O ano de 2021 não tem sido nada fácil para as ações das grandes incorporadoras negociadas na Bolsa de Valores brasileira.
Enquanto o Ibovespa, principal índice do mercado acionário local, acumula uma queda de aproximadamente 9,7% neste ano (até 13 de dezembro), papéis de grandes construtoras como Cyrela e MRV têm perdas que chegam a 46,3% e 36,2%, respectivamente.
Segundo analistas de mercado, há vários fatores que ajudam a explicar o momento desafiador atravessado pelo setor. Houve alta aguda nos preços das matérias-primas em um cenário de retomada econômica acelerada, refletida na inflação de 14,7% medida pelo INCC-M (Índice Nacional de Custo da Construção) nos 12 meses encerrados em novembro. Soma-se a isso as altas da taxa Selic e dos financiamentos imobiliários.
“Quando a pessoa interessada em comprar um imóvel vê que a inflação indexada aos contratos de longo prazo do financiamento está em dois dígitos altos, se assusta. Isso reduz o poder de compra das construtoras”, afirma o analista da Suno Research, João Daronco.
Além disso, com a alta da taxa Selic em curso pelo Banco Central na tentativa de trazer a inflação de volta para a meta, as taxas de juros cobradas pelos grandes bancos no financiamento imobiliário também subiram.
No Santander, as tarifas praticadas nos contratos imobiliários começavam a partir de 8,99% ao ano, mais a TR (Taxa Referencial).
No Bradesco, elas foram de uma faixa entre 6,7% e 6,9%, para algo entre 8,5% e 8,9%. No Itaú, a taxa de juros prefixada era de 8,3% no início de dezembro, mais a Taxa Referencial. Em dezembro de 2020, a TR era de 6,9%.
No Banco do Brasil, as taxas prefixadas partem de 7,58% (contra 6,55% em dezembro do ano passado).
No caso da Caixa, as taxas na categoria começam a partir de 8% ao ano (o banco foi o único que não informou qual a taxa praticada em dezembro de 2020).
Daronco, da Suno Research, afirma que, embora a previsão dos economistas seja de que a taxa básica de juros ainda suba mais um pouco no início de 2022, o movimento no financiamento imobiliário deve ocorrer em intensidade bem menor.
“A taxa Selic já subiu 7,25 pontos percentuais desde as mínimas de 2% ao ano, mas o ajuste no financiamento imobiliário não foi da mesma magnitude”, afirma o analista.
Daronco diz ainda que, via de regra, as instituições financeiras se valem da modalidade de longo prazo mais como uma forma de fidelizar o cliente e oferecer outros produtos do que para buscar uma alta rentabilidade com a operação.
Já para 2022, embora a aposta do mercado aponte para um nível de juros ainda mais alto, é esperada também alguma descompressão na inflação ao longo dos próximos meses.
No relatório Focus do dia 10 de dezembro, as estimativas dos economistas consultados pelo Banco Central apontavam para uma inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de 5,02% no ano que vem, após uma alta projetada de 10,05% neste ano.
“Os últimos dados de inflação surpreenderam positivamente ao virem abaixo das estimativas de mercado e já deram um sinal de enfraquecimento da atividade econômica”, avalia Raul Grego, analista de construção civil da Eleven Financial.
Nesse contexto de descompressão dos preços, e frente à forte desvalorização que os papéis do setor imobiliário tiveram nos últimos meses, a avaliação de especialistas é de que já há algumas boas oportunidades na Bolsa local.
“O que a Bolsa está precificando foi exacerbado na maior parte das incorporadoras e, na minha visão, até de forma irracional”, afirma Daronco.
Em um cenário de curto prazo -que se desenha altamente volátil por conta das eleições de 2022-, analistas destacam que incorporadoras voltadas para o público de alto poder aquisitivo tendem a mostrar uma performance mais resiliente em comparação àquelas que atuam em faixas menores de renda.
Grego, da Eleven Financial, afirma que empresas de atuação mais focada no programa Casa Verde e Amarela do governo federal, como Tenda, MRV e Direcional, acabam tendo uma dificuldade maior para fazer os repasses dos aumentos dos custos ao cliente final, o que reduz as margens financeiras.
“Vimos a margem bruta [indicador financeiro que mede a rentabilidade da empresa] das incorporadoras de baixa renda cair entre 5 e 10 pontos percentuais em um ano.”
Cyrela, Eztec e JHSF, por sua vez, que atuam mais voltadas aos segmentos de média e alta renda, demonstraram uma capacidade bem maior para fazer esse repasse do aumento dos custos, preservando a rentabilidade de suas operações, assinala Grego.
Já Renan Manda, analista responsável pela cobertura do setor imobiliário na XP Investimentos, tem visão diferente.
Ele afirma que as incorporadoras mais voltadas ao público de baixa renda, além de disporem de uma base endereçável de clientes bem maior, contam ainda com os subsídios do governo, o que tende a manter o segmento aquecido a despeito das idas e vindas dos ciclos econômicos.
“As incorporadas que atendem a baixa renda tiveram um impacto mais expressivo na margem bruta, mas são empresas que contam com uma demanda bastante resiliente e que estão desalavancadas”, afirma Manda. “O fator eleitoral tende a ser muito menos impactante para essas companhias.”
Enrico Cozzolino, sócio e analista da Levante Ideias de Investimentos, nota que é comum encontrar no setor ações que, frente aos descontos que vêm sendo negociados, não chegam a corresponder sequer ao valor patrimonial consolidado da empresa.
“A relação entre risco e retorno, a meu ver, é positiva. Entendo ser mais interessante investir agora e esperar por uma recuperação”, afirma.
O analista da Levante afirma também que o processo de reabertura das economias e de volta gradual às atividades presenciais é outro fator que pode contribuir para a recuperação do setor imobiliário na Bolsa durante os próximos meses.
Em especial, acrescenta, no caso de grandes incorporadoras já consolidadas em seus respectivos nichos de atuação -e com empreendimentos bem localizados. “O setor está passando por uma fase difícil, mas já há algumas assimetrias de preços nos papéis que podem proporcionar uma oportunidade interessante.”