A venda de automóveis usados cresceu 63% no primeiro semestre em relação a igual período de 2020. O movimento foi acompanhado pela alta nos preços, que é um reflexo do desarranjo causado no setor automotivo em meio à pandemia de Covid-19.
Segundo um estudo divulgado na terça (13) pela KBB Brasil, empresa especializada em pesquisa de preços de veículos, os valores pedidos por modelos com entre quatro e 10 anos de idade tiveram reajuste médio de 13,04% nos primeiros seis meses de 2021.
Entre modelos com até três anos de uso -chamados de seminovos no jargão de mercado-, o aumento é de 9,75% neste ano. No mesmo período, a inflação acumulada é de 3,77%, segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
A tabela elaborada pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que serve de base para o cálculo do IPVA, também registra altas de preços na comparação entre os meses de julho de 2020 e de 2021. Se a tendência for mantida, o imposto deve ficar mais caro no próximo ano.
De acordo com a Fenabrave (associação dos revendedores), foram negociados 7,37 milhões de veículos usados (leves e pesados) entre janeiro e junho, número que se justifica pela falta de carros zero-quilômetro devido aos problemas de produção.
“O consumidor pode adiar a compra porque deseja um carro novo ou ir para o mercado de usados, que é mais competitivo e tem mais oferta, essa é uma tendência”, afirma Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea (entidade que representa as montadoras).
Moraes diz que a cada veículo novo vendido hoje, sete usados são negociados. “O normal é entre três ou quatro para um, mas só vai normalizar quando tivermos um sistema de produção mais estável.”
Os preços dos carros novos também subiram: alta média de 4,28% no acumulado do ano, segundo a KBB. O setor segue sob a pressão do dólar, da falta de componentes, do encarecimento dos insumos e da busca por rentabilidade.
“Temos impactos fortes no preço do aço, custos e problemas logísticos, mas não posso deixar de mencionar o aumento de ICMS no mercado de São Paulo, que veio na hora errada”, afirma Moraes.
Como uma alta puxa a outra, o mercado está inflacionado e deve seguir assim por mais alguns meses.
“Em um cenário que ainda registra gargalos na produção de veículos novos e majoração dos preços, o segmento de usados tende a seguir aquecido até o final do ano”, diz Flávio Passos, vice-presidente de Autos e Comercial do portal de classificados OLX Brasil.
Passos afirma que o setor de vendas online de carros foi impactado pela aceleração digital durante a pandemia e atraiu mais profissionais autônomos, o que possibilitou o crescimento de empresas do segmento.
A startup DealerSites, que atua na digitalização do mercado automotivo, teve um crescimento de 93% na receita entre 2019 e 2020, quando o faturamento passou de R$ 1,3 milhão para R$ 3 milhões. A previsão para 2021 é chegar a R$ 5,8 milhões.
O portal Webmotors, do banco Santander, registrou uma alta de 18% nas intenções de compra entre janeiro e junho sobre igual período de 2020. Foram cerca de 200 milhões de visitas no primeiro semestre.
Os investimentos em digitalização comprovam o bom momento dos lojistas, mas a propaganda nem sempre corresponde à realidade do mercado. Os preços anunciados incluem as margens de negociação e, por isso, podem oscilar para baixo.
Quanto mais popular é o carro no setor de usados, maior a variação de valores. Segundo a OLX Brasil, os dez automóveis mais negociados por meio do portal tiveram alta média de 30,6% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2020.
Um dado mostra que o mercado de veículos usados não é uma ciência exata: de acordo com a OLX, o modelo que mais encareceu entre os mais vendidos foi o Ford Ka, com elevação de 47,38% na comparação entre os semestres.
A produção do modelo foi encerrada em janeiro, quando a Ford fechou a fábrica de Camaçari (BA). O cálculo inclui todas as versões do compacto, que foi lançado em 1997 e teve três diferentes gerações no Brasil.
“Nunca falta carro, a rotatividade é muito grande e o preço é vinculado ao valor dos modelos zero-quilômetro”, diz Ilídio dos Santos, presidente da Fenauto (federação que reúne revendedores de carros usados).
Ele afirma que a grande procura por um modelo faz seu preço aumentar e evita fazer previsões para o futuro do segmento. “Não sabemos como vai ser a política, e ano que vem haverá eleição. O que esperamos é fechar 2021 com um resultado superior ao de 2019.”
Para Cassio Pagliarini, sócio da consultoria Bright, os usados permanecerão valorizados enquanto houver falta de modelos novos.
“A demanda deveria baixar na situação atual, mas as pessoas ainda não conseguem viajar e gastam menos com restaurantes, entre outros fatores. Com isso aplicam na renovação de seus carros”, diz o consultor.
Pagliarini acredita que montadoras e fornecedores encontrarão soluções para a escassez de componentes ainda em 2021. “Ninguém quer perder mais seis meses, e quando os novos tiverem o fornecimento regularizado, o preço dos usados irá cair.”
Diego Fischer, sócio-diretor da Carupi (startup que faz a intermediação de venda de veículos), diz que a falta de oferta de veículos e a recuperação gradual da economia pós-pandemia devem manter o cenário favorável para o setor pelos próximos 24 meses.
“A retomada da produção de carros tem acelerado, portanto o aumento de oferta vai ocorrer e deve se tornar relevante já no último trimestre. Com isso as grandes locadoras poderão substituir suas frotas e o influxo de carros seminovos também vai aumentar”, afirma o executivo.
“Esses fatores tendem a desestimular o aumento de preço dos veículos seminovos e, até o fim de 2022, o mercado deve estar equilibrado como em 2019.”
A queda de preços também é esperada pelos consumidores. Segundo pesquisa divulgada nesta quarta (14) pelo Webmotors, 58% dos entrevistados que pretendem trocar de carro não
fazem isso agora devido aos preços elevados. O estudo ouviu 4.420 pessoas que acessaram o portal de classificados entre os dias 10 e 14 de junho.