Mercado

B3: Empresas endividadas captam R$ 16,6 bi para ajustar balanço

Cerca de 57% das operações precificadas utilizaram parte ou a totalidade dos recursos para reduzir suas dívidas

Em 2023, o mercado de capitais testemunhou um cenário onde empresas endividadas buscaram soluções no mercado de ações para reequilibrar suas finanças. Entre as 21 operações precificadas na B3 ao longo do ano, 12 delas, representando 57% do total, optaram por utilizar parte ou a totalidade dos recursos para reduzir suas dívidas, de acordo com dados da Dealogic e informações contidas nos documentos dessas operações.

Essa tendência também se refletiu no volume financeiro: aproximadamente R$ 16,6 bilhões foram direcionados para transações desse perfil, dentro de um montante total de ofertas subsequentes (“follow-ons”) que atingiu R$ 30 bilhões em 2023.

Algumas operações contaram com o respaldo dos principais acionistas para garantir os recursos, o que contribuiu para reforçar a confiança nos ativos. Foi o caso das ofertas da BRF (BRFS3) e da CVC (CVCB3). Por outro lado, em outras ofertas, a incerteza em relação aos resultados do negócio e à estrutura de capital das empresas ainda impacta negativamente as ações. A oferta da Casas Bahia (BHIA3), apesar de proporcionar um impulso adicional para a varejista, teve essa conotação, resultando em um movimento financeiro inicial abaixo do esperado, conforme apontaram gestores.

De acordo com executivos e gestoras, em um contexto onde os investidores permanecem cautelosos, cada oferta é singular, determinada tanto pelas condições das empresas emissoras (como setor de atuação e plano de crescimento pós-emissão), quanto pela própria estrutura da operação (incluindo aspectos como a ancoragem e a possibilidade de emissão de bônus de subscrição, por exemplo).

“Há muitos fatores a se ponderar em cada operação porque cada caso é um caso, mas está claro que, em geral, há uma correlação entre alta dos juros, queda de liquidez no mercado e dívida mais cara”, afirma Fabio Bortolotti, diretor vice-presidente de finanças da Infracommerce, companhia da área de serviços ao comércio eletrônico. A empresa lançou em dezembro uma oferta que atingiu R$ 400 milhões.

O executivo destaca a importância de garantir confiança ao mercado em situações desse tipo, afirmando que é crucial assegurar a concretização da operação e a suficiência dos recursos para o propósito pretendido. Ele ressalta que, ao realizar uma operação sem captar o montante necessário, pode gerar a percepção de futuras ofertas, criando um ambiente desfavorável.

Fabio Bortolotti, em uma análise geral, ressalta a correlação entre altas taxas de juros, redução de liquidez no mercado e encarecimento da dívida. Essa tendência foi marcante em 2023, onde 57% das 21 ofertas realizadas na B3 tiveram como objetivo a desalavancagem, segundo dados da Dealogic e informações de documentos das operações.

Destaques do mercado de capitais em 2023 

Uma das maiores operações do ano foi o “follow-on” da BRF, que captou R$ 5,4 bilhões, tendo a entrada do fundo árabe Salic e o reforço da participação da Marfrig (MRFG3), de Marcos Molina. Inicialmente, a captação estava estimada em R$ 4,5 bilhões, mas a demanda superou as expectativas em 20%. Com essa captação em julho, o balanço do terceiro trimestre indicou uma redução de R$ 4,9 bilhões na dívida líquida, atingindo uma alavancagem de 2,66 vezes, contra 3,75 vezes do trimestre anterior.

O presidente do banco de investimento UBS BB, Daniel Bassan, observa que a maioria das ofertas visava quitar dívidas, mas aponta uma mudança para 2024, com mais empresas buscando recursos para expansão. Evidências sugerem que as primeiras operações de 2024 seguirão essa tendência de busca por equilíbrio na estrutura de capital, como o caso do GPA (PCAR3), que planeja uma oferta de ações estimada em R$ 1 bilhão, impactando em diluição de 50% para os acionistas.

Além disso, a Infracommerce encerrou as emissões de 2023 com uma operação que também envolveu a diluição de parcela dos sócios, visando o equilíbrio da estrutura de capital e o pagamento de aquisições já finalizadas. Bortolotti, diretor da empresa, ressaltou o objetivo de concluir essa operação em 2023 para direcionar foco total às operações no ano seguinte.

Os analistas permanecem atentos à gestão da dívida de empresas como Assaí, que, mesmo com a captação de R$ 4,064 bilhões, precisa lidar com uma dívida que representa uma parte significativa do resultado operacional. A preocupação com a gestão da dívida também se estende ao GPA, que apresentou um plano de investimentos mais conservador para 2024, devido a um índice de dívida/Ebitda considerado alto para o setor.

Em 2023, a necessidade de ajuste do balanço também foi vista em ofertas das operadoras de saúde Hapvida e Dasa, que contaram com aporte de seus fundadores para evitar diluição. O Santander destaca uma tendência no setor de consumo e varejo em ofertas para reduzir alavancagem financeira, prevendo operações similares nos próximos trimestres, embora haja expectativa de ofertas voltadas para o crescimento das empresas ao longo de 2024.