Inflação persistente nos EUA pode influenciar negativamente câmbio e Bolsa no Brasil

Segundo especialistas, alta de preços ao consumidor nos EUA pode ocasionar "efeito cascata" em outros países

A inflação dos Estados Unidos está em seu maior nível, desde o início da década de 80. A alta persistente de preços ao consumidor no mercado norte-americano influencia diretamente o câmbio e o mercado de ações no Brasil. Isso porque, segundo especialistas, com os juros mais elevados (para conter a inflação), os títulos norte-americanos ficam mais atrativos e os investidores internacionais acabam optando por diluir seus riscos em mercados locais para aportar no mercado americano. A saída de capital, portanto, deve puxar a Bolsa para baixo e elevar o câmbio. 

Para Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management, esse cenário de inflação confirma a continuação do aperto monetário pelo Fed (Federal Reserve, banco central norte-americano), o que deve mexer com a economia de diversos países do mundo, inclusive do Brasil.

“Com os juros mais elevados, os títulos norte-americanos ganham maior atratividade. Os investidores passam a ter ativos considerados de alta segurança com maior rentabilidade — em dólares. Isso acaba migrando o fluxo de capital para os Estados Unidos, impactando o real na paridade com o dólar e aumentando o custo de oportunidade para os estrangeiros ingressarem na nossa bolsa”, destacou Gonçalvez. 

“Para a economia brasileira, câmbio mais alto significa maior preço dos produtos importados e pode gerar aumento nos custos de produção por aqui, afetando também a nossa inflação, que já ronda os dois dígitos”, complementou o especialista.

De acordo com Rafael Bevilacqua, estrategista chefe da Levante Investimentos, com a grandes chances de um novo aumento na taxa de juros dos EUA, o “fantasma da recessão” volta a entrar em questão, já que os juros altos impactam a atividade econômica diretamente, por mexer com o poder de compra das famílias.

“O ponto chave é a persistência da inflação dos EUA, que não tem cedido. O BC dos EUA começou, nos últimos meses, a prezar pelo controle da inflação em detrimento da atividade econômica. De forma global, isso acaba impactando todo mundo, inclusive o Brasil. Com o aumento dos juros lá, o diferencial diminui e isso acaba sendo ruim para a taxa de câmbio também”, afirmou Bevilacqua.

A taxa de juros é o principal instrumento que os bancos centrais utilizam para controlar a inflação. Com uma inflação alta (como é o caso dos Estados Unidos), a taxa de juros tende a subir. Dessa forma, a renda fixa se aprecia. Este movimento – que já tem acontecido – deve aumentar nos EUA, como explica Virginia Prestes, professora de finanças da FAAP. 

“Os investidores acabam mandando dinheiro para os EUA. Uma boa parte do fluxo da liquidez global vai pra lá. O dólar se aprecia contra as demais moedas, causando uma alta do dólar. Por esse lado, a taxa de juros mais alta também puxa as demais taxas para cima. O investidor internacional acaba comparando uma taxa contra a outra. Por isso, também seria um causador da gente subir a taxa de juros. Com os EUA subindo a taxa de juros, deve acontecer um efeito em cascata”, explicou Prestes. 

A especialista também exemplificou que muitas coisas que o Brasil importa ficam mais caras, com todo esse movimento e a alta do dólar. Por outro lado, as commodities mais caras podem ajudar o Brasil, que é um grande exportador desses produtos. 

“Ao mesmo tempo, isso pressiona a nossa inflação. Os produtos importados, alta de commodities e alimentos acabam sendo mais um estímulo para a inflação doméstica”, disse Prestes.

Com a possibilidade de uma inflação ainda mais alta no Brasil, muitos setores da bolsa de valores acabam sofrendo. Além disso, os investimentos em renda fixa ficam cada vez mais atrativos, por oferecerem riscos menores e bons retornos. Tudo isso acaba impactando o mercado acionário interno.

Como a inflação pode acender uma luz de alerta sobre recessão? 

Segundo o coordenador do curso de Economia da Faap, Paulo Dutra, quando se eleva a taxa de juros nos EUA e reduz, consequentemente, o consumo da população, isso impacta diretamente na economia e – de forma geral – nas empresas, que passam a diminuir seus investimentos. 

“A população vai consumir menos, terá uma quantidade menor de demanda pelos produtos e serviços produzidos pelas empresas. Isso impacta diretamente o valor das empresas, porque você prevê que a receita dessas empresas será menor. Ao mesmo tempo, você aumenta o custo de capital dessas empresas”, disse Dutra em relação ao aumento dos juros em razão da alta inflação.