A disputa pelo nível psicológico de R$ 6 foi finalmente superada, com o dólar à vista quebrando essa barreira e alcançando o menor valor em quase dois meses, visto que na sessão da véspera, o dólar fechou abaixo dos R$ 6 pela primeira vez desde 11 de dezembro.
Especialistas consultados pelo BP Money explicam que a pressão na venda da moeda norte-americana foi impulsionada por dois principais fatores: a situação interna do Brasil, marcada pelos desafios fiscais, e o cenário externo, com questões relacionadas a Trump e tarifas.
Apesar da recente queda do dólar, que voltou a operar abaixo de R$ 6, os analistas destacam que o cenário permanece volátil. No entanto, a recuperação da entrada de capital estrangeiro e a estabilização das tensões globais geram uma sensação de otimismo moderado, com alguns especialistas acreditando que o dólar possa continuar em queda, com a cotação se aproximando de R$ 5,50 nos próximos meses.
Impacto das políticas de Trump
Embora o Brasil tenha seus desafios internos, o cenário externo também exerceu influência significativa sobre o mercado cambial. De acordo com Elson Gusmão, diretor de câmbio da Ourominas, a postura mais amena de Donald Trump, com relação às tarifas, aliviou o mercado.
Gusmão comentou que a suspensão da imposição de tarifas mais agressivas sobre países como México e China trouxe um alívio imediato, favorecendo o real.
“Esse adiamento ajudou na desmontagem de posições no mercado de câmbio, criando um fluxo positivo”, afirmou.
Bresciani complementou esse raciocínio, ao observar que a situação da guerra comercial, que inicialmente gerou temores de inflação e uma valorização mais forte do dólar, não se concretizou.
“Agora, o mercado parece menos preocupado com essas questões e isso contribui para a queda do dólar”, explicou o analista.
Alison Correia, analista de investimentos e sócio-fundador da Top Gain e da Dom Investimentos, também acredita que a recente queda do dólar está diretamente relacionada à postura mais neutra de Donald Trump em relação ao Brasil.
“A falta de ações negativas ou de declarações que pudessem prejudicar o Brasil ajudou a aliviar o mercado”, afirmou Correia, destacando que as expectativas quanto a tarifas e outras medidas protecionistas se mostraram infundadas até o momento.
Para o especialista, o movimento atual é mais uma correção pontual, após o impacto das expectativas elevadas com a posse de Trump. Além disso, ele observou que o bom desempenho das bolsas nos Estados Unidos, impulsionado por ações de grandes empresas como a Netflix e a NVIDIA, também contribui para um cenário mais otimista no mercado de câmbio.
No entanto, Correia é cauteloso sobre a manutenção do dólar abaixo de R$ 6. Segundo ele, para que essa tendência continue, será essencial que o Congresso siga com sinais positivos, como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem buscado mostrar com sua agenda econômica.
“O governo tem agora uma oportunidade de melhorar sua comunicação fiscal, e a sinalização das prioridades de Haddad é vista de forma positiva pelo mercado”, completou o analista.
Cenário fiscal e desafios internos
Apesar da melhora momentânea, os especialistas alertam para a cautela. Gusmão ressalta que o cenário fiscal interno ainda é um ponto de preocupação.
“A ausência de notícias relevantes sobre o cenário fiscal no Brasil tem sido favorável ao mercado, mas a situação não mudou”, destacou.
O especialista ainda explicou que a atual calmaria do mercado está diretamente ligada ao recesso do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, com a falta de movimentações políticas que poderiam gerar volatilidade.
Paulo Gala, economista chefe do Banco Master, também reforçou essa perspectiva. Em sua análise, ele citou que o câmbio atual está próximo do que ele considera um “câmbio de equilíbrio” de R$ 5,50, com base em estudos que analisam o diferencial de juros, a renda per capita e o preço das commodities.
“Os estudos apontam para uma taxa de câmbio mais próxima de R$ 5,50, o que faz sentido, dado o equilíbrio interno e externo do Brasil”, afirmou Gala.
Contudo, ele também fez um alerta. Para Gala, a valorização do real está diretamente ligada ao comportamento do mercado global, especialmente em relação à política monetária do Federal Reserve, nos EUA, e o possível impacto da inflação causada pelas tarifas de Trump.
“Se o cenário externo continuar favorável, o dólar pode até continuar em queda. Mas, dentro de casa, o Brasil ainda enfrenta desafios fiscais significativos”, completou.
O que esperar do câmbio?
O movimento do câmbio nos próximos dias dependerá de diversos fatores. Segundo Gusmão, o comportamento do mercado também estará atrelado à reação do governo brasileiro e ao retorno das atividades políticas em fevereiro.
“O recesso em Brasília ajudou a aliviar o mercado, mas, com a volta do Congresso e do STF, as tensões internas podem trazer volatilidade”, pontuou.
Ainda assim, o especialista acredita que o cenário externo pode continuar a ser favorável, caso as tensões comerciais com Trump permaneçam reduzidas. Para ele, o Federal Reserve, ao manter as taxas de juros estáveis, deve contribuir para um ambiente mais seguro para os mercados emergentes.
“O fluxo positivo no mercado de câmbio deve continuar, mas é preciso estar atento à evolução das tarifas e como elas impactarão a inflação americana”, destacou Gusmão.
O mercado também aguarda com atenção a evolução do cenário global, especialmente no que diz respeito ao comportamento de commodities e às políticas comerciais do governo dos EUA.
Bresciani observa que, caso o cenário continue a apresentar estabilidade, a tendência é que o dólar se mantenha mais fraco no curto prazo, mas sempre com a necessidade de cautela.
Recuperação do real frente ao dólar
Segundo Eduardo Garay, CEO da TechFX, o real se fortaleceu no início de 2025, especialmente com a entrada de recursos estrangeiros.
“O real se valorizou devido à entrada de 3,6 bilhões de dólares de investidores na Bolsa brasileira até o dia 21”, destacou Garay.
Para o CEO, essa recuperação do real acontece após o fluxo negativo de 24 bilhões de dólares registrados em 2024, o que traz uma sensação de alívio, apesar das dificuldades fiscais ainda presentes no país.
Outro fator relevante, identificado por Fernando Bresciani, analista de investimento do Andbank, foi o recente movimento envolvendo a Vale (VAL3). Ele explicou que a venda de 4% da participação da Cozan na mineradora, arrecadando R$ 9 bilhões, ajudou a atrair investidores estrangeiros.
“A operação da Vale não reflete necessariamente otimismo com o Brasil, mas sim a confiança na Vale, que é um player global”, afirmou Bresciani.