UE pode proibir produtos brasileiros de origem desmatada

A medida deve ser publicada ainda em novembro deste ano

 A Comissão Europeia pretende apresentar uma lei para proibir que commodities ligadas ao desmatamento sejam vendidas no mercado europeu. Com previsão de publicação para novembro deste ano, o regulamento vai aumentar o controle sobre as importações de carne bovina, óleo de palma, soja, madeira, cacau e café, segundo um documento ao qual a Folha teve acesso.

Para que esses seis produtos consigam entrar na União Europeia, compradores precisarão comprovar que eles não são provenientes de regiões desmatadas ilegalmente. Contudo, a regra vale apenas para áreas derrubadas após 1º de janeiro de 2021.

“Commodities e produtos derivados relevantes não podem ser colocados ou disponibilizados no mercado da União a menos que: a) sejam livres de desmatamento; e b) tenham sido produzidos de acordo com a legislação pertinente do país de produção”, diz o documento.

O projeto de regulamento precisará ser validado pelas autoridades europeias antes de se tornar lei. Caso seja aprovada, a medida deve impactar o Brasil, que já vem sendo pressionado pelo bloco em função da agenda socioambiental praticada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A UE propõe que as empresas importadoras implementem sistemas de due diligence [diligência prévia] para monitorar, abordar e mitigar quaisquer impactos negativos de suas importações sobre as florestas.

Países produtores também serão classificados por níveis de risco de desmatamento (alto, baixo ou padrão), o que vai influenciar no rigor da due diligence exigida. Para importações de países considerados “verdes”, o processo será simplificado, o que suscitou críticas.

Segundo Nicole Polsterer, gerente de produção e consumo sustentável da Fern, uma ONG ambiental europeia, isso abre caminho para que a entrada de mercadorias produzidas em terras desmatadas ilegalmente seja facilitada.

“Requisitos estritos de due diligence devem ser a norma, e nenhuma isenção para mercadorias de certos países deve ser concedida”, afirma.

Ao longo dos últimos cinco anos, a UE vinha discutindo a criação de uma legislação para combater o papel da Europa na destruição das florestas por meio de suas importações de commodities agrícolas.

Para Polsterer, a nova lei pode ser uma virada de jogo, mas o projeto teria condições de ser ainda mais restritivo.

“Embora essas propostas contenham elementos encorajadores, existem algumas limitações marcantes da Comissão que reduzem significativamente as chances de o regulamento ter um impacto no combate ao desmatamento global”, diz.

O projeto seria falho, por exemplo, em relação à proteção dos povos indígenas e das comunidades locais.

“Os padrões de consumo e produção dos europeus dependem fortemente das terras e recursos de outras pessoas -muitas vezes obtidos sem o seu consentimento. As consequências disso são claras no Brasil, onde o governo Bolsonaro destruiu as proteções ambientais e de direitos humanos às custas da Amazônia e dos povos indígenas”, diz.

Segundo ela, é preciso garantir que todos os produtos colocados no mercado europeu cumpram os tratados internacionais de direitos humanos -não apenas a legislação do país de origem. “Como mostra o Brasil, as leis nacionais, por si só, não são suficientes”, afirma.

Outro ponto que gerou críticas de ambientalistas é em relação ao escopo de ecossistemas que a lei busca proteger. O projeto menciona apenas florestas, excluindo pastagens e pântanos, que são habitats para inúmeras espécies e também desempenham um papel importante no combate à crise climática.

Caso o projeto seja aprovado no modelo atual, a destruição de biomas como o Cerrado e o Pantanal não seriam impeditivos para a importação de commodities.

A lista de produtos controlados também foi considerada muito limitada pela Fern. Segundo a ONG, produtos que levantam preocupações ambientais, como borracha, milho e couro deveriam constar na proposta, assim como aves e carne suína, que podem estar vinculadas a um “desmatamento embutido”, por meio do uso da soja como ração.

A criação de uma lei antidesmatamento não seria o primeiro movimento que a União Europeia faz para ter mais controle sobre a pegada ambiental de suas importações.

No começo do ano, a UE apoiou a criação de um imposto sobre carbono para produtos importados, a fim de garantir que as empresas do bloco não vão perder competitividade para mercados onde as restrições ambientais são mais fracas.

Mas não é só a Europa que vem se mobilizando nesse sentido. Os Estados Unidos também estão debatendo uma lei antidesmatamento semelhante.

Por lá, o Congresso quer barrar a importação de soja, cacau, gado, borracha, óleo de palma, madeira e seus derivados que sejam provenientes de países com índices altos de desmatamento.

Para seguir com a compra, o importador vai precisar comprovar que os produtos -e toda sua cadeia produtiva- não têm envolvimento com áreas desmatadas ilegalmente.

Na justificativa do projeto, apresentado à Câmara e ao Senado na última quarta (6), os autores citam o Brasil e seus produtos de origem bovina como exemplo do problema.

“Em 2020, os EUA importaram carnes e couros bovinos processados avaliados em mais de US$ 500 milhões [R$ 2,7 bilhões] do Brasil. Ali, a pecuária é o maior impulsionador do desmatamento na Floresta Amazônica e outros biomas, e 95% de todo o desmatamento feriam a lei”, escreveram.

O risco de que mercadorias brasileiras percam espaço no cenário internacional, aliado à pressão de investidores por boas práticas ESG (sigla em inglês para os princípios ambiental, social e de governança corporativa), já tem feito com que algumas empresas se mobilizem para garantir que seus produtos não têm origem ilegal.

No setor agrícola, a Bunge, gigante do comércio internacional de soja e outras commodities, tem como meta alcançar cadeias de fornecimento livres de desmatamento, incluindo o desmatamento legal, até 2025.

Outro exemplo são os frigoríficos. A Marfrig e a Minerva Foods também possuem compromissos semelhantes. Ambas têm a meta de chegar a uma cadeia produtiva 100% livre de desmatamento até 2030.

Em abril deste ano, a JBS inaugurou uma plataforma que estende a rastreabilidade de sua cadeia produtiva aos fornecedores de seus fornecedores.

Poucos meses depois, a companhia antecipou para 2025 o objetivo de acabar com o desmatamento ilegal nas fazendas de seus fornecedores indiretos no Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Caatinga. A empresa já tinha essa meta para a Amazônia.

Contudo, uma auditoria divulgada pelo MPF (Ministério Público Federal) do Pará mostrou que cerca de um terço do gado comprado pela JBS entre janeiro de 2018 e junho de 2019 teria vindo de áreas com problemas de desmatamento ou outras inconformidades.

Segundo a JBS, o resultado da auditoria foi impactado por uma mudança recente de critério adotado pelo MPF.

“Com relação aos resultados da auditoria do TAC do Pará para o ano de 2018 e o primeiro semestre de 2019, a JBS esclarece que os resultados decorrem, principalmente, de imprecisões nas definições dos critérios de monitoramento e nas bases de dados utilizadas como referência no processo de auditoria”, afirmou.

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