O rombo de R$ 20 bilhões na Americanas (AMER3) assustou o mercado e mexeu com todo o setor de varejo na bolsa de valores de São Paulo (B3), na semana passada. O pior, entretanto, ainda estava por vir. Na sexta-feira (13), a varejista informou que suas dívidas poderiam chegar a R$ 40 bilhões e conseguiu, através da Justiça, congelar o pagamento de suas dívidas e segurar os débitos com os bancos. Com isso, as ações de BTG, Bradesco e Itaú, por exemplo, amargaram perdas na última segunda-feira (16).
Para especialistas consultados pelo BP Money, as ações dos bancos credores não devem sofrer tanto, caso o cenário siga sem mais surpresas nos próximos dias. Segundo Paulo Luives, assessor de investimentos da Valor, em termos de rumo para as ações de bancos, os maiores credores devem sofrer mais. Mesmo assim, o efeito não será tão forte sobre os papéis, já que, historicamente, esses bancos têm margens de cobertura elevadas, ou seja, possuem capacidade para arcar com despesas e dívidas “inesperadas” com suas próprias reservas financeiras.
“Vai depender muito do percentual que cada banco que tinha na dívida da Americanas, né? Geralmente, a carteira de crédito desses bancos são bem pulverizadas, e os bancos, historicamente, tem margens de cobertura bem elevadas, então, teoricamente, devem suportar uma possibilidade até de default”, disse Luives.
Para Flavio Conde, da Levante, a queda das ações de bancos nos últimos pregões já desconta a perda estimada com o “fator Americanas”.
“A questão agora é o que vai ser combinado. Provavelmente, vai ter uma negociação e eles vão alongar o prazo da dívida. Em relação às ações, os papéis que caem já reagem de cara e a reagem com o pior cenário à vista. Em seguida, conforme vier as negociações entre bancos e a Americanas, as ações devem se recuperar. Piora não deve ocorrer para os papéis de bancos”, afirmou Conde.
Para Luives, da Valor Investimentos, no balanço dos bancos, o impacto deve ser sentido no aumento na provisão de saldo para devedores duvidosos (PDD).
“De maneira resumida, essa dívida da Americanas deve aumentar a provisão dos bancos credores”, destacou Luives.
Segundo Luives, existe muita coisa para acontecer ainda na história entre a dívida da Americanas e os bancos envolvidos. Para o assessor de investimentos, o cenário pode ficar menos pior para ambas as partes, caso ocorra um aumento de capital acima de R$ 10 bilhões.
“Se ocorrer um aumento de capital na faixa ali de R$ 10 bi, R$ 12 bi, os bancos estão dispostos a rolar dívida e, consequentemente, dar mais fôlego ali para a varejista em uma questão de acordo, né? Então, assim, vai depender muito disso pra gente entender o real impacto”, afirmou Luives.
Luives também destacou que o próprio presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, afirmou, na última segunda-feira (15), em Davos, em entrevista ao “O Estado de S. Paulo”, que a exposição do banco é “pequena” na Americanas e “não requer preocupação”.
Dentre os bancos credores, o BTG – que tem R$ 2 bilhões de risco sacado junto às Americanas – entrou com recurso contra uma liminar que protege a Americanas dos credores.
De acordo com a Guide, o cenário é adverso para a Americanas e a casa recomenda a saída dos ativos, dado “o elevado grau de incerteza com todas as variáveis envolvidas”.
A Guide também informou que “bastidores” apontam que a reunião entre executivos da Americanas e dos bancos credores teve final sem uma direção definida de qual seria o montante de capital a ser injetado pelos acionistas de referência (3G), dado que Rial comentou sobre a possibilidade R$ 6 bilhões, enquanto os bancos cogitavam um reforço de, no mínimo, R$ 10 bilhões.
Por que o impacto deve ser mínimo sobre o bancos?
Assim como Luives e Conde, o analista da VG Research, Lucas Lima, destaca que as inconsistências contábeis da Americanas não devem impactar significativamente os resultados das instituições financeiras brasileiras.
Segundo o especialista, é possível entender essa questão com base na exposição total de cada banco ao setor de varejo.
“Santander Brasil e o BTG Pactual, por exemplo, são os bancos com maior exposição ao segmento de varejo, com aproximadamente 7% do crédito total, seguidos por Bradesco com cerca de 5,9%. Por sua vez, Itaú e ABC Brasil têm aproximadamente 3% da sua carteira exposta ao setor, ao passo que Banrisul e Banco do Brasil têm cerca de 2% de exposição. Naturalmente, essa exposição ao varejo é dada através de várias empresas do setor, e não apenas da Americanas”, explicou Lima.
“Dessa forma, BTG, Santander e Bradesco seriam as instituições mais expostas a esse problema envolvendo a Americanas”, completou Lima.
O analista explicou que as operações realizadas por essas instituições financeiras referem-se à securitização de contas a pagar (crédito de fornecedor). No caso, a empresa compradora contrata uma instituição financeira que realiza um pré-pagamento aos fornecedores mediante o pagamento de juros. O problema, entretanto, é que a Americanas estava tomando essas dívidas e as deixando de fora do balanço, o que não foi perceptível nem para os próprios credores.
“Apesar das tensões judiciais envolvendo os credores e as varejistas, acreditamos que é do interesse de todos a resolução dessas inconsistências. Os bancos sinalizam ter o interesse em adiar o pagamento das dívidas, desde que os acionistas de referência façam aportes na varejista”, disse Lima.
O analista da VG Research concluiu salientando que apesar da gravidade que envolve essas “inconsistências contábeis” da Americanas, esse evento deve ser “um fenômeno isolado”, portanto não muda estruturalmente os rumos das ações das grandes instituições financeiras do Brasil, dada a magnitude dos balanços dessas companhias.