SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O crescimento do interesse de brasileiros por vinhos nos últimos anos fez com que produtores portugueses passassem a olhar o país com um interesse especial.
Historicamente ligada ao Brasil devido ao período colonial, a bebida feita em terras lusas ficou um pouco distante nas últimas décadas, e assim Portugal viu a ascensão de concorrentes sul-americanos.
Vinhos produzidos na região, especialmente no Chile e na Argentina, ganharam espaço nas taças brasileiras, porque chegam ao país com valores mais baixos e em maior quantidade, em parte pela facilidade de transporte e por acordos regionais, como o Mercosul, no caso argentino.
Portugal, no entanto, já ultrapassou a Argentina e se tornou o segundo país que mais exporta para o mercado brasileiro, atrás apenas do Chile. Neste ano, entre janeiro e maio, 17,1% dos vinhos importados pelo Brasil eram portugueses, índice que, no mesmo período de 2020, foi até um pouco maior: 17,9%.
O consultor Carlos Cabral afirma que o aumento do turismo em Portugal, com destaque para o enoturismo, também ajudou a alavancar esse crescimento, já que, quando voltam para casa, os brasileiros buscam os rótulos que conheceram durante o período no país europeu.
E os queridinhos são os vinhos verdes, que, apesar do nome, podem ser tintos, rosés ou brancos. Produzidos na região norte de Portugal, no Minho, ganham a denominação de origem “Vinho Verde” em razão do local em que a bebida é feita ?não pela cor do líquido.
Os vinhos verdes são conhecidos por serem, em grande parte, jovens, baratos, aromáticos, com acidez e frutados. Também harmonizam bem com frutos do mar, peixes e carne de porco, características que combinam com um país tropical como o Brasil, o que pode explicar, em parte, o interesse.
Cabral também cita como diferencial dos vinhos portugueses a produção feita a partir de uvas autóctones ?oriundas de um determinado país. Segundo ele, existem cerca de 250 tipos de uvas de Portugal, e o país privilegia este tipo em suas produções. As autóctones portuguesas, no entanto, ainda são pouco internacionalizadas e, portanto, não são muito utilizadas nas produções de vinhos em outros países.
Um bom exemplo são as uvas Cabernet Sauvignon e Merlot, da França, amplamente replantadas em outros países e presentes na produção de uma grande quantidade de vinhos de outras nacionalidades.
Entre as brancas, algumas das principais uvas autóctones de Portugal são a Alvarinho, Fernão Pires e Encruzado. Já entre as tintas estão Alfrocheiro Preto, Baga, Castelão, Tinta Negra e Trincadeira.
Mas a mais famosa das uvas portuguesas é a Touriga Nacional, a mais internacional das cepas do país, diz o sommelier Rodrigo Ferraz. “É a que tem mais vocação para ser popstar de Portugal. É a mais internacional, na cola com a Alvarinho, famosa branca utilizada para produzir os Vinhos Verdes.”
A Touriga Nacional, afirma, costuma gerar vinhos “no estilo do consumido no mercado brasileiro, que é um estilo de vinho mais encorpado, um pouco mais tânico e com bastante aroma”.
Ferraz lembra ainda que a Touriga Nacional é uma das uvas mais florais que existem. “Tanto que é usada na produção de blends [vinhos com mais de um tipo de uva], para dar essa intensidade aromática.”
O enólogo português Miguel Ângelo Vicente Almeida conta que mais de 90% dos vinhos de Portugal são feitos com as castas portuguesas.
Segundo ele, que está no Brasil desde 2008 e atua na Miolo, a Touriga Nacional origina vinhos florais e intensos. “É uma casta de aroma próprio. Os aromas dos vinhos tintos sempre advêm da fermentação, do estágio em barrica, e a Touriga Nacional incute já uma característica aromática muito própria.”
O sommelier Rodrigo Ferraz explica que a influência dos vinhos portugueses foi além do mercado consumidor e já chega, em algum nível, na indústria produtora. Segundo ele, já existem várias iniciativas de produtores brasileiros produzindo com a Touriga Nacional.
“Tem vinhos sendo produzidos no estilo português desde Campos de Cima da Serra, a 1.100 metros de altitude, no Rio Grande do Sul. Vinhos hiperelegantes, porque vinhos de altitude tem essa pegada”, diz.
“Já na Serras do Sudeste, também no Rio Grande do Sul, que é uma região mais quente, aparece um Touriga Nacional do Alentejo, mais pegado, mais intenso, mais aromático. Os portugueses estão sabendo exportar não só vinhos, mas o estilo de fazer vinho.”
Outra característica dos vinhos portugueses é um preço considerado justo. Os especialistas avaliam que a bebida exportada pelo país europeu apresenta valores condizentes com a qualidade que oferece. Apesar disso, a produção em euro dificulta a concorrência com os sul-americanos no mercado brasileiro.
“No vinho de entrada, de até R$ 40, é muito difícil bater Chile e Argentina”, diz Ferraz. “Mas o velho mundo está muito consagrado nas bebidas da faixa média de preço para a mais alta. E Portugal, tratando-se de Douro e Alentejo, as principais regiões portuguesas de marketing, é muito consagrado.”
Apesar de toda essa movimentação provocada pelos vinhos portugueses no mercado brasileiro e da predileção pelo Vinho Verde, o vinho do Porto segue ainda como o mais conhecido de Portugal. Não só no Brasil, mas no mundo todo.
A fama vem de séculos atrás, alimentada pelas relações comerciais e políticas entre o país ibérico e o Império Britânico. A potência inglesa, cuja corte abraçou o vinho do Porto, foi o maior mercado de vinhos por décadas e ditava as tendências de consumo em boa parte do mundo ocidental.
O vinho do Porto é um vinho fortificado, com teor alcoólico mais elevado e, por isso, costuma ser consumido em menores quantidades do que os outros tipos, sendo ingerido como aperitivo.
Assim, Portugal apresenta uma grande variedade de tipos de vinho, o que também pode ser considerado um atrativo para o mercado brasileiro. Como ainda está amadurecendo quanto ao volume de consumo e ao conhecimento da bebida, o brasileiro, em geral, está experimentando e desenvolvendo o paladar.
Cada região possui características próprias de clima e solo, e cada produtor costuma empregar sua própria identidade na hora de produzir os seus vinhos. De forma simplificada, o sommelier Rodrigo Ferraz deixa uma dica que pode ajudar quem quer começar a se aventurar na compreensão de características dos vinhos portugueses.
“As regiões mais do centro para o sul de Portugal, Alentejo, Lisboa, Península de Setúbal, fazem vinhos no estilo intenso: mais tânicos, frutados, que tendem a parecer mais com vinhos de novo mundo [América do Sul, EUA, Austrália], de regiões mais quentes”, explica.
“Do meio para cima ?Dão, Bairrada, Douro?, são regiões que fazem vinhos mais elegantes, não tão intensos. São igualmente nobres, mas mais comedidos e leves.”