichos. O método, como o nome explica, se refere a instalar o sistema de infraestrutura elétrico por baixo do chão, ao invés de usar os postes de energia, como na fiação aérea. 

“Embora seja um investimento inicial elevado, esse modelo oferece grande proteção contra danos causados por tempestades, ventos fortes e quedas de árvores, que são frequentes em eventos climáticos extremos”, disse Rocio.

O tema é complexo e, apesar de apresentar muito benefícios, como ser menos suscetível aos danos causados pelas tragédias ambientais, evitar riscos de acidentes e, em tese, ser mais durável, o custo de instalação da fiação subterrânea é elevado, a manutenção é mais difícil, além do sistema ser vulnerável a alagamentos. 

Setores ficam no empate

É fato que, se tratando de cidades, sobretudo cidades importantes para a economia de um país, toda destruição passa por restauração. O que pode servir de incentivo a alguns setores da economia, principalmente a construção civil. 

Nessa área, além das construtoras, as empresas que fornecem materiais e oferecem serviços de engenharia ganham com a partir da reconstrução dos locais atingidos por tragédias ambientais severas. 

Junto a isso, o setor financeiro também pode obter ganhos devido aos empréstimos que são feitos para as concluir as reformas. Mas, no fim das contas, esses lucros significam um “jogo zerado”. 

“Por mais que algumas empresas passem a vender mais no momento de reconstrução, aquele movimento acaba sendo artificial, receita bem-vinda em qualquer balanço, mas que não se manterá, pelo contrário, a economia local ainda leva um tempo a se recuperar, o que acaba deixando o jogo empatado, pois aquela comunidade não volta a consumir de imediato igual consumia antes do desastre”, explicou Idean Alves.
Nos EUA, com a passagem do furacão Milton, o custo estimado de reconstrução foi calculado entre US$ 123 bilhões e US$ 174 bilhões, segundo dados da CoreLogic. Já no Brasil, a projeção atual da Fecomércio-SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) é que os prejuízos ao varejo e serviços cheguem a R$ 1,65 bilhão.