A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) passou a pressionar por mudanças significativas no arcabouço legal de criptomoedas, que podem inviabilizar a aprovação do projeto em tramitação no Congresso e fazer as discussões voltarem à estaca zero, como apurou o site “Valor Investe”.
Entre os pontos de desacordo, o principal diz respeito ao parágrafo único do artigo 1 do texto, que descarta qualquer mudança no escopo da CVM e que restringe a nova regulação a ativos fora da área de competência da autarquia, o que exclui “tokens” que representem investimentos e valores mobiliários.
O problema, no entanto, é que, com exceção de NFTs (tokens não fungíveis) de arte digital e do bitcoin, reconhecido internacionalmente como um ativo não mobiliário, a maioria dos demais tokens estão em uma zona cinzenta.
Para ser considerado um valor mobiliário, os especialistas questionam se há captação de recursos, se o investimento é um empreendimento coletivo que promete remuneração pelo risco compartilhado, se houve oferta pública, e se algum intermediário liderou esforços de distribuição.
No texto, o últmo incisdo do artigo 3 aponta que um ativo virtual objeto da regulação é tudo “cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento”. A definição, em tese, pode excluir qualquer tipo de produto ou serviço financeiro que possa ser digitalizado.
Dessa forma, o texto permite que fundos imobiliários tokenizados, créditos de carbono, precatórios, recebíveis e outros tokens poderiam ser produtos estruturados dentro das blockchains, porém não seriam considerados ativos digitais pela lei.
O deputado Expedito Netto (PSD-RO), relator do projeto, disse desconhecer as demandas da CVM, que até então era avessa a assumir papel protagonista na regulação de criptomoedas no País, e afirmou que não é mais possível acrescentar nenhum dispositivo no texto.
Ainda assim, haveria a possibilidade da Presidência da República vetar os dois trechos que trazem insegurança jurídica, como uma forma de não perder os anos de tramitação do texto no Congresso.
Nesse caso, a Presidência poderia definir por decreto as respectivas competências do Banco Central e da CVM.
Para o senador Carlos Portinho (PL-RJ), envolvido nas discussões durante a tramitação no Senado, a melhor opção seria começar tudo de novo. “O próprio setor reviu alguns conceitos, então preferia sentar e começar de novo. Temos que exercitar a democracia participativa. Projetos assim precisam ser debatidos para chegar a um texto mais atual e com mais segurança jurídica. Se for aprovado como está atualmente, agradará a poucos”, afirmou ao “Valor Investe”
O parlamentar diz que o Banco Central também ofereceu resistência à ideia. “É um exercício de aprendizado para o BC, que está acostumado com o sistema dos bancos tradicionais. A autarquia estava contra a segregação e principalmente contra a emenda do NFT”, afirmou.
A CVM surpreendeu pela mudança de posição enquanto a proposta tramitava no Congresso. Nos bastidores, segundo o “Valor”, parlamentares apontam que a antiga gestão queria ficar de fora da discussão por não ter equipe nem recursos para assumir mais essa tarefa. Por outro lado, a nova gerência teria se atentado para a relevância do tema e para as oportunidades que surgem com a nova tecnologia de mercado.
Procurada pelo Valor, a CVM admite que o texto precisa de aperfeiçoamentos pontuais e que o tema está sendo conduzido pelo diretor João Accioly, ex-assessor do ministro Paulo Guedes.
“O diretor da CVM João Accioly acredita que o referido projeto de lei das criptomoedas é passível de aperfeiçoamentos pontuais, tais como o dispositivo que trata da definição de ativo virtual, a exigência de autorizações prévias, a aprovação de combinação de negócios em redundância ao papel do Cade, a insegurança jurídica da previsão genérica ao Código de Defesa do Consumidor e a necessidade de previsão da segregação patrimonial”, informou em nota.