Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes autorizou, no domingo (18), o relator do orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), a incluir os gastos necessários ao pagamento do Bolsa Família de R$ 600 na peça de 2023. A decisão não repercutiu positivamente no mercado, e a mesma pode pressionar a taxa de câmbio e a curva de juros, como aponta Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed.
“Já no início da manhã a curva de juros sentiu essa decisão. O dólar subiu, o DI também subiu, mostrando o risco fiscal que é a aprovação de gastos, seja via PEC ou via STF. Em ambas as situações teremos um risco fiscal elevado que vai deteriorar as expectativas dos agentes econômicos e, por conseguinte irá pressionar a taxa de câmbio, e de tabela teremos uma pressão na curva de juros, dado que há um risco inflacionário relevante no modelo de despesa que o governo está propondo”, afirmou o especialista ao BP Money.
Ainda de acordo com ele, existem dois pontos de inflação com a decisão de furar o teto de gastos. “Temos a deterioração do real, ou seja a alta do dólar por conta da expectativa negativa dos agentes financeiros, que pressiona a moeda, e a mesma pressionada também é inflacionária, surgindo dois pontos de inflação: via câmbio e outra via demanda”, explicou.
Para Ricardo Macedo, economista e professor da Facha, o dólar também deve sentir certa pressão.
“Para se manter a taxa de câmbio real, a tendência é que, em função dos riscos que temos agora, o dólar também tenha uma certa pressão. Mas é um momento de final de ano, então é bom aguardar a equipe ser definida e o futuro governo efetivamente começar a trabalhar. No primeiro momento, o que a gente olha agora é que temos essa volatilidade e uma tendência de ter essa especulação, o que irá impactar ainda mais essa decisão do ministro”, destacou Macedo.
Com a notícia da decisão, o Ibovespa passou a operar em alta. Com isso, por volta das 16h, o principal índice da Bolsa brasileira subia 1,88%, aos 104.792 pontos. O dólar caía 0,16%, a R$ 5,30.
Entretanto, Ricardo Jorge destaca que esse movimento é de curto prazo e que a tendência é de que o mercado sofra posteriormente.
“A bolsa pode se favorecer num primeiro momento, dado que esse incentivo as famílias irá incentivar o consumo, então espera-se que as empresas vendam mais, empregos sejam gerados, impostos sejam pagos e se tenha um benefício de curtíssimo prazo”, avaliou.
“Porém, a manutenção desse programa tende a criar uma pressão inflacionária muito grande, o que fará que essa melhora da bolsa encontre algum ponto de inflexão, gerando desemprego e desinvestimento. Então em um primeiro momento pode favorecer, mas num cenário a médio e longo prazo, o contexto é ruim. A menos que o governo consiga entregar um financiamento condizente e viável para bancar essa conta. Caso não aconteça, acredito que a deterioração dos ativos aconteça de maneira muito expressiva”, salientou Jorge.
Bolsa Família irá aquecer economia?
A liminar, concedida por Gilmar Mendes, atende a um pedido da rede Sustentabilidade, que argumentou que o Bolsa Família está incluído no “mínimo existencial” garantido pela Constituição a todos os brasileiros. Para o professor Macedo, o novo valor irá aquecer a economia, mas não deverá impulsioná-la.
“Os R$ 600 vão aquecer um pouco a economia, principalmente nos segmentos de primeira necessidade, como alimentação e vestuário. Não haverá um impulso, pois ainda precisará complementar esse valor com geração de emprego sustentado, que garanta alguns direitos trabalhistas para essa camada que tem que uma renda muito volátil. A ideia é tirar essa volatilidade dessa renda para que se tenha algo fixo e direitos, o que é um ponto fundamental”, explicou o economista.
No cenário político, o coordenador da graduação de Relações Internacionais do Ibmec-RJ e cientista político, José Niemeyer, achou muito positiva a decisão do STF, trazendo poder de barganha ao governo eleito.
“Acho que nunca vi um governo com tanta sorte como esse. O presidente Lula teve muita sorte com esse voto do ministro Gilmar mendes, pois isso destravou o ‘balcão de negociações’ entre legislativo e executivo. Por agora, facilitou muito a vida do executivo, pois institucionalizou o caminho da PEC, que não precisará mais ser tão negociada”, apontou Niemeyer.
Ainda de acordo com ele, o executivo ganha autonomia para negociar e deve se aproveitar para “estreitar” relações com o Congresso.
“Quando se negocia com alguém e a gente ganha poder de negociação, se continuarmos próximos a ele, o mesmo fará o que queremos. O executivo ganha maior autonomia, mas vai ‘passar a mão’ na cabeça do Congresso para trazê-lo mais para perto. Foi positivo para o executivo. Desde já, o Haddad, como ministro da Fazenda, está pensando nos quatro anos e na sua possível candidatura, então se mostrará parceiro do Congresso”, concluiu o cientista político.