Reversões de prejuízos e saltos nos lucros acompanharam os resultados do segundo trimestre deste ano para as construtoras listadas na B3. No entanto, mesmo mostrando esforço em se recuperar dos estragos da pandemia, os custos de matérias-primas e mão de obra aparecem como desafios para os negócios.
Os conflitos geopolíticos, sobretudo a guerra na Ucrânia, aparecem como os principais vilões na inflação das matérias-primas do setor de construção, a exemplo do cobre, cimento e aço.
Problemas nas cadeias de suprimentos, ainda afetadas pela pandemia e por eventos climáticos, também aumentaram os preços, o que pressiona a margem de lucro das construtoras, explicou Jonata Tribioli, especialista em mercado imobiliário e diretor de operações da Neoin, em resposta ao BP Money.
“No Brasil, a desvalorização do real encareceu os insumos importados, piorando a situação”, prosseguiu. No acumulado de 2024, o dólar já valorizou mais de 13% sobre o real.
No rastro desses custos, que, inclusive, foram citados pelo CFO da Cyrela (CYRE3), Miguel Mickelberg – durante teleconferência dos resultados – como uma preocupação para o futuro operacional da companhia, quem também sofre as consequências são os consumidores, quem veem os imóveis desejados mais caros.
Isso obriga as construtoras a reavaliarem suas estratégias, otimizando o uso de materiais e investindo em tecnologias mais eficientes, segundo Tribioli.
“Algumas focam no mercado de alto padrão, enquanto outras buscam parcerias governamentais para viabilizar habitações populares. Em alguns casos, os custos são repassados aos consumidores, o que pode reduzir a demanda”, apontou o especialista.
O principal impulso para o cenário, na avaliação de Alexandre Despontin, CEO da Mérito, tem sido a mão de obra no setor, que tem apresentado a maior variação ao longo do ano.
Construtoras disputam mão de obra qualificada para manter firmeza dos lucros
No que se refere aos negócios em São Paulo, o CEO da Mérito explicou que o número das unidades em construção está vivendo um pico em 2024, o que implica em maior e encarecimento da mão de obra.
“De maneira geral, o curso dos insumos está estabilizando, o que está encarecendo mais é a mão de obra, que é um recurso que é limitado. Isto porque temos uma quantidade de pessoas que atuam na construção, e diferente de materiais, por exemplo, que podemos importar de outros lugares, a mão de obra é a que está disponível aqui”, afirmou.
Um ponto cultural brasileiro e do mercado especificamente são citados por ambos os especialistas para justificar o porquê dos entraves à mão de obra: a qualificação dos trabalhadores.
Despontin argumentou que o País não costuma investir nessa qualificação, enquanto Tribioli trás o viés de que a alta rotatividade também dificulta a manutenção da força de trabalho estável.
“A informalidade no setor compromete a qualidade e a produtividade, e o aumento dos custos de mão de obra, impulsionado pela inflação, pressiona ainda mais as margens de lucro das construtoras”, reiterou Tribioli.
Selic alta também trava financiamentos e negócios do setor
Na linha econômica, a Selic (taxa básica de juros) ainda elevada, com vistas de uma possível alta pelo Copom (Comitê de Política Monetária) ainda este ano, se a inflação e outros indicadores não caminharem à meta do BC (Banco Central), traz dor de cabeça a todos os setores, com as construtoras não é diferente.
A aquisição dos imóveis é o que movimenta o setor e os juros altos prejudicam a concessão de financiamentos aos consumidores que desejam fechar um negócio.
As parcelas de pagamento ficam mais caras, sendo assim, muitos brasileiros optam pelo adiamento da compra, ou por imóveis mais baratos.
“Além disso, a Selic elevada torna investimentos em renda fixa mais atraentes, desestimulando a compra de imóveis. Algumas empresas têm oferecido financiamentos diretos ou parcerias com bancos para oferecer condições mais competitivas”, disse o diretor de operações da Neoin.
Mesmo de acordo com esse ponto, os subsídios do governo, como os resursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ) e outros programas que podem ser usados para financiar imóveis, destrava o segmento econômico das construtoras, segundo Despontin.
A taxa atualmente corre na casa dos 2 dígitos, a 10,50% ao ano, após o Copom ter interrompido, desde a reunião de junho, o ciclo de cortes que iniciou em 2023.