Trocas de emails entre os bancos Itaú (ITUB4), Santander (SANB11), ABC Brasil e as auditorias da Americanas (AMER3) expõe esquema fraudulento que gerou rombo contábil de R$ 40 bilhões na varejista. Os documentos foram divulgados com exclusividade pelo UOL.
Nas mensagens, os bancos escondiam os empréstimos realizados pela Americanas (AMER3) das demonstrações financeiras enviadas à consultoria. O disfarce fez com que os prejuízos reais acumulados pela varejista ficassem ocultos.
Alguns documentos mostram que os bancos chegaram a enviar à consultoria, por engano, demonstrações contábeis que incluíam os empréstimos. Ao perceber o deslize, as instituições financeiras mandavam versões corrigidas das planilhas, em que os eles desapareciam.
A modalidade de crédito em questão, muito utilizada pela Americanas (AMER3), é o risco sacado. Neste caso, a instituição financeira compra débitos que a varejista tem com seus fornecedores – por exemplo, faturas referentes à compra de produtos – e, assim, empresa passa a dever ao banco.
De acordo com os documentos obtidos pelo UOL, fica claro que a varejista tratava abertamente com os bancos das operações de risco sacado e fazia sugestões de como a instituição poderia abordar o assunto, caso a auditoria questionasse as operações.
As correções feitas pelos bancos, em que os empréstimos desapareciam, ocorriam, ao menos, de 2017 a 2023.
Fraude Americanas (AMER3): auditoria questionou sobre risco sacado, mas emitiu pareceres sem ressalvas
Em 2019, após receber de as retificações dos bancos, a auditoria KPMG questionou a administração das Americanas a respeito do risco sacado. Em resposta, a varejista disse não ter conhecimento de detalhes dos combinados porque não se envolvia diretamente nas negociações entre seus fornecedores e os bancos.
No entanto, outra parte da documentação a que o UOL teve acesso mostra que a varejista participava ativamente das tratativas relativas ao crédito para os fornecedores.
Ainda que os documentos dos bancos tenham sido corrigidos por três anos seguidos, a KPMG emitiu pareceres sem ressalvas sobre os balanços de 2018 tanto para Lojas Americanas quanto para B2W.
O tema do risco sacado não aparece nem entre os principais assuntos de auditoria no parecer final.
A auditoria disse à CVM que, como as respostas foram corrigidas diretamente pelos bancos, os auditores não tinham “motivos para questionar a legitimidade das informações prestadas”.
O que dizem os bancos
Em resposta à reportagem do UOL, o Itaú afirmou que “sempre prestou todas as informações nas respostas às cartas de circularização”.
“Até setembro de 2017, a Americanas mantinha convênio para realização de operações de risco sacado com o banco e, por meio desse convênio, as operações eram cotadas pela empresa e formalizadas, naquelas condições, pelos fornecedores dela. Nesse contexto, todos os saldos eram reportados nas cartas de circularização, inclusive as enviadas em 2016 e 2017”, disse o banco em nota.
“Com relação à carta de circularização enviada em 2017 (referente a 2016), a Americanas pediu sua substituição, excluindo as operações de risco sacado, o que foi negado pelo Itaú. A Americanas enviou novo pedido, listando as operações que queria que constassem da carta, sem que na lista constasse o risco sacado. Em resposta, o banco enviou a carta, mas anexou a ela a versão original, que listava todas as operações de risco sacado”, completou.
O Santander respondeu que “repudia veementemente qualquer insinuação contrária à lisura de sua relação com a Americanas, eventualmente feita por pessoas responsáveis pelas irregularidades ocorridas em sua administração e das quais o Banco também é vítima”.
“A instituição sempre informou integralmente os saldos das operações da Americanas no Sistema Central de Risco do Banco Central, que constitui uma entre as possíveis fontes de auditagem, além das cartas de circularização. Fato relevante publicado pela própria empresa em 13 de junho de 2023 relata que ‘as demonstrações financeiras da Companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas’. Ou seja, o documento comprova que a responsabilidade pelas ‘inconsistências contábeis’ é exclusiva da empresa, por intermédio de sua antiga diretoria”, afirmou o Santander, que não respondeu as perguntas sobre o relatório e o email da auditoria KPMG.
O Banco do Brasil disse que não comenta casos específicos, mas que suas operações de crédito ocorrem “em total conformidade com a legislação e regulamentos vigentes”, e observa “as melhores práticas e normas de governança, de forma reconhecida no mercado”.
O BTG Pactual disse que “as operações de crédito realizadas com as Americanas seguem o padrão de mercado e estão dentro da regulação vigente”.
Disse ainda que “a busca por taxas mais competitivas para os fornecedores é uma prática regular do mercado, em prol dos clientes” e que “todas as operações de crédito são registradas nas informações contábeis do BTG Pactual e devidamente reportadas à Central de Risco do Banco Central do Brasil”.
O banco ABC Brasil disse que não comenta. Bradesco e Safra não responderam aos pedidos da reportagem do UOL.