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Campos Neto e o adeus ao BC: relembre como foi mandato

Campos Neto foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e iniciou sua jornada no BC em 2019; analistas avaliam a gestão

O presidentedo Banco Central, Roberto Campos Neto/
Foto: Jose Cruz/Agência Brasil
O presidentedo Banco Central, Roberto Campos Neto/ Foto: Jose Cruz/Agência Brasil

Uma nova gestão de governança está prestes a começar no BC (Banco Central) com o fim do mandato do atual presidente, Roberto Campos Neto, e a chegada de Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária, ao cargo. Nos últimos 6 anos de gerência, Campos Neto enfrentou os cenários mais desafiadores e históricos que exigiram pulso do BC e deixará a cadeira com a avaliação dividida entre o mercado financeiro e alguns grupos políticos.

Campos Neto foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e iniciou sua jornada no BC em 2019. Na época, a Selic (taxa básica de juros) estava na casa dos 6,50% ao ano, um nível quase inimaginável diante do cenário atual. 

Além disso, quando chegou à autoridade monetária, o quadro também era diferente com a inflação, cujo medidor principal é o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor). Naquele momento, o indicador de preços tinha meta de 4,25% para o ano, e conseguiu fechar dentro do intervalo de tolerância, a 4,31%, o que deixou uma boa imagem inicial.

No entanto, a partir de 2020 a configuração da economia mundial sofreu uma mudança brusca, com a pandemia da Covid-19 forçando uma readaptação dos bancos centrais às novas dinâmicas dos indicadores econômicos. Porém, o mandato de Campos Neto, o primeiro sob um Banco Central independente, também foi pioneiro em iniciativas que destacaram o Brasil no âmbito financeiro.

Em paralelo a isso, a gestão do executivo estabeleceu uma agenda de inovação tecnológica que trouxe ao Brasil uma função inédita que transformou os métodos de pagamento: o PIX. O serviço, lançado em outubro de 2020, para fazer transferências instantâneas, se tornou um dos principais meios de pagamentos dos brasileiros. 

Campos Neto já sinalizou, inclusive, que a agenda de inovação e tecnologia com a qual a autarquia trabalha atualmente deve seguir após a posse de Gabriel Galípolo.

Relembre os principais acontecimentos do mandato de Campos Neto

Pandemia de Covid-19

O baque da doença viral foi imensamente prejudicial não apenas à saúde da população ao redor do mundo, mas também para a economia de cada país. A OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou o estado pandêmico em março de 2020, o que obrigou as empresas de quase todos os setores a parar, ou reduzir, as atividades para prevenir a contaminação. 

Como estratégia de proteção econômica, o BC foi uma das primeiras autoridades monetárias do mundo a reduzir a taxa de juros a um patamar mínimo histórico, que chegou à casa dos 2% em junho de 2020 e foi mantida nesse nível até março de 2021.

“Campos Neto foi um ótimo presidente do Banco Central”, avaliou Rodrigo Cohen, analista de investimentos e co-fundador da Escola de Investimentos. 

Ele fez um trabalho muito bom em relação a aumentar os juros antes de todo mundo, prevendo tudo que poderia acontecer pós-pandemia, e depois ele fez um trabalho muito bom também de reduzir os juros antes de todo mundo”, ressaltou.

O economista Bruno Corano, da Corano Capital, teve a mesma avaliação. “A gestão do Campos Neto foi boa, foi satisfatória, é lógico que o período que ele esteve à frente do BC foi desafiador, primeiro a pandemia, depois esse processo inflacionário”, disse.

Em sua visão, o executivo correspondeu às necessidades do mercado, mas outro destaque também foi a qualidade da equipe técnica que o acompanhou durante o mandato. “O presidente tem a capacidade de estragar, impedir que a coisa certa seja feita, mas ele sozinho não é também o responsável pelo sucesso”, afirmou Corano.

A Selic é, sem dúvidas, um dos pontos que mais puxa as críticas de grupos mais próximos ao Governo Lula, que voltou à presidência da República em 2023, visto que, atualmente, o Brasil tem uma das maiores taxas de juros do mundo, a 12,25% ao ano, com projeção de mais elevações até os 14,25% a.a.

O aumento da taxa é uma das manobras mais fortes do BC para controlar a inflação, que avançou a níveis extremos durante a pandemia, chegando a 10,06% em 2021, mas arrefecendo aos poucos. Esse, inclusive, é um dos fatores que pesam sob a gestão de Campos Neto, pois em seus 6 anos de mandato, a meta de inflação foi cumprida somente 3 vezes (2019, 2020 e 2023). 

Cohen destacou que durante a gestão de Campos Neto o real brasileiro esteve entre as moedas mais valorizadas do mundo, “em decorrência dele ter feito um trabalho muito bom”. 

“Colocam que ‘Campos Neto não conseguiu bater a metade das metas de inflação’, mas não depende só do Banco Central bater metas de inflação, sabemos que depende muito mais de uma política econômica que o governo vai implantar, então o Banco Central não faz mágica”, afirmou Cohen.

Mandato independente

A Lei Complementar 179/2021, sancionada pelo então presidente da República Jair Bolsonaro, tornou o Banco Central do Brasil uma autarquia sem vinculação a um ministério, uma tutela ou subordinado a uma hierarquia.

Esse modelo estabeleceu que o mandato do chefe do BC não coincida com o do mandatário do Poder Executivo, além de determinar que os mandatos duram somente 4 anos, como será o de Gabriel Galípolo a partir de 2025.

“Esse modelo permitiu maior previsibilidade nas decisões do Copom, blindando-as de interferências políticas de curto prazo. A governança independente também possibilitou uma comunicação mais estruturada com o mercado financeiro, consolidando o BC como uma instituição técnica”, avaliou Hulisses Dias, especialista em finanças e investimentos.

A autonomia do BC é criticada pelo presidente Lula, com quem Campos Neto teve uma relação tensa desde o início do governo. O chefe do Executivo desaprova expressamente a forma como a Selic tem sido conduzida pelo Copom (Comitê de Política Monetária). 

Cohen reiterou que o presidente do BC não se deixou levar pelas pressões políticas que sofreu para mudar os rumos da política monetária, o que, para o analista, o classifica como um “profissional muito competente”. 

Como ficou a Selic e o IPCA nesses seis anos?

AnoIPCA FinalSelic Final
20194,31% (dentro da meta) 4,50% a. a.
20204,52% (dentro da meta)2,00% a. a.
202110,06% (acima da meta) 9,25% a. a.
20225,79% (acima da meta)13,75% a. a.
2023 4,62% (dentro da meta) 11,75% a. a.
2024 Expectativa superior a 4,80% (acima da meta)12,25% a. a.

Depois de Campos Neto, o que esperar de Galípolo

O nome de Gabriel Galípolo era a principal aposta do mercado como indicação do presidente Lula para assumir a autarquia, uma escolha vista como “mais técnica”. Desde a reunião do Copom realizada em maio, quando houve divergência entre os diretores entre um corte de 0,50 p.p. ou 0,25 p.p. – que prevaleceu com a maioria de 5 votos – os posicionamentos de Galípolo têm sido observados de perto pelos agentes financeiros. 

Na última reunião do ano o ambiente brasileiro já se encontrava totalmente diferente da ocasião mencionada, pois no momento, os dados mostram que a inflação estourou o teto de tolerância da meta, o dólar está em um patamar recorde – antes inimaginável – superior a R$ 6,00, o que pressiona mais os preços, e a economia segue aquecida, o que levou o Copom a já estipular um guidance de mais duas altas de 1 p.p. na Selic nas duas próximas reuniões, levando a taxa a 14,25%.

Desta vez, como tem ocorrido desde a reunião de junho, quando o ciclo de afrouxamento monetário foi suspenso pelo Copom, os diretores votaram unanimemente pela decisão final do colegiado. Porém, o fato de Galípolo não apenas ter sido indicado por Lula, mas ter uma conhecida proximidade com o PT, deixa o mercado em alerta.

“Essas altas [o guidance estipulado pelo Copom] são um sinal claro de que o Banco Central continuará priorizando o controle da inflação, mesmo com o novo presidente”, comentou Hulisses Dias. 

“Além disso, os ajustes na Selic já previamente sinalizados contribuem para tirar um pouco da pressão inicial sobre Galipolo, permitindo-lhe um período de adaptação enquanto a política monetária segue no caminho estabelecido por seu antecessor”, prosseguiu.

Bruno Corano segue uma análise diferente e acredita que Galípolo “não me parece uma pessoa preparada para essa função”, mas que ele pode surpreender.

“Como ele surpreenderia? Sendo um bom ouvinte e um bom colecionador de aconselhamentos dos profissionais que estão ao redor dele no Banco Central”, afirmou.

Na avaliação de Corano, não está claro ainda, embora haja indícios, se ele será usado como um instrumento de manobra. “Não está ainda 100% claro se ele vai fazer o que tiver que ser feito para controlar a moeda e a economia num momento tão delicado”, finalizou.