Mesmo com a premissa de buscarem a parte saudável do capitalismo, os fundos ESG (sigla em inglês para governança, ambiental, e social) e o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) tentam, a longo prazo, bater o Ibovespa, o principal índice acionário brasileiro. O problema é que nem sempre conseguem.
Os fundos ESG, segundo Claudio de Moraes, professor de macroeconomia e finanças do Coppead/UFRJ, têm como meta investir em empresas comprometidas com questões ambientais, sociais e de governança. O ISE, por sua vez, agrupa empresas com peso e parâmetros definidos e que se encaixam nas métricas ESG, segundo Erik Sala, especialista em fundos e renda fixa da DVinvest.
Pela ‘novidade’ dos produtos financeiros, os especialistas apontam que pode ser até injusto colocar fundos contra o Ibovespa, uma vez que o principal índice da bolsa brasileira já tem parâmetro de mercado definido, como explicou Marcelo Cambria, professor de mercado de capitais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap). Mesmo assim, a comparação é válida, e até necessária na hora de investir.
Qual a performance do ESG contra o Ibovespa?
“A performance vai depender da janela de apuração. Como essa é uma indústria em crescimento, é complicado comparar fundos que ainda estão surgindo com o índice Bovespa, já estabelecido”, apontou Cambria. Ainda assim, o professor entende que tanto contra o Ibovespa, como contra índices ao redor do mundo, esses fundos tendem a performar bem.
No caso do ISE, que já tem uma janela de tempo razoável, segundo Sala, há um empate com o Ibovespa quando se analisa desde 2016. No entanto, de cinco anos para cá, o índice sustentável perde.
Rodrigo Knudsen, gestor da Empiricus Investimentos, explica que a performance do Ibovespa é muito pautada por empresas como Vale (VALE3) e Petrobras (PETR3;PETR4), que estão longe de serem consideradas ESG. “A alta das commodities, portanto, impulsiona o Ibovespa”, apontou.
Por isso, para Knudsen, os investimentos em ESG são de longuíssimo prazo. “Na bolsa, geralmente se investe pensando em três anos no futuro. Para fundos ESG, eu entendo que é um dinheiro para a aposentadoria, para se retirar daqui dez anos”, comentou.
Isso porque, segundo ele, ainda é baixo o investimento em fundos desse segmento, mesmo que o ESG esteja na “boca do povo”. Para o gestor, uma hipótese para esse movimento é geracional: o público que se engaja nesse assunto é jovem, e não está investindo ainda.
Outra tese, segundo Knudsen, é a de empresas de valor. Com a volatilidade da bolsa, investidores tendem a migrar suas aplicações para empresas maiores e mais consistentes.
“As empresas que fazem parte de fundos ESG ainda estão crescendo e precisam de mais crédito”, apontou. Ainda assim, segundo ele, essa hipótese pode se confundir com a de commodities, uma vez que as empresas de valor no Brasil são atreladas ao minério e ao petróleo.
Com tudo isso posto, as perspectivas são de um futuro preocupado com questões ESG, tanto no Brasil como no mundo, como explicou Cambria. “Já há trilhões de dólares com interesse claro de ingressar em projetos vinculados à sigla”.
Ainda assim, para Moraes, existe uma possibilidade de que os fundos se separem para cada uma das letras do ESG, principalmente por conta das questões ambientais. Segundo o professor, existem duas críticas que devem ser levadas em conta: a primeira aponta que as letras não estão levando para o mesmo objetivo, porque são bem distintas. A segunda, revela um problema ainda intrínseco entre empresas que procuram o selo ESG: o greenwashing.
ESG, a evolução do setor e as dificuldades ambientais
A pauta ESG no mercado financeiro não é de hoje. Segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), o patrimônio dos fundos com essa temática passou de R$ 1,03 bilhão em 2008 para R$ 2,01 bilhões em março de 2022. Mesmo que ainda seja difícil de contabilizar o volume exato, a Anbima vê um aumento no interesse de investidores nesse player.
“O ESG tomou bastante força no mercado financeiro entre 2018 e 2020, quando surgiram mais produtos focados no conceito, como ETFs e índices”, explicou Sala. A época, segundo ele, não é uma coincidência: “Vimos o juros, principalmente de países evoluídos, em patamar negativo e isso fomentou o mercado”.
Ainda assim, o especialista apontou que existe até hoje uma dificuldade de encaixar empresas de forma plena no selo – e, portanto, nos fundos e índices. Um exemplo é a Azul (AZUL4), que faz parte do ISE. “Ela tem de fato bons projetos ambientais, mas é uma companhia aérea e aviões ainda são poluentes, com consumo alto de combustível”, comentou o analista.
O caso da Azul não é solitário. Como adiantou Moraes, o greenwashing, que diz respeito a empresas que se comunicam como sustentáveis mas não praticam de fato, é recorrente no setor.
Para Knudsen, é justamente a letra “E” que faz a diferença no momento de encaixar uma empresa em ESG ou não. “O ‘G’, que diz respeito à forma como a empresa é gerida, e o ‘S’, que fala sobre questões de raça e gênero, vem sendo mais aplicadas, ainda que de forma lenta e gradual”, apontou.
A questão ambiental, no entanto, é bem mais difícil. Segundo ele, o mundo não parece pronto para grandes mudanças e ainda é impossível parar uma grande empresa, como a Vale, por questões ambientais.
Mesmo assim, o mercado se vira para esse setor. De janeiro até julho, 22 fundos de ações e de renda fixa se identificaram como sustentáveis de acordo com as novas regras da Anbima. Por outro lado, apenas cinco fundos estão, de fato, inseridos da sigla ESG.