Tributação de rendimentos no exterior: entenda como impacta seu bolso

A partir de 1º de janeiro de 2024, aplicações financeiros do exterior serão tributadas ao ano, mesmo que o dinheiro não seja transferido para o Brasil, diferente da regra antiga

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou, na última segunda-feira (1º), a Medida Provisória (MP) n° 1.171, que prevê que, a partir de 2024, pessoas físicas residentes no Brasil, com aplicações financeiras do exterior, terão que pagar tributos anualmente pelo Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF).

A MP visa compensar a perda de arrecadação do governo com a isenção do IR para quem ganha até dois salários mínimos, o correspondente a R$ 2.640, de acordo com o novo salário mínimo de R$ 1.320. Segundo especialistas ouvidos pelo BP Money, o mercado financeiro ainda analisa o projeto, mas em via de regra não gostou.

“De forma geral, o mercado financeiro não recebeu bem a notícia, considerando principalmente que a faixa de isenção foi significantemente reduzida para os rendimentos de origem estrangeira. Apesar disso, não se verifica um desestímulo aos investimentos no exterior, apenas a redefinição de estratégias”, explicou a advogada tributarista, bacharel em direito pela PUC São Paulo e pós-graduanda em gestão tributária pela USP, Gabriela Piubeli.

Por um lado, os profissionais entrevistados explicam que a captação do governo irá aumentar, o que auxiliará a pagar as contas. Por outro, pode espantar grandes fortunas do país, que tinham os investimentos no exterior como uma forma de reduzir a grande carga tributária já existente no Brasil.

Como era a porcentagem antes e como será agora

O especialista em investimentos e sócio da Matriz Capital, Edson Paes, explica que a primeira mudança radical foi na margem de porcentagem para tributação.

Na tabela antiga, a porcentagem do imposto era de 15% para rendimentos anuais de até R$ 5 milhões; 17,5% para R$ 5 a R$ 10 milhões; 20% para R$ 10 a R$ 30 milhões e 22,5% acima de R$ 30 milhões.

Agora, com a nova MP, a nova tabela propõe: isenção de imposto para rendimentos ao ano de até R$ 6 mil; 15% de R$ 6 a R$ 50 mil; e 22.5% acima de R$ 50 mil reais.

“Lembrando que essa taxa do imposto é referente ao rendimento das aplicações, não do valor que a pessoa possui no exterior”, disse.

Investidor terá que pagar impostos anuais

Outra grande mudança é que, a partir de 2024, o investidor deixará de pagar o imposto dos rendimentos apenas no momento de repatriação do recurso, como era anteriormente na regra antiga. Ou seja, na hora do dinheiro ser transferido para o Brasil. Agora, as tributações ocorrerão anualmente na declaração do Imposto de Renda (IR).

“No modelo antigo, o valor poderia ficar por tempo indeterminado no exterior sem nenhum tributo a ser pago no Brasil, mas no momento de repatriação do valor, seria pago o imposto em cima do rendimento que o valor obteve investido no exterior, de acordo com a tabela antiga”, explicou Paes.

Ele ainda complementou: “A MP altera esse ponto, que era o grande atrativo dos investimentos lá fora. A partir do próximo ano, na declaração de IR, o contribuinte pagará o imposto anualmente em cima dos ganhos obtidos em aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas e bens e direitos presentes nos chamados trusts”.

O que será tributado?

De acordo com o advogado, especialista (IBET) e mestre em Direito Tributário (PUC) e professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Tributário, Nicholas Coppi, são exemplos de aplicações financeiras no exterior tributáveis pelo IRPF:

Depósitos bancários;
Cotas de fundos de investimentos;
Apólices de seguro;
Títulos de renda fixa e de renda variável;
Derivativos e participações societárias.

“O recolhimento desses investimentos diretos detidos por pessoas físicas deverá ser realizado no momento do resgate, amortização, vencimento, liquidação ou outras formas de recebimento, não havendo compensação com prejuízos, como ocorre no Brasil. Ademais, segundo esse novo regramento, os ganhos cambiais também passam a ser tributáveis”, explicou.

Em relação a empresas offshore controladas por pessoa física que tenham renda passiva acima de 20%, ou estejam em paraísos fiscais ou localidades com regime tributário privilegiado, Coppi explica que as faixas de rendimentos e alíquotas são as mesmas da pessoa física e são tributáveis anualmente após a apuração dos resultados.

O investidor perderá dinheiro?

De acordo com o diretor na WIT Invest, André Crepaldi, o texto dessa MP tentou amarrar algumas brechas encontradas na u?ltima tentativa do governo (Projeto de Lei 2.337/2021) de eliminar o diferimento fiscal que as estruturas internacionais concedem aos investidores.

“O diferimento fiscal significa que eu só pago o imposto quando distribuo dinheiro para pessoa física. Com a nova MP, esse pagamento de imposto ocorreria todo ano, o que de certa forma diminui o montante investido para ser reinvestido ao longo do tempo”, afirmou.]

Regra vale a partir de 2024

Por enquanto, nada muda. A MP 1.171/23 entrou em vigor no dia 1º de maio de 2023, mas prevê a tributação somente a partir de 1º de janeiro de 2024 sobre os rendimentos obtidos no exterior por pessoas físicas residentes no Brasil.

“Isso significa que todos os tipos de investimentos auferidos durante o ano-calendário de 2024, serão tributáveis pelo IRPF e deverão ser declarados na Declaração de Ajuste Anual em 2025, em campo próprio e de forma segregada dos demais rendimentos e ganhos de capital”, explicou Coppi.

Sendo assim, os lucros gerados até 31 de dezembro de 2023, só serão tributados na disponibilização. Já os lucros gerados a partir do primeiro dia de 2024, entrarão na nova regra e sera?o tributados ao final de cada ano.

Além disso, o advogado ainda enfatiza que a MP 1.171/23 precisa ser convertida em lei, tendo o prazo de 120 dias para isso e pode sofrer alterações, sob pena de ser revogada. Até 2024, segundo ele, também está mantida a isenção de R$ 35 mil mensais para os rendimentos auferidos por pessoas físicas no exterior.

Repatriação de recursos

Os especialistas explicam que os investidores sempre precisaram declarar seus investimentos no exterior, de acordo com a Lei n° 13.254/16. Ela dispõe sobre a repatriação de recursos no exterior e possibilita a regularização da declaração acerca dos bens, visando prevenir possíveis consequências no âmbito criminal para os brasileiros, como denúncias por sonegação fiscal.

O atual governo retoma a lei para aumentar a receita e evitar irregularidades fiscais. As pessoas podem atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados para o valor de mercado até 31 de dezembro de 2023. Neste caso, a alíquota que incidirá sobre o valor da diferença para o custo da aquisição será de 10%. O imposto deverá ser pago até 30 de novembro de 2023.

“Não há nova obrigatoriedade imposta para a regularização da declaração desses bens até 2025, quando os rendimentos que ultrapassarem o limite de isenção previsto na MP n° 1.171/23 deverão ser indicados em campo próprio e segregado dos demais na Declaração de Ajuste Anual”, enfatizou Gabriela.

André Crepaldi também explica que, caso a pessoas não regularize sua declaração, a princípio, ainda não há uma multa ou penalidade. “É uma tentativa de arrecadação ainda esse ano com essa ‘oportunidade’ de atualização de valores”, disse.

Brasil X estrangeiro

Nicholas e Gabriela dizem que, em linhas gerais, há uma disparidade em relação a tributação dos rendimentos com as aplicações financeiras de origem nacional, uma vez que estes estão sujeitos, via de regra, à alíquota de 15% com possibilidade de compensação de prejuízos e permanecerão à margem da isenção na ordem de R$ 35 mil mensais, mesmo após 2024 – diferente da nova MP que acaba com essa isenção para investimentos gringos.

Paes também comenta sobre o pagamento de imposto ser realizado somente na repatriação do recurso era um atrativo para os investidores brasileiros que gostam de aplicar seu recurso no exterior. Agora, isso entrará no cálculo do custo de oportunidade.

“A partir de 2024, os investimentos no exterior vão continuar sendo uma forma de diversificação de carteira, buscando novos mercados, ações e moedas. Porém, para os investidores que não tinham a intenção de repatriar seus recursos em algum momento, a partir de 2024 já não terão mais esse atrativo fiscal”, finalizou.