Bancos do Brasil não serão atingidos por crise bancária estrangeira

Especialistas ouvidos pelo BP Money dizem que sistema financeiro local é mais protegido. Contudo, mercado brasileiro pode sofrer com reflexos de desconfiança

Ao longo das últimas semanas, o mundo acompanhou as dificuldades – e até falências – enfrentadas pelos bancos gringos. O caso dos Silicon Valley Bank (SVB), nos EUA, e do Credit Suisse, na Suíça, chamaram atenção para uma possível crise bancária sistêmica. Contudo, especialistas ouvidos pelo BP Money afirmam que o problema não atingirá o Brasil de forma crítica e, sim, em reflexos.

“Tudo que acontece lá fora vai nos afetar, sim, sem dúvida nenhuma. Mas o efeito aqui é um pouco diferente do que aconteceu lá fora. Eu não vejo risco de bancos quebrarem aqui. O que acontece é que o investidor estrangeiro, nesse momento, foge do risco, o que prejudica o Brasil e países emergentes. Então ele vai parar de mandar dinheiro pro Brasil, vai parar de fazer investimentos aqui”, explicou o planejador financeiro CFP e sócio da A7 Capital, João Bertelli.

Segundo ele, a economia brasileira é afetada quando o dinheiro estrangeiro some. A economista e assessora de investimentos na WIT Invest, Mariana Pulegio, concorda sobre a crise de confiança, mas volta o olhar para os próprios brasileiros temerem que o problema se espalhe e, com isso, se inicie uma corrida aos bancos.

“Quando um sentimento de medo se espalha entre correntistas de diversos bancos, pode haver uma corrida em massa de clientes para sacarem os seus recursos. Isso é o que estamos vendo no mercado externo. Toda vez que temos uma incerteza internacional, os mercados emergentes tendem a sofrer porque os investidores externos puxam recursos para cobrir os mercados e aí temos a pressão na taxa de câmbio”, disse.

Sistema bancário diferente

Apesar da crise de confiança tanto dos estrangeiros, como dos investidores brasileiros, Bertelli explica que o sistema bancário brasileiro é diferente do que o americano e o europeu. No estrangeiro, os bancos são muito mais pulverizados e, no Brasil, mais concentrados. Além disso, a regulamentação brasileira funciona de forma distinta.

“O que a gente viu ali nos EUA e na Europa, é um cenário bem mais difícil de acontecer aqui. Aqui é quase um oligopólio com bancos muito grandes. Mesmo fora dos grandes centros populacionais, os principais bancos são os bancos que a gente conhece. E são bancos que tradicionalmente são mais conservadores. Então eles mantêm o nível de reserva muito alto, dado até toda a realidade econômica do Brasil”, disse Bertelli.

Para ele, quem tem dinheiro nos bancos brasileiros não precisa se preocupar, porque o sistema bancário do Brasil é mais conservador e não deve ter problemas de solvência. “Ou seja, não devem ter problemas de pagar resgate, que é o que a gente viu acontecendo nos EUA”, completou o especialista.

Afinal, o que aconteceu nos EUA?

Na última reunião do Fomc (Federal Open Market Committee) na terça (21) e quarta (22) da semana passada, o Fed (Federal Reserve, Banco Central dos EUA) aumentou a taxa de juros para 5%. Mais uma alta de 0,25 ponto percentual, assim como no último encontro. Objetivo é controlar inflação em solo americano que avançou 6% em fevereiro, na base anual, longe da meta de 2% para 2025. Essa combinação de alta na inflação e aumento da taxa de juros são um um dos motivos que levaram os bancos dos EUA, como o First Republic Bank (FRB), além do SVB, a enfrentarem problemas.

“Os bancos, normalmente, têm alguns títulos públicos dentro da sua carteira, justamente para fazer uma proteção. Por conta disso, eles sofreram com uma coisa que chama marcação ao mercado, que é quando a taxa sobe e o valor do título cai, tem esse movimento contrário. Isso porque eles escolheram ter uma rentabilidade pré-fixada”, disse o especialista em criptoativos na WIT Invest, Yuri Landim.

E ainda completou: “O SVB, por exemplo, teve que se desfazer de alguns títulos e tomaram essa marcação ao mercado. Nisso houve uma corrida bancária que foi contaminando outros bancos. Então basicamente foi a questão da inflação, que fez com que os juros aumentassem e esses títulos fossem perdendo valor.”

Somado a isso, o SVB e outros bancos que decretaram falência, como o Signature Bank e o Silvergate, também levam o fator de terem apostados em setores específicos como startups e criptoativos. “Esta baixa diversificação do negócio, juntamente com análises de má gestão dos bancos e falta de confiança, culminaram na fuga dos investidores”, completou Mariana.

Ela ainda explica e concorda com o aumento da taxa de juros estrangeira ser um dos principais fatores para as dificuldades enfrentadas pelos bancos – um movimento contrário ao do Brasil. “Eu não acho que isso chegue realmente no Brasil de forma tão substancial, porque eu vejo que isso aconteceu lá fora por conta do aumento de juros. E toda vez que a gente vê um aumento na taxa em uma economia que estava acostumada com 1%, eles vão sentir. Aqui, estamos outros movimentos do mercado, de manter a Selic para começar a ver uma queda.”

E na Europa?

Já na Europa, o foco está no Credit Suisse, que também foi afetado pelo avanço da taxa de juros pelo Banco Central Europeu (BCE), mas lutava para se recuperar de uma série de escândalos nos últimos anos. Como explica o CFA e sócio-fundador da Quantzed, casa de análise e empresa de tecnologia e educação financeira para investidores, Marcelo Oliveira, o banco teve uma série de erros que culminaram nessa situação em que se encontra.
 
“Mais recentemente, em 2021, um dos clientes de prime brokerage deles, ou seja, que usava eles para pegar alavancagem para operar, chamado Archegos Capital, ficou alavancado [demais] deixando um prejuízo de US$ 5 bilhões. Depois teve escândalos de fraude na área de wealth management. Empregados do Credit transferiram dinheiro de uma conta para outra e eles tomaram multa. Também teve vários casos de espionagem que tiraram muita confiança de clientes no banco”, finalizou.

Sobre uma piora no cenário da crise bancária com os movimentos de compra dos bancos quebrados por outros bancos, Mariana comenta sobre não ser um sinal de alerta e, sim, um “movimento natural”, como a compra do SVB pelo First Citizens Bank ou do Credit Suisse pelo UBS. Ela pontua que essas aquisições se derivam de oportunidades que os outros bancos veem e isso é considerado, em sua visão, “um ponto positivo”.