O Ibovespa findou 2024 muito longe do que as previsões indicavam no início do ano, com o índice fechando o último pregão do período, na segunda-feira (30), com saldo negativo maior que 10%. Como em todo jogo, alguns saíram vencedores ou perdedores, com os três papéis que encabeçaram o lado negativo do ranking ilustrando os setores que mais frustraram os investidores.
No topo da lista de maiores desvalorizações esteve a Azul (AZUL4), cujo desempenho chegou ao fechamento da véspera com -77,89%. Em seguida vieram Magalu (MGLU3) e Cogna (COGN3) com quedas acumuladas de 69,76% e 68,77%, respectivamente.
No quadro geral, especialistas acreditam que a deterioração nos indicadores econômicos ao longo do ano, bem como nas perspectivas para os mesmo em 2025, enfraqueceram o desempenho de setores do Ibovespa mais sensíveis ao dólar, aos juros e à inflação, como no caso da aviação, educação e varejo.
A performance amarga da Azul (AZUL4) no Ibovespa refletiu a situação de seus déficits. Ao longo do ano, a companhia aérea buscou formas de renegociar uma dívida de curto prazo e chegou a conseguir através de um acordo com detentores de títulos para obter US$ 500 milhões em financiamento adicional.
O acordo previa o fornecimento de US$ 150 milhões à Azul pelos credores, com prazo de 90 dias para vencimento, além de mais US$ 250 milhões depois desse período e a possibilidade de outros US$ 100 milhões em caso de melhoria nos fluxos de caixa.
Contudo, as agências de classificação de risco Moody’s e Fitch Rating não pareceram tão animadas com a recuperação da empresa ao longo do ano.
A Moody’s chegou a rebaixar o rating corporativo da companhia de “Caa1” para ‘Caa2”, enquanto a Fitch, em relatório divulgado em setembro, antes da renegociação, acreditava que a situação financeira da aérea era “insustentável’, análises que ajudaram na desvalorização do papel.
Setor de educação é maioria entre as maiores quedas do Ibovespa
As outras duas posições do top 5 de companhias listadas no Ibovespa que tiveram quedas mais expressivas foram ocupadas pela Yduqs (YDUQ3) e CVC (CVCB3). Mas fora do índice principal, as demais ações do setor de educação também viram seu desempenho desmanchar na Bolsa.
Para João Victor Vieitez, analista da Aware Investments, o cenário foi resultado de uma combinação de fatores que atingiram tanto a saúde financeira das companhias quanto o ambiente macroeconômico.
“Os balanços trimestrais vieram abaixo do esperado, expondo dificuldades financeiras e operacionais importantes. A inadimplência dos alunos continuou alta, prejudicando a receita das empresas, enquanto a evasão escolar seguiu como um desafio que só aumentou a pressão nos resultados”, disse o analista.
Além disso, ele destacou que o ritmo da Selic (taxa básica de juros), que voltou ao ciclo de elevação desde setembro, finalizando 2024 a 12,25% ao ano, tornou o crédito estudantil mais caro, o que afastou os novos alunos e reduziu matrículas.
“Havia esperança de que o governo revisasse programas como o FIES, o que poderia dar um fôlego extra ao setor, mas essas mudanças não aconteceram”, ressaltou Vieitez.
Junto a isso, o setor de educação, assim como de aviação, seguiu sendo castigado pelas sequelas da pandemia de Covid-19, com a migração ao EAD (Ensino à Distância) acarretando desafios operacionais, mais concorrência e a necessidade de grandes investimentos em tecnologia, pressionando as margens de lucro.
Varejo
As empresas varejistas teriam dominado o ranking de desvalorização do Ibovespa este ano, caso a Americanas (AMER3) e a Casas Bahia (BHIA3) estivessem listadas no índice, o que não ocorre por conta do processo de recuperação judicial que ambas estão enfrentando devido às dívidas bilionárias.
Confira os desempenhos das principais varejistas:
Empresa | Desempenho em 2024 |
Americanas (AMER3) | -93,19% |
Casas Bahia (BHIA3) | -74,51% |
Magalu (MGLU3) | -69,76% |
Assaí (ASAI3) | -56,95% |
Carrefour (CRFB3) | -53,81% |
A persistência de juros elevados e a pressão inflacionária foram dois fatores decisivos para as perdas desses papéis, segundo Júlio Monteiro, CEO da Megamatte.
“Esses fatores resultaram na redução da capacidade de consumo das famílias e no aumento do custo do crédito, elementos fundamentais para o desempenho do setor”, disse.
Além disso, conforme as expectativas para a Selic deterioram, diante do guidance sinalizado pelo BC (Banco Central) de mais 2 altas de 1 ponto percentual na taxa já no primeiro trimestre de 2025, a tendência é que o custo do capital permaneça elevado no curto prazo, restringindo ainda mais o acesso ao crédito e desacelerando o consumo, especialmente em categorias de bens duráveis e de maior valor agregado.
“Apesar desses desafios, a perspectiva de longo prazo para o varejo é de recuperação gradual, impulsionada por fatores estruturais importantes. A resiliência do setor se baseia em três pilares fundamentais: a diversificação dos modelos de negócios, a digitalização das vendas e a busca por eficiência operacional”, salientou Monteiro.
Entre as estratégias para que as varejistas se reestabeleçam, o especialista citou uma gestão financeira mais conservadora e estratégias voltadas à retenção e fidelização de clientes.
Outra ponta importante para essas empresas é aprimorar seus recursos tecnológicos como inteligência artificial, análise de dados e personalização para captar melhores oportunidades de mercado.
“O crescimento do e-commerce e o fortalecimento das vendas omnichannel têm sido fatores relevantes para o desempenho de algumas empresas, reduzindo a dependência exclusiva do varejo físico”, afirmou Monteiro.
Espera-se uma retomada gradual da atividade econômica no médio e longo prazo, com a estabilidade dos índices de desemprego e a recuperação do poder de compra das famílias para criar bases mais sólidas para um novo ciclo de crescimento no setor e melhor desempenho das companhias dentro e fora do Ibovespa.