SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O produtor Mario Forastieri era dono de uma fazenda onde trabalhavam 50 famílias, em Itambé, no Paraná, quando enfrentou a histórica geada negra de 1975, que mudou a agricultura do estado.
Ao acordar em uma manhã de inverno daquele ano, viu o resultado do “frio doído” que havia sentido durante a noite. As folhas da sua plantação de café quebravam na sua mão. “Quando vem o sol, derrete e seca tudo”, conta. Naquele ano, a única saída foi arrancar os pés de café, quase todos mortos pela geada. Foi o destino dado a inúmeros cafezais do estado.
A geada acontece quando a temperatura cai drasticamente, ao ponto de formar camadas de gelo sobre a planta ou congelar a seiva, líquido que fica dentro do caule. “É mais ou menos como se fizesse um frio que congelasse o nosso sangue”, compara Marco Antonio dos Santos, agrometeorologista da Rural Clima.
Para isso acontecer, é preciso que uma massa de ar polar derrube as temperaturas.
Ao esquentar com o sol, esse líquido explode dentro da planta, o que necrosa suas células. Quanto menor a umidade, maior é o impacto da geada, pois a perda de calor é mais intensa, explica Santos.
Há dois tipos de geada: na branca, forma-se a camada de gelo por cima das folhas. Já a negra provoca o congelamento dos pés.
O fenômeno tem arrasado plantações este ano pelo Brasil. A expectativa é que o comprometimento das safras pressione a inflação. O cinturão de café do país, no sul de Minas Gerais, foi um dos primeiros atingidos. A geada também pegou lavouras de milho no Paraná, hortifrutis de São Paulo e regiões frutíferas de Santa Catarina. A onda de frio ainda pode chegar até a canavais do Centro-Oeste.
Relembre geadas que marcaram produtores nas últimas décadas.
Geada de 1975 mudou geografia do café no Brasil
Em 1975, Forastieri diz que sentia vontade de chorar ao olhar para a sua terra. A colheita, que naquela época ocorria de quatro em quatro anos, prometia ser boa.
Os meses seguintes foram de muitas mudanças: ele viu amigos irem para São Paulo e a sua cidade, que fica perto de Maringá, perder grande parte dos seus moradores. O município tinha mais de 15 mil habitantes na década de 1970, número que foi para quase 6.000 de acordo com o último censo.
Os que ficaram, mudaram aos poucos a cultura a que se dedicavam. “A gente ficou triste porque vivia do café”, lamenta. Ele ainda tinha grãos guardados, que aproveitou para vender quando os preços aumentaram, na tentativa de diminuir o prejuízo.
Hoje, aos 86 anos, planta soja e milho –mais resistentes ao frio–, mas foi um dos últimos a parar de plantar café na região, em 1991. O estado e os bancos, lembra, ajudaram muito os agricultores na época, mas ele conta que precisou dispensar trabalhadores da sua propriedade.
Gabriel Sidney de Toledo Menezes, 75, que também viveu essa geada, diz que a intensidade do fenômeno naquele ano “foi uma surpresa”. Na década de 1970 ele já era formado em direito e se dividia entre Maringá e Londrina, onde sua família tinha terras.
Menezes estava na cidade quando seus vizinhos deram a má notícia de que as geadas tinham tomado conta das plantações do estado. “Eu cheguei na fazenda e me espantei. Vi aquela desolação”, relembra. “Queimou tudo. Se precisasse de uma folha verde para fazer um chá não tinha.”
Depois de cinco dias, diz, a cor dá a impressão de que que jogaram terra por cima da plantação. Depois, as folhas caem. “O sentimento é de impotência contra a natureza”, afirma. A produção de pelo menos dois anos foi comprometida.
“A geada de 1975 foi um marco divisor no sistema agrícola, pelo menos no centro-sul do Brasil”, diz.
O agrometeorologista Santos confirma que a geografia do café no Brasil foi alterada. A planta se concentrava principalmente no norte do Paraná e no sul de São Paulo. “Com medo de novas geadas, os produtores começaram a migrar para São Paulo e Minas Gerais, áreas mais quentes”, explica.
No Paraná, o abandono do café deu espaço para culturas como a da soja, à época pouco produzida no país, e a fazendas de gado.
Em 1994, São Paulo sofre com temperatura mais baixa desde 1955
Naquele ano, os termômetros de São Paulo marcaram a temperatura mais baixa desde 1955. As geadas se estenderam por pelo menos dez municípios do Rio Grande do Sul e atingiram o restante da região, além de São Paulo e Minas Gerais.
As culturas de café e cana-de-açúcar foram as mais prejudicadas. O resultado foi a disparada no preço do grão na Bolsa. No sul de Minas, a cotação ao produtor passou, em três dias, de US$ 125 a saca para US$ 150.
Preço de verduras, frutas e legumes disparou em 2000
Em julho de 2000, uma massa de ar polar vinda da Argentina provocou geadas principalmente no Paraná e em São Paulo. Praticamente todo o estado do Sul registrou temperaturas negativas e geadas nas lavouras. Segundo informações do Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazens Gerais do Estado de São Paulo) na época, o frio comprometeu 70% das colheitas de verduras e legumes em São Paulo.
Na região de Ribeirão Preto, pelo menos 11 cidades foram impactadas com o fenômeno. O preço de verduras, frutas e legumes chegou a sofrer um aumento de 888%, de acordo com reportagem da época. Franca, São Carlos e Ribeirão Preto registraram temperaturas abaixo de 0 ºC e a saca de café foi de R$ 155 para R$ 195 de um dia para o outro.
No Sul, o preço das folhas aumentou pelo menos 66%. Cana, predominante nas regiões afetadas, foi outra cultura que sofreu o impacto da onda de frio.
Em 2013, geada fez nova vítima: o milho A geada desse ano tem um elemento novo em relação às anteriores: atingiu intensamente plantações de milho. Diferentemente do café, o milho é uma commodity que afeta cadeias inteiras de produtos, como a carne, já que é usada para ração animal. “Afeta toda a alimentação. O milho está no gado, na ave e na produção de ovos”, explica o agrometeorologista Santos.