Uma leva de mudanças está chegando com a volta de Donald Trump à Casa Branca. Porém, os ventos podem não sobrar em uma boa direção no que se refere à agenda ambiental nos EUA, considerando as políticas que o republicano pretende implementar, o que, na análise de especialistas, deve fazer o progresso das iniciativas correr como “a tartaruga, ao invés da lebre”.
A posse de Trump ocorrerá no dia 20 de janeiro, mas desde o período de campanha e após o resultado da eleição, em novembro de 2024, suas pretensões com a agenda ambiental já estavam claras. O incentivo à exploração dos combustíveis fósseis e fontes de energia prejudiciais à natureza devem ser os pontos principais dessa política.
Para Roberto Gonzalez, consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas, as promessas de Trump devem apenas atrasar o andamento da agenda, mas não impedir o progresso.
“O avanço dessa agenda fica mais lento, então em vez de ser uma lebre, fica uma tartaruga. Estamos vendo várias empresas norte-americanas, inclusive, descontinuando seus programas, não só do ponto de vista ambiental, mas também social, como a diversidade”, reiterou o especialista.
A representação dos EUA como uma superpotência impacta o resto do mundo em suas próprias agendas ambientais. Com isso, o esperado é que sejam sentidos mais efeitos de eventos climáticos catastróficos, ao longo e após o mandato de Trump.
“Eu me questiono um pouco até que ponto o Trump tem o discurso de não acreditar na agenda climática. Ele sabe que ela existe, até pelo rompante que fez sobre a Groenlândia, que com um degelo passa a ser um território altamente interessante do ponto de vista de minério”, disse Gonzalez.
O professor e consultor na FIPECAFI, Diogo Carneiro, reforçou o argumento de Gonzalez ao afirmar que há indícios de que a questão climática seja inexorável, forçando a pressão da sociedade, inclusive por meio de seus hábitos de consumo.
“Há diversos desdobramentos negativos decorrentes de um mandato contrário à agenda climática. De maneira direta, espera-se o esvaziamento de financiamentos públicos norte-americanos e iniciativas governamentais com o intuito de reduzir os danos ambientais e climáticos”, disse o professor.
Outro ponto de atenção são as colaborações dos EUA com os órgãos e iniciativas multilaterais, a exemplo do acordo de Paris, o qual foi abandonado por Trump em seu último mandato e retomada com a chegada de Joe Biden, em 2021.
“Nesse sentido, são muitos dólares e programas que deixarão de ser destinados ao esforço de reduzir a emergência climática de maneira direta. Há também o risco de afrouxamento da própria legislação norte-americana, permitindo danos maiores e catastróficos ao meio ambiente oriundos daquele país”, salientou.
Perdas econômicas com o atraso na agenda ambiental nos EUA
Como em toda crise, as perdas econômicas se juntam às pressões sociais na exigência de políticas pró-ambientais. Um exemplo recente do quanto a crise ambiental pode custar aos EUA são os incêndios em Los Angeles, que têm acontecido em janeiro deste ano, com 25 mortes confirmadas, cerca de 160 km² em área perdida para as chamas e prejuízo financeiro estimado em até US$ 150 bilhões.
Mas além das catástrofes que acontecem ao redor do mundo, os setores da economia também têm muito a perder, ou a ganhar. O pró-reitor de pesquisa e extensão na Universidade de Guarulhos, Márcio Magera Conceição, citou que setores ligados à exploração e produção de combustíveis fósseis, como petróleo, gás natural e carvão, devem ser os principais beneficiados pelas políticas de incentivo de Donald Trump.
“Empresas de infraestrutura energética tradicional, como oleodutos e refinarias, também podem lucrar com o relaxamento de regulações ambientais”, disse Conceição, que também é especialista em ecologia, evolução e sistêmica e biologia populacional.
Por outro lado, no entanto, a redução de subsídios, investimentos e incentivos fiscais devem prejudicar os setores de energia renovável, como solar, eólica e armazenamento de energia.
Nessa mesma linha, as indústrias que dependem da transição energética, como fabricantes de veículos elétricos e tecnologias de eficiência energética, também podem sofrer impactos negativos, explicou o pró-reitor.
“Globalmente, o atraso na adoção de energias limpas pode enfraquecer a competitividade dos EUA nesses mercados emergentes, enquanto outros países avançam”, afirmou.
O especialista reforçou ainda que os segmentos de agricultura e turismo podem ser prejudicados pelos efeitos das mudanças climáticas, intensificados por políticas que priorizam combustíveis fósseis.
“Sendo assim, não acredito que ele (Trump) manterá esta política por muito tempo, e sendo assim, fará o que as instituições decidirem. E temos que ser justo, o mundo inteiro ainda usa na sua maioria, os combustíveis fosseis”, ponderou Conceição.
O citado episódio recente em Los Angeles, no curto prazo, deve receber da gestão trompista uma provável minimização quanto à ligação entre os incêndios e as mudanças climáticas, atribuindo os desastres a questões de gestão florestal ou outros fatores locais.
“A longo prazo, a frequência e a gravidade crescentes desses eventos podem aumentar o custo político de negar ou ignorar ações climáticas, pressionando mesmo líderes céticos a adotar políticas mais alinhadas à mitigação dos impactos climáticos”, finalizou.